02 - Serpentes da Floresta - Parte II

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Calum engoliu em seco. Já havia escutado rumores das Serpentes da Floresta, criaturas nascidas humanas, mas com dons sobrenaturais herdados da Floresta Sufocante após a queda de Averion. Em uma das lendas, dizia-se que três garotas órfãs que residiam na Grande Floresta Proibida, de tanto inalar o mesmo ar que seres mágicos, foram amaldiçoadas a rastejar pelos musgos depois de, acidentalmente, matarem o Rei da Floresta, um alce dourado como as luzes providas do Sol. Como forma de penitência, as fadas lançaram uma maldição sobre as três moças, que passaram a assombrar o lugar, matar animais a torto e a direito, e levar viajantes e camponeses para um banquete de ossos.

Léthia, Tâmila e Nerolan pareciam inofensivas. Eram jovens muito bonitas, como todos da raça Gwins, pois eram uma mistura de Duäles e Eervales que deu origem aos ruivos. Os Duäles, homens de cabelos brancos, e os Eervales, os loiros, se cruzaram e os ruivos nasceram como uma promessa de escárnio. Os Gwins foram exilados das cidades; apenas os considerados privilegiados poderiam viver, um caso contraditório das Serpentes da Floresta. A aversão começou ainda nos primórdios, quando Celeban I Ablasak, Senhor de Azaban, teve uma premonição de que um guerreiro antigo se reencarnaria em um Gwin e uma grande desgraça haveria de acontecer. As torres vigilantes da cidade dourada seriam derrubadas, e no seu solo nada mais produziria, então tomou a liberdade de expulsá-los para as vilas e as florestas, para não se progredirem.

Calum não queria acreditar naquela história, mas o encontro com as garotas não foi acaso do destino. Elas sentiram seu cheiro e o seguiram floresta adentro.

A lua cheia pairava alta no céu, sua luz filtrada pelo dossel denso da floresta, lançando sombras longas e fantasmagóricas sobre o chão coberto de musgo e pedras. As árvores, altas e imponentes, erguiam-se de todos os lados, suas folhas brilhando com o orvalho remanescente da recente chuva. O ar estava fresco e úmido, carregado com o aroma terroso da vegetação.

Calum avançava com passos firmes, as rédeas do cavalo seguradas com segurança em suas mãos calejadas. Seus olhos varriam a trilha à frente, atentos a qualquer sinal de perigo. Atrás dele, Léthia seguia com uma graça quase angelical, seus longos cabelos ruivos capturando a luz da lua e reluzindo como fogo. Mais atrás, suas duas irmãs, Tâmila e Nerolan, também ruivas, caminhavam em silêncio, suas figuras esguias movendo-se como sombras através da trilha sinuosa. Eles haviam deixado a Taverna do Carvalho Antigo há algum tempo, e a atmosfera da floresta parecia envolvê-los cada vez mais, como um manto misterioso.

— Essa floresta parece se estender para sempre — murmurou Calum, olhando para as árvores que se perdiam na escuridão.

— Ela é conhecida como a Floresta Proibida — respondeu Léthia, sua voz calma e estudada. — As árvores aqui são tão densas que a luz do sol mal penetra durante o dia. À noite, a lua é nosso único guia.

Nerolan, a mais jovem das irmãs, parou por um momento para observar um vagalume que passava.

— Eles são tão bonitos — disse ela suavemente. — É quase como se estivessem nos guiando."

— De certo modo, estão — disse Léthia. — Os vagalumes são atraídos pela energia mágica da floresta. Onde eles voam, há magia. E onde há magia, há segurança.

No coração da floresta, uma cabana rústica surgiu gradualmente em meio às árvores. Construída de troncos de madeira, suas paredes estavam cobertas de musgo, e o telhado de palha era quase indistinguível da folhagem ao redor. A cabana, simples e robusta, parecia uma parte natural do ambiente, um refúgio acolhedor no meio da vastidão selvagem.

— Ali — apontou Calum — a cabana do Guardião. Dizem que ele protege esta parte da floresta.

— Será que ele nos ajudará? Não acho que colocará três amaldiçoadas e um estranho para dentro! — perguntou Tâmila, suas preocupações claramente refletidas em seus olhos.

Ladar - Sangue & Sacrifício - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora