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2013

A n y

      Morrer é ridículo.
      Um ser vivo simplesmente parar de existir em qualquer hora ou lugar. Acho isso ridículo.
      A pessoa morre e você mesmo tem que acostumar o seu cérebro que nunca mais irá vê-la. Bom, no meu caso, quem morreu não foi uma pessoa. Foi a Lady Gaga, minha gatinha.
      "Que a terra seja sua companheira, assim como você foi a minha", dizia meu bilhete, agora jogado embaixo da terra.
      ─  A alma de quem nunca amou um animalzinho não tem luz nenhuma ─ Diz minha mãe em prantos, ao meu lado.
      Lady conviveu com nós após ter começado a morar na varanda de nossa antiga casa, há 10 anos, e agora a vida dela foi tirada. Sem poder pedir por ajuda, sem motivos, sem ter feito algum mal.
      ─ Quem fez essa maldade com ela vai sofrer o dobro, eu juro por Deus ─ Mamãe lamentou novamente enquanto ela e o meu pai saiam em direção ao carro. Me sinto mal por ver ela sofrer, é como se fosse um pilar de sustentação rachando-se enquanto observo ao lado.
      Desde que meu pai chegou na sala de casa e nos levou para mostrar aquela cena, há três dias atrás, meus olhos permaneceram secos. Eu não consegui chorar, e nem lacrimejar, meus músculos ficaram rígidos. Não é como se ela tivesse morrido pacificamente em uma cama de ouro com todas as pessoas que a conheciam em volta. Ela morreu sozinha, sentindo uma dor como nunca havia sentido na vida que demos à ela.
      Pensando nisso, a culpa e a tristeza se misturaram, e encarando a morte cruel de um ser puro que me viu crescer, eu desabei. Senti meu coração sendo pego e esmagado comigo em um estado consciente. Ajoelhada na crespa grama do cemitério de animais, eu chorei como nunca havia chorado antes.
      E chorei.
      E chorei muito.
      Chorei mais um pouco.
      E quando meus olhos ardentes carregados de mágoa se levantaram, uma mulher me encarava há distância. Uma mulher de vestido longo e florido, de pé em frente a um outro pequeno túmulo de algum pobre animal.
      Eu, de joelhos, chorando, com os braços entrelaçados segurando meus próprios ombros, estava sendo analisada pela misteriosa que eu ainda não conhecia.
      ─ Tudo vai passar, Ana ─ Minha mãe diz colocando seus braços nos meus ombros antes das lágrimas cobrirem minha visão.
      No carro tudo o que se ouvia eram os choramingos da minha mãe. Meu pai nunca conseguia ficar calado, isso mostrava como ele também sentia a perda da nossa gatinha.

      Estranho não ter Lady Gaga junto com os nossos outros três gatos na cozinha de manhã assistindo eu me arrumar para a escola. É como se eu tivesse um time com os melhores jogadores do mundo, mas mesmo que um esteja fora, ainda fizesse falta.
      Meu fone de ouvido estava embolado com as chaves de casa no bolso da frente da minha mochila da escola. Juro que passei dois minutos seguidos tentando desatar os mil nós.
      ─ Podemos conversar, Any? ─ Meu corpo endurece violentamente quando uma voz feminina atinge os meus ouvidos pronunciando o meu nome naquela manhã de quarta feira.
      Minha visão sobe e se encontra com a mulher de sábado, que me encarava no cemitério.
      ─ O que você quer aqui? ─ Pergunto enquanto agarro minha garrafa de aço na bolsa.
      ─ Não precisa pegar suas armas violentas ─ Ironiza com uma voz calma ─ Eu tenho uma proposta a você.
      Como ela sabia que eu estava pegando minha garrafa? Agora não tenho mais planos de golpes.
      ─ Por que uma mulher adulta faria propostas à uma adolescente em uma quarta-feira de manhã? ─ Pergunto recuando dois passos ─ E como sabe meu nome? E de onde veio? Não vi você se aproximando.
      ─ Você é astuta, e tem muitas perguntas ─ Responde se aproximando de um carro preto ─ Não quero te assustar, então, serei breve. Vi o seu sofrimento perante ao túmulo de sua pobre gata, minhas condolências. Foi uma tragédia e tanta.
      Arregalo os olhos.
      ─ Como você sabe da Lady Gaga? ─ Pergunto apontando o dedo indicador trêmula.
      ─ Que graça de nome ─ Sorri ─ Como eu disse, serei breve, e não me importo se irá acreditar em mim ou não, Any. Eu me chamo Tamada Hideko, sou uma xamã e feiticeira Jujutsu ─ Seu tom de voz mudou ─ Enxerguei uma profecia quando vi você rendida ao sofrimento do luto e, desde aquele dia, venho te investigando, e quero torná-la minha aluna aprendiz de Jujutsu. Agora... ─ Relaxou os ombros ─ Responderei três perguntas suas. Apenas três.
      Minha mente congelava e ao mesmo tempo pegava fogo. Que papo torto dessa mulher sobre feitiçaria, aprendiz, luto, investigação. Argh, minha mente não funciona, acho que eu tô com medo.
      ─ Três perguntas ─ Ela repete me tirando do transe.
      Pisco repetidamente.
      Ok. Respira, Any.
      1, 2, 3.
      ─ O que raios é Jujutsu? ─ Fiz minha primeira pergunta àquela louca.
      ─ A palavra Jujutsu pode ser traduzida do japonês para sua língua como 'Feitiçaria', ou 'Encantamento', ou 'Magia'. É uma técnica amaldiçoada, contendo habilidades individuais que permitem que cada feiticeiro manipule sua energia amaldiçoada do seu próprio jeito ─ Ela parece um Google ambulante.
      Processo sua história de conto de fadas e penso na minha próxima pergunta.
      ─ Explique o que quer dizer quando você diz que viu uma profecia em mim naquele cemitério de animais ─ Engrosso a voz tentando disfarçar o medo.
      ─ Eu possuo o dom de poder ver uma certa parte do futuro. Não vejo o que de fato vai acontecer, mas sim os resultados de decisões tomadas. Conforme as escolhas mudam, minhas visões também ─ Tipo o jogo Detroit, pensei ─ Eu estava te observando de pé ao túmulo, e quando você caiu de joelhos no chão desconsolada, senti que algo dentro de você mudou, como uma força, mas não sei se maligna ou não. E não conseguia ler sua mente. Mas quando você me olhou, senti algo na minha mente, algo em você mudou, ou despertou.
      Ela me fitava esperando a próxima pergunta.
      ─ Como eu aprenderia isso? Essa coisa de Jujutsu?
      ─ Eu treinaria você. Te tornaria algo a mais, causaria um incêndio nesta pequena chama que você tem e ainda não a percebeu. Você abalaria o mundo que hoje conhecemos, principalmente o de Jujutsu ─ Ela se aproximou ─ É por isso que eu preciso que aceite, que me deixe tentar ver o que é esta intuição que não me deixa dormir desde o dia que vi você.
      Ela se pronunciava com olhos... Desesperados? Meu Deus, que mulher louca.
      ─ Eu não acredito nisso.
      Ela paralisa. Achei que ela não se importaria.
      ─ O quê?
      ─ Eu não acredito em nada do que você falou ─ Explico ─ Você quer mesmo que eu acredite em feitiçaria, leitura da mente? Está brincando comigo, você fez eu perder meu ônibus com essa palhaçada!
      O olhar de Tamada escurecia a cada palavra dita por mim.
      ─ Muito bem ─ Disse friamente.
      A suposta xamã juntou suas mãos e dedos formando um símbolo, como um jogo de sombras.
      Reencarnação maléfica, foram as duas palavras que saíram da boca da mulher antes de formar tudo que estava à minha vista em um santuário maligno, ardente em chamas e sons, que cobriu a rua por uns 4 metros.
      Algo que eu nunca tinha visto.
      Algo que me deixou sem palavras.
      ─ Isto é chamado de expansão de domínio. Esta é uma técnica onde você cria seu próprio território e é totalmente favorecido em batalha ─ Tamada dizia enquanto meu corpo estava paralisado pelo temor ─ Então me diga se acredita agora, garota, porque mais cinco minutos aqui dentro e seus ossos virarão pó.
      Me esforcei para fazer meus lábios balbucinarem alguma coisa.
      ─ É... O quê... ─ Meu cérebro tentou mandar palavras à minha boca e falhou miseravelmente.
      ─ Se comunique com palavras concretas, detesto quando resmugam ─ A dona do domínio reclamava, na minha frente.
      ─ É lindo.
      A mulher paralisou seu olhar.
      ─ O quê? ─ Perguntou
      ─ É... Lindo ─ Repeti olhando à minha volta ─  Me ensine isso, Tamada Hideko. Eu quero que você me ensine tudo o que sabe ─ Respondi olhando-a.
      Os membros dela relaxaram e todo o santuário medonho sumiu em um piscar dos meus olhos.
      ─ Então, entrarei em contato ─ Disse, e entrou no carro preto antes que eu pudesse dizer algo mais.

      Merda.
      Perdi meu ônibus.

Meu Colega de Sala - Satoru Gojo. Onde histórias criam vida. Descubra agora