03 - A cidade dourada - Parte II

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O pôr do sol era ainda mais belo visto do cais, um espetáculo de cores vibrantes e sombras profundas. A bola de fogo gigante no céu engolia lentamente as montanhas distantes, um prenúncio inevitável da noite que se aproximava, trazendo consigo seus próprios pesadelos. Duas semanas haviam se passado desde que ele retornara dos mortos, o ferimento em seu pescoço agora cicatrizado graças às ervas que Evera pilava e transformava em uma pasta espessa. Ela aplicava a mistura com mãos hábeis e precisas, e ele sentia a magia curativa penetrar em sua pele.

Ele podia deixar a Fortaleza Dourada apenas uma vez a cada três dias, e mesmo assim, sempre sob a vigilância atenta de um soldado. Esse guardião não era apenas um mero acompanhante, mas um espião leal ao Alto Rei, incumbido de relatar cada um de seus movimentos, cada suspiro e cada olhar. Era uma vigilância implacável, mas ele estava determinado a recuperar cada fragmento de sua antiga liberdade.

O porto era um labirinto de atividade incessante, onde os sons do comércio e do mar se misturavam em uma sinfonia caótica. Navios de todas as formas e tamanhos ancoravam nas docas, suas velas enfunadas e os cascos batendo suavemente contra os pilares de madeira escurecidos pelo tempo e pela água salgada. O cheiro de peixe fresco, sal e alcatrão permeava o ar, um odor característico que se impregnava nas roupas e na pele dos que ali trabalhavam.

Mercadores gritavam suas ofertas em diversas línguas, suas vozes competindo com o grito das gaivotas e o ranger das cordas puxadas pelos estivadores. Barracas improvisadas vendiam de tudo, desde especiarias exóticas até armas finamente forjadas, enquanto crianças corriam entre as pernas dos adultos, entregando mensagens ou simplesmente procurando encrenca.

Os homens do mar, com suas peles curtidas pelo sol e suas roupas surradas, moviam-se com uma graça rude, acostumados às exigências implacáveis de suas vidas. Eles trocavam histórias de tempestades e monstros marinhos, seus rostos iluminados pela luz bruxuleante das lanternas que começavam a ser acesas conforme o sol desaparecia no horizonte.

Mais adiante, uma taverna fervilhava de atividade, o som de risadas, música e o tilintar de copos de vidro vazando pelas portas e janelas abertas. A luz amarela e quente escapava para as ruas, atraindo aqueles que buscavam um momento de descanso e camaradagem após um dia de trabalho árduo.

Além das docas, uma série de armazéns e construções de pedra formavam a espinha dorsal do porto, abrigando mercadorias preciosas e protegendo-as dos olhos curiosos e das mãos ágeis dos ladrões. Guardas patrulhavam os perímetros, suas armaduras refletindo os últimos raios de sol enquanto mantinham uma vigilância constante.

O porto era um microcosmo de vida e movimento, onde cada elemento, por menor que fosse, desempenhava um papel crucial na grande tapeçaria do comércio e da sobrevivência. Era um lugar onde sonhos e pesadelos se encontravam, onde a sorte podia mudar com a maré e onde o destino de muitos era selado pelas mãos calejadas dos marinheiros. Calum encarava um navio em particular, o maior de todos, ancorado a uns duzentos metros do porto. Era a embarcação real. Seus braços cruzados, ele observava o vermelho das tábuas e os detalhes dourados na proa, com uma cabine mais atrás, fortemente vigiada. Ele dobrou o corpo, encarando o soldado ao seu lado. A mão firme na espada, a outra segurando o elmo, revelando os impecáveis cabelos prateados.

A maioria do exército era composta de homens puros, os de cabelos prateados. Mas também havia os Eervales, os loiros, e muitos Keervales, a raça de Calum. Os Gwins, os ruivos mestiços que viviam nas vilas mais próximas, eram raros. Calum achava todos os Duäles idênticos, assim como os Eervales. A mesma fisionomia esculpida sob medida, o olhar azulado como os céus de verão, a pele branca com lábios avermelhados, altos e imponentes. Aquele ainda era jovem, não havia rompido o primeiro centenário de sua vida prolongada pela magia profunda. Deveria ter, no máximo, uns vinte e poucos anos, leal ao rei, é claro.

Ladar - Sangue & Sacrifício - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora