Ultrapassando o litoral, já perfurando o azul do oceano, era possível ver as velas brancas recolhidas e os mastros, à distância, parecendo agulhas afiadas.
Fortuna balançava preguiçosamente sobre as águas, mas não se podia dizer que nele estava tudo adormecido, a começar pela moeda brilhante nas mãos do único tripulante, o fulgor dourado bem vívido.
Derek, de certo modo, também estava tinindo de energia. Tinha passado a noite acordado, hora ou outra tocando a gaita que recebera de presente dos Blank, nada que realmente desse cabo de toda a agitação que se apossara dele desde que tinha sido resgatado do cruzeiro de Maciel por seu barco mágico. Embora permanecesse resignado a ficar recolhido no interior para não ser visto, estava particularmente difícil lidar com a sensação de claustrofobia, a incerteza do que fazer o sufocando naquele confinamento.
Estava, além disso, experimentando a sensação de sentir falta de alguém como há muito tempo não sentia. Desde o primeiro momento de sua vida de navegante, tinha contado com a presença de Eveline, ela sempre o provocando ou reclamando de algo, mas ao seu lado, com coragem e resistência, mostrando ser um valioso apoio.
Quando a moeda começou a brilhar, era como se uma lacuna começasse a ser preenchida. Ela estava por perto, só faltava saber se a Efígie também. Desde a noite em que fora capturado, não fazia ideia de como estava a garota, se tinha se libertado ou se continuava sob coerção deles, e o fim da espera por alguma notícia veio na forma de pontadas insistentes no casco.
O rapaz achou que fosse o pedaço da corrente da âncora batendo no barco enquanto o mesmo balançava com as ondas, mas viu que estava vindo de diversas direções, insistindo para entrar – ou para que ele saísse.
Derek perscrutou os vidros das escotilhas fechadas, ponderando sobre os riscos. Se fosse uma ameaça, já teria se mostrado como tal. Deixou a moeda no fundo do bolso, como geralmente deixava, guardou a gaita no armário, abriu a porta e subiu para o cockpit, atento.
Apenas o vento sussurrava em um idioma ininteligível, exalando seu bafo marítimo. O mago tocou no timão e saiu de baixo do toldo azul ao subir para o convés para conferir melhor se somente o oceano dava o ar de sua graça naquele momento.
A paisagem isenta da presença de qualquer outra embarcação mostrava que a vontade de fugir de companhias estava dando certo, mas a solidão era mesmo completa? Olhou para baixo e viu que a única coisa que queria subir a bordo eram as ondas que batiam contra o casco, o barulho muito diferente daquele que ouvira antes. Se ele queria uma surpresa, ela não veio do obscuro mundo subaquático, mas de cima, para onde ele olhou rapidamente na intenção de terminar a vistoria e voltar para dentro.
A estranha ave de ouro estava empoleirada no vau das velas, uma trave perpendicular ao mastro, olhando fixamente para ele. Não deu nenhum pio ou qualquer outra manifestação nos primeiros instantes, mas o interesse no rapaz era visceral.
Após um minuto de silêncio, abriu as asas com a resplandecência do ocaso e voou para o parapeito, poucos metros à direita de Derek. Ele ficou de frente para ela no convés, a moeda em seu bolso parecia mais quente, como um processador aquecendo com a sobrecarga de duas influências: a dele e a do pássaro-máquina.
Não sentia que o objeto pudesse ser roubado, nem que era esse o caso. Todo aquele ouro banhado com um brilho difuso indicava a interferência de sua amiga, mas, ecoando uma dúvida de mais cedo, até que ponto também não era uma interferência da Efígie? Não sabia se ainda estava capturada ou o que quer que tenha acontecido. A ave não ofereceu resposta alguma, apenas saltou em um voo rasante pelo veleiro e pousou no bico da proa, postando-se como um cão apontando em uma direção.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Derek Campbell contra a Efígie
FantasíaO plano de Derek Campbell era bastante simples: passar a vida como um pacato saxofonista de um pub inglês, mantendo ocultos e sob controle os estranhos poderes mágicos que tanta desgraça já trouxe para ele. Derek só não contava ser encontrado pela E...