01 - A festa dos Mortos - Parte III

47 13 89
                                    

Roupas brancas e leves dançavam no ar como plumas de ganso, movendo-se suavemente ao ritmo da brisa. Este não era um evento comum ou de pouca importância. Era uma celebração que remontava a eras passadas, desde que os Primeiros Homens iniciaram a tradição. A cerimônia exigia que todos se vestissem de branco, usando trajes suaves de cetim, um dos tecidos mais finos e nobres, para homenagear os mortos recentes. Antes da paz, havia a guerra, e a guerra é a mãe de todos os problemas, a causadora do desequilíbrio e a proprietária da dor. Muito antes dos homens chegarem em seus navios pelo Grande Mar de Safira, Azaban era um domínio dos Elfos. E antes ainda dos Elfos, os Ashers reinavam sobre o extremo sul. Esta era uma raça amaldiçoada, marcada por sangue e ódio, sob o domínio de seu líder mais poderoso: Eolon.

Os Elfos da Floresta, liderados por sua sabedoria milenar, iniciaram uma resistência feroz contra o mal que emergia de Nänheim. Este mal trouxe consigo criaturas monstruosas que invadiram as terras élficas, demoliram vilas e cidades, e reduziram as majestosas florestas a cinzas. As hordas malignas não pouparam nada em seu caminho, exterminando os Elfos Verdes e espalhando a destruição por onde passavam.

Durante centenas de anos, essas guerras continuaram, deixando um rastro de devastação. Então, duzentos anos após o início das hostilidades, os homens de Berônia organizaram um contra-ataque decisivo. Seus exércitos, movidos pela determinação e pelo desejo de vingança, fizeram os Ashers recuar. Em um movimento estratégico e unificador, os homens comuns se aliaram aos Elfos do Norte e aos Anões, formando uma coalizão poderosa.

Juntos, sob um mesmo estandarte, eles marcharam contra a fortaleza de Iléria. A batalha que se seguiu foi longa e árdua, mas, finalmente, o elfo Gundar conseguiu derrotar Eolon. Com sua vitória, Gundar lançou uma maldição sobre Eolon, condenando-o a vagar sem sossego pelo mundo.

Apesar da vitória, as cicatrizes deixadas por anos de conflito eram profundas. A Batalha de Iléria, que durou anos, ceifou inúmeras vidas, e os mortos dessa guerra tornaram-se lendas, acima de todas as outras lembranças. A Festa dos Mortos foi instituída como um meio de honrar esses heróis caídos e de garantir que os erros do passado nunca fossem repetidos. Essa cerimônia solene lembrava a todos os participantes da fragilidade da paz e da importância de se manter vigilantes contra as sombras que poderiam novamente ameaçar seu mundo.

Calum estava distante, sua mente ainda lutando para discernir se estava desperto ou perdido em um sonho naquela tarde. Será que o ar da velha floresta de Averion o havia feito alucinar? Ao redor das fogueiras, os anciões contavam histórias, enquanto as moças dançavam ao som dos bardos e os velhos se embriagavam após a cerimônia. Calum encontrava-se sentado sobre a relva verde, suas lembranças da noite anterior misturadas à fragilidade dos pensamentos daquela tarde. Ele segurava uma taça de vinho nas mãos enquanto encarava o fogo. Um suspiro escapou de seus lábios ao sentir o vento gélido tocar seu corpo, eriçando seus pelos e fazendo seus cabelos dançarem lentamente. Seus lábios estavam ainda mais avermelhados devido à uva e ao álcool.

Ele viu uma imagem entre as chamas, balançando de forma hipnótica. Era um rapaz com cabelos loiros como fios de ouro, olhos azuis profundos e intensos, e pele bronzeada com músculos salientes destacados pela roupa fina. Uma fenda na camisa branca entre seus peitos largos e fartos revelava pelos lisos e dourados. O rapaz estava descalço sobre a relva verde, segurando uma jarra cheia de vinho, com um sorriso costurando-se em seus lábios. Calum reconheceu Griffin, filho de um comerciante local, seu amigo de infância e talvez um dos poucos que compreendiam sua necessidade de mudança. Griffin ergueu uma sobrancelha ao sentar-se ao seu lado. A expressão de Calum não era das melhores comparadas às que normalmente exibia. Ele também não estava alegre, mas parecia mais pensativo do que o habitual, o que era desconcertante.

— Deixa eu adivinhar — começou o loiro, enchendo novamente a taça de Calum, ao sentar. — Está arrependido de ter aceitado a oferta do Rei.

Calum suspirou profundamente outra vez. Levou a borda da taça dourada aos lábios e tomou um gole exagerado do vinho do Norte. Depois, voltou a encarar a fogueira.

Ladar - Sangue & Sacrifício - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora