Encontro à meia noite

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Corri pelos corredores vazios até o único lugar onde eu teria paz: a sala do piano.

Joguei minha bolsa no canto e sentei-me no banco, colocando a carta sobre o piano. Se alguém entrasse, era só fingir que estava tocando.

Tomei fôlego e a abri. A letra dele era elegante, grande...

" Olá pequena. Como vai? Essa semana tem sido horrível sem notícias suas. Você podia ter me escrevido uma carta sabia? Ora, ora, tenho que te ensinar como se virar já que seu Mestre não faz. Estou com saudades, a sua imagem não sai da minha cabeça. Estava tão linda naquele dia... Não posso mais aparecer aí na luz do dia, então irei a noite. Me espera à meia noite no grande Carvalho. Estou ansioso. "

Com carinho, Jhon.

Abri um sorriso. Como ele podia ser tão fofo? Talvez fosse dele que eu tinha que gostar... Não de Ramon.

Meu rosto voltou a arder.

- Está doendo?

A voz de Ramon me assustou. Escondi a carta o mais rápido que pude.

- Não. - Respondi sem olhar em seus olhos.

Ignorei sua presença encostada na soleira da porta e toquei as algumas notas. Toquei a música de mamãe.

Ele andou até o piano, ficando no lado oposto a ele.

- Eu... Vim pedir desculpas. Não devia ter te batido.

Meu coração apertou. Por alguns segundos parei de tocar, mas logo voltei. Não queria que me visse triste.

- Ceci, é sério... Me perdoa.

Não respondi. Apenas tocava.

- Ceci...

Mais rápido. Mais notas.

- Cecília.

Rápido. Mais uma vez, do começo.

- Olhos Castanhos!

Não notei quando ele deu a volta no piano e ficou bem ao meu lado. Me agarrou pelos braços e me olhou nos olhos.

Olhos Castanhos... Ele nunca mais me chamou assim...

- Me solta.

Ele ficou surpreso com meu pedido, mas me soltou, delicadamente.

- Desculpa... Por favor.

Eu não gostava de vê-lo assim, mas também não conseguia ficar sorrindo.

- Não se preocupe com isso. - Peguei minha bolsa e saí da sala.

Ele não veio atrás de mim. O que foi surpreendente...

Desci as escadas aliviada, procurando a única pessoa que iria me entender.

- Ethan. - O chamei.

Eles já tinham voltado para sala. Fiquei grata pelo professor ainda não ter entrado.

- Ceci.. Algum problema?

- Podemos conversar, a sós?

Ele assentiu.

Saímos pelos corredores em direção ao jardim, era distante, e vazio aquela hora.

- Então... O que aconteceu?

Ethan se sentou num dos bancos de concreto, sentei-me ao seu lado.

- Eu... Estou confusa.

Ele segurou meu rosto com a mão e olhou o lado que Ramon tinha batido.
- Ele te bateu não foi?

Demorou um pouco, mas assenti.

- Eu sabia! Ele passou a aula toda estranho, como se tivesse feito algo errado. E essa marca em seu rosto... Como ele pôde?!

- Ei, tá tudo bem. Sério. - Tentei acalmá - lo. - Mas não foi para isso que te chamei...

- O que foi?

- Eu... - Pensei em dizer que queria ir pra casa. Eu confiava em Ethan, mas com certeza ele faria pra Ramon. Não podia falar. - Eu... Estou gostando de Jhonatan.

O quê?! De todas as minhas mentiras, essa foi a pior! Só se... não fosse mentira.

- O Dragão?

Assenti. Bom, não era tão mentira assim... Eu gostava de Jhon. Principalmente de seus olhos... Corei ao lembrar deles me fitando.

- Ramon não vai gostar.

Bufei.

- Ele não precisa gostar! Sou sua serva, não sua amante. Ramon vai casar, tem que cuidar da esposa dele.

- Tem certeza?

Assenti.

- Se é o que você quer.

Ethan levantou e foi embora. Algo me dizia que estava chateado.

Suspirei... Até quando eu teria que ficar aqui?

Esse mundo era estranho mas eu gostava de ficar aqui, rodeado de amigos... No entanto, não era meu mundo.

Sentia falta de Violeta, sentia falta do meu mundo, meu clima, minha rotina... Me tiraram da minha vida sem nem sequer perguntar se eu queria. Era tão injusto...

Naquela noite quando deitei em meu colchão no chão fiquei pensando na minha casa... Ramon não falou comigo, nem me olhou. Demorou a entrar no quarto, devia estar com Ivy.

Eu não sabia se já era meia noite mas mesmo assim levantei. Fiz o máximo de silêncio que pude.

Os corredores estavam escuros. Respirei fundo e saí do quarto, me segurando para não gritar. Cada estalo, cada sombra, meu coração disparava.

Por que colocavam ao menos uma tocha aqui?! E como eu vou para o Grande Carvalho nessa escuridão???

Continuei andando, confiando apenas no meu tato nas paredes e na minha memória. Consegui chegar a uma escada. Meu coração parou quando vi o vulto de uma criatura pequena.

Parecia uma cobra, mas tinha membros... Não era Fanindra.

Naquela escuridão eu só via o brilho dos olhos da criatura que se aproximava cada vez mais.

Eu estava prestes a gritar quando senti alguém tampar minha boca com a mão.

Fiquei parada, com medo. Meus sentidos em alerta: tato, audição, visão e... olfato. Eu conhecia aquele cheiro.

Jhonatan!

Amor entre mundos (Readaptação)Onde histórias criam vida. Descubra agora