01 - A festa dos Mortos - Parte I

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Setecentos anos antes dos eventos de reino quebrado. Enya, Azaban, Reinado de Rowan I Ablasak.

Uma pequena multidão se aglomerou ao redor do anúncio. Eram principalmente idosos vestindo roupas gastas, com conhecimento transmitido oralmente, distantes da cultura elitista valorizada pelo reino. O cartaz recém-afixado no mural de madeira, próximo da fonte, em letras douradas e adornado com o selo real, trouxe apreensão, pois os habitantes de Enya estavam acostumados a ser explorados e ver seus filhos serem recrutados ainda crianças para o exército mais temido do continente. Ali, a educação era reservada apenas para os nobres ou para aqueles considerados valiosos para o Estado. Para os demais, restavam os trabalhos nos campos, cultivando leveduras, plantações ou criando animais para abate. Os tributos aumentavam regularmente, cada família pagava uma taxa única que poderia perdurar anos; e caso as dívidas não fossem quitadas, o reino confiscava seus bens e redistribuía as terras para garantir a continuidade da produção.

Enya contava com cerca de seiscentas famílias, mais de cinco mil habitantes, era uma pequena vila comparada às demais. Repousava serenamente no vale de Anelis, cercada pelas esplendorosas Montanhas de Viseu. Pequenas casas de madeira, com telhados de ardósia, alinham-se ordenadamente ao longo das margens de um riacho cristalino que corta o vilarejo em duas metades harmoniosas. As habitações são adornadas com flores silvestres em caixas de janelas, emanando uma fragrância doce que se mistura ao ar puro da montanha. As casas, construídas com madeiras robustas e enfeitadas com entalhes de criaturas místicas, principalmente esculpidas de rostos élficos e animais alados, davam um ar mais nobre ao lugar. O riacho, de águas límpidas e gélidas, serpenteava suavemente enquanto passava sob uma ponte de pedra arqueada, levando consigo o frescor das montanhas para os campos mais baixos e, posteriormente, ao rio Amuriel. Pequenos lampiões de ferro forjado pendem das entradas, projetando uma luz cálida que ilumina as trilhas de pedras brancas cortadas em círculos e os caminhos cobertos por um extenso tapete de musgo, onde joaninas perambulavam e os vaga-lumes dançavam alegres com a chegada da noite.

No centro da vila, uma praça pavimentada com pedras quadriculadas abriga uma antiga fonte esculpida pelos artistas mais promissores daquelas bandas, em mármore branco, onde crianças brincavam e os anciãos reuniam-se quase todas as noites para contar lendas dos tempos antigos. As árvores ao redor da praça, altas e majestosas, lançavam sombras e seus ramos pareciam sussurrar uma tímida melodia que o vento encarregava-se de arrastar para longe. No fundo, a névoa das montanhas desciam lentamente ao cair da tarde e chegada da noite, envolvendo Enya em um véu de misticidade e deixando apenas as luzes das janelas e dos lampiões cintilando como estrelas em meio a escuridão. Enya era um refúgio para os oprimidos e desabrigados, com tranquilidade e beleza, onde qualquer mínimo detalhe parecia ter sido esculpido pela própria ação da natureza, sem mãos humanas por de trás, criando paisagens encantadoras, propícias para a caça.

As sombras da noite já haviam se estendido sobre o vale e Enya quando Calum, um jovem caçador camponês de dezoito anos, atravessou os portões de madeira do vilarejo. O brilho tênue das estrelas e o cintilar dos lampiões nas casas de madeira lançavam um resplendor dourado sobre sua figura massivamente imponente. Com cabelos negros caindo em mechas rebeldes sobre os ombros largos, sua pele bronzeada pelo sol e cicatrizes de batalhas passadas, Calum era a personificação da força e da determinação. Vestido em calças de couro preto, ajustadas perfeitamente ao seu físico esculpido, ele caminhava com um veado morto sobre os ombros, o troféu de sua última caçada. A cada passo, o peso da presa parecia nada para ele, que seguia com passos firmes e silenciosos, quase como uma sombra. Seu olhar, de um azul profundo, refletia a luz da lua, e uma expressão de foco e serenidade marcava seu rosto.

Enquanto Calum avançava pelas ruas de pedra da vila, crianças surgiram das sombras, correndo para acompanhá-lo. Seus olhos brilhavam de admiração e curiosidade, suas vozes sussurravam contos de bravura e lendas sobre o caçador que nunca falhava. Eles corriam ao seu redor, como pequenas estrelas orbitando um sol, suas risadas ecoando na noite serena. As portas das casas se abriam ligeiramente, revelando rostos de aldeões que o observavam com respeito e gratidão, pois tinham Calum como um líder. O cheiro da terra e das folhas secas impregnava o ar, misturando-se com o aroma da madeira queimada das lareiras das casas. A praça central da vila, com sua antiga fonte de mármore branco, estava iluminada pela luz suave dos lampiões. Calum costumava visitar o local de vez em quando, apreciar a paisagem e a vista passou a ser seu hobbie, mas isso mudou com o tempo. Ele passou a ser caçador, como todos os membros de sua família.

Ladar - Sangue & Sacrifício - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora