O Protegido do Inferno

capítulo 10

A essa altura, a chama que invocara já havia se apagado. Ainda atordoado e com Xiao Zhan em seus braços, Yibo sentiu algo molhado em suas mãos, e ele nem precisava olhar para saber que era o sangue do moreno.

Com certa dificuldade, levantou a si mesmo e Xiao Zhan no colo, levando-os para baixo. Deitou-o na cama ainda perfeitamente arrumada. Com a luz fraca do cômodo, agora podia ver melhor os ferimentos. Não era a toa que sentia cada vez mais forte.

Mas diferente de seu corpo, sua mente quase parava, perdendo aos poucos a capacidade de raciocinar de forma rápida, e o sangue se espalhando pelos lençóis claros apenas aumentava seu desespero.

De repente, os diversos momentos que passara treinando com seu pai lhe vieram a mente. Yibo foi ágil em organizar essas lembranças e selecionar com extremo cuidado aquela que funcionaria.

Ajoelhou ao lado da cama, com o coração acelerado, juntou as mãos ensanguentadas, as pálpebras pesando e a mente escurecendo. Em voz baixa, quase embargada por um choro não derramado a séculos, o demônio implorou a Deus.

- Em nome... Daquele que a todos protege e guarda... Em nome de todo os santos imaculados das catedrais... Abençoa essa alma e salva este corpo diante de mim. - com os lábios trêmulos olhou de relance para o moreno ainda deitado inconsciente. - Deus, por favor, salve-o.

Deitou por fim sua cabeça sobre o colchão, deixando de lado qualquer preceito que se pratica sobre um demônio príncipe do inferno. Sabia que era tão impossível de um milagre acontecer, principalmente pedido por ele, que isso acabava por alimentar sua falsa esperança.

A verdade, é que ele não tinha a menor ideia do que fazer em tal situação. Jamais em seus séculos de vida pensou ser capaz de fazer algo bom por um humano por vontade própria, quanto mais rezar a Deus.

Esperou pacientemente, estendeu sua mão vagarosamente, e se chocou ao perceber que a pele do arcanjo estava tão gélida quando um cadáver, suas próprias mãos pareciam tão calorosas agora, perto daquele corpo.

Ainda repleto de receio, Wang Yibo se levantou e pôs delicadamente seus braços por baixo do moreno, o prendendo a seu peito, envolto em seu abraço quente como a chama.

Permaneceram ali, naquela mesma posição, rodeados pelo desespero e incerteza, até que Yibo sentisse a presença de mais alguém no cômodo. Levantou sutilmente sua cabeça, ao sentir o cheiro agridoce de sua irmã mais velha, Meng Zi Yi.

Com os olhos vermelhos e marejados, aparência de humano, força de um demônio, determinação e ódio da carne mundana, suplicou a garota que o ajudasse.

Mas tudo que ela fez, foi se mover para o outro lado, deixando visível a figura de um homem de meia-idade, de barba recém feita e terno bem passado.

Yibo reconheceu de imediato a forma humana de seu pai, Lúcifer. Se aproximando devagar, impressionado com a cena diante de si, Lúcifer passou a mão carinhosamente pelo rosto do filho, reconhecendo sua expressão de medo.

— papai... Por favor...

— Está tudo bem, meu filho. Vou ajudar o rapaz.

O mais velho pôs a mesma mão sobre os olhos fechados de Xiao Zhan, transparecendo logo depois uma luz fraca avermelhada. Deslizou sua mão até o peito do moreno.

Quando terminou, Lúcifer se voltou para sua filha e a chamou. Meng, tal como a protetora que é em relação a seus irmãos, já tinha os olhos marejados olhando para os três.

— sim, papai?

— Minha filha, sei que não preciso dizer, mas tome cuidado. Os arcanjos, são anjos sem lei. Eles farão o que for preciso para conseguir o que querem. Nem que signifique, ser pior que o diabo.

— Eu sei, papai. Eu sei. — seu olhar se desviou até o irmão.

Wang Yibo ainda mantinha o arcanjo caído em seus braços, com medo de que pudesse se machucar novamente. Nenhum dos seis pecados alguma vez já havia o visto tão indefeso e desesperado, em qualquer situação.

Yuchen ficara em casa conversando com Xuan Lu, enquanto os outros iam até a casa dos Xiao ajudar Meng e Yibo. Assustados com o estado do irmão, todos juntaram suas mãos em instinto. Zi Yi e Haoxuan, como mais velhos, os guiaram em uma espécie de ritual de proteção.

Não era a mesma coisa como oferecer proteção a um humano, não era tão forte. Mas o ajudaria a se recuperar mais rápido.
As luzes representantes de seus poderes e desejos se misturando em um mesmo ambiente como luzes de uma boate na madrugada agitada.

Porém, o único som que rodeava os ouvidos e mente do demônio da luxúria eram as palavras do moreno, revelando ser o sexto arcanjo. Agora, que o pior havia sido curado por seu pai, a sensação de choque retornou.

A primeira regra dos demônios ele já havia aceitado quebrar, mas a segunda, última e mais importante era um baque impossível de se recuperar.

A sensação piorava a medida que se lembrava de seu pai curando Xiao Zhan, de tão boa vontade, quase como se revelasse compaixão pelo arcanjo caído.

Seu coração e sua mente disputavam acertadamente entre desejar que ele abrisse os olhos, ou que permanecesse em coma até que conseguisse entender seus sentimentos reais ou não.

Todos os outros já haviam saído, a luz apagada e Xuan Lu estava lá embaixo fazendo o jantar ou algo assim. Nem mesmo a garota ousou subir para ver o irmão, ou importunar o demônio. Talvez Meng a tenha alertado.

Se um anjo caí, ele se transforma em humano, se um demônio caí, nada vai mudar, E se um arcanjo cair, ele não terá para onde escapar.

O destino daqueles selecionados para fazer justiça por livre arbítrio, independente se por meios impuros ou limpos, não fugirão, estarão para sempre condenados.

Viverão em seu inferno particular, e a melhor parte, Nem mesmo Deus vai poder ajudá-los.

______________________________________________

1 regra dos demônios: Não se envolva com os humanos além da carne.

2 regra: JAMAIS TOQUE EM ANJOS OU ARCANJOS.