O Protegido do Inferno

capítulo 12

Uma semana depois de quase morrer, Xiao Zhan estava de volta ao restaurante.

Servindo e preparando bebidas, ouvindo sua colega reclamar dos problemas amorosos dela, e suportando reclamações de seu chefe.

Em milhares de anos, sempre imaginava como seria uma vida 'normal'. Uma vida completamente humana. E quando imaginava, era exatamente nisso que pensava.

Ele gosta do trabalho que faz, gosta dos amigos que conquistou, e gosta da paz. Mas sempre que parava, mesmo que por um segundo, se lembrava de que nada estava certo. Tudo ainda estava fora de lugar e precisava ser arrumado.

E quem dera fosse apenas seu guarda-roupas.

Já eram quase sete da manhã quando saiu do serviço. Voltando para casa, Xiao Zhan costuma passar em frente ao parque e ver as crianças brincando. As vezes, até se senta debaixo das árvores de cerejeira para ler um livro ou ouvir música enquanto deixa sua mente trabalhar.

Mas hoje, algo o impediu de relaxar. Não havia ninguém no parque porque era inverno e a temperatura era congelante. Seria até um dia normal, mas não era.

O normal das plantas nessa estação do ano é produzir geada. Uma camada extrafina de gelo que brilha com a fraca luz do sol. Mas hoje, todas as flores que rodeavam a lateral do parque estavam mortas.

Mais secas que as folhas das árvores no outono, caídas e com as pontas queimadas do frio. As árvores maiores não pareciam afetadas, mas os animais que viviam em seus troncos e buracos ocos, já não estavam mais lá.

Xiao Zhan reconhecia esse fenômeno, é claro, mas fazia de tudo pra não pensar nisso. Tentar achar outra explicação lógica era o melhor que podia fazer nesse momento.

Se assustou quando alguém tocou seu ombro, e reagiu. Com um reflexo rápido, desviou, agarrou e dobrou o braço da pessoa que o tocou. Logo se arrependendo, e o soltando, ao ver que era Liu Haikuan ali.

— Belo reflexo. Vejo que já está melhor.

— Sim. Estou melhorando graças ao chá de ervas que a A-Lu tem feito.

Ambos começaram a andar em direção a casa dos Xiao. Liu Haikuan tinha um mão presa no bolso e a outra segurava um palito de pirulito na boca. Ele evitava olhar para baixo, e mantinha o foco nas nuvens em movimento.

— Ok, pode falar. O que está rolando?

— Hum? O quê? Não tem nada rolando.

— Liu, você sempre foi como um irmão pra mim. Eu te conheço. — fez biquinho. — Tem alguma acontecendo e você não quer me contar.

— Xiao, não faz essa cara. Você é muito fofo, sabia?

— Se não vai falar, então até mais.

O moreno começou a andar mais rápido deixando o outro para trás. Soltando um suspiro e sacudindo a cabeça, Liu Haikuan apressou o passo e o alcançou logo na frente.

— Tudo bem, eu falo. Sabe quando o cupido fugiu?

— Lembro. Ele voltou com as asas chamuscadas e mal podia segurar o riso. — Xiao Zhan sorria apenas pela lembrança.

— Exato. O coitado só queria se divertir um pouco, não foi culpa dele.

— Mas o que isso tem a ver com o fato de você estar todo estranho?

— Bem... Digamos que quando o cupido voltou ele estava sem flecha alguma.

Liu Haikuan parou, apontou para baixo e para cima respectivamente, e depois par si mesmo. Assistiu os olhos de seu amigo se estreitarem por um momento, até que estivessem tão arregalados que quase lacrimejou.

— Tá brincando? — soltou um pouco acima do tom.

— Fala baixo e continua andando, Zhan.

— Quem ele acertou?

— A mim, né?

— Isso eu entendi, Dan! Eu quero saber lá embaixo. Quem foi?

— Eu não sei. Ou... Não sabia, na verdade. — suas bochechas começaram a esquentar involuntariamente.

— Liu?? — perguntou com expectativa.

— Eu suspeito que tenha sido um dos sete.

— O QUEE??

Só faltava gritar para o bairro todo ouvir. Xiao Zhan estava pulando no mesmo lugar enquanto tentava segurar a mochila no ombro, tarefa que parecia mais difícil agora.

— Obrigado. Eu queria mesmo contratar um carro daqueles que passa gritando no alto-falante. — Ironizou.

— Desculpa. Mas isso é muito...

— Errado?

— É... Impressionante.

— Um jeito sútil de dizer que eu estou ferrado?

— Claro que não. Isso não é tão ruim assim. Aliás, se o cupido te acertou, eu imagino que não foi coincidência. Lembra? As flechas dele são mágicas.

— Mágicamente problemáticas, você quis dizer.

Xiao Zhan o ignorou e continuou falando, enquanto abria a porta da frente e o convidava a entrar.

— Toda vez que ele mira em alguém, o nome da pessoa por quem ela, ou ele, deve se apaixonar aparece entalhado no cabo da flecha. Nunca é coincidência.

— acontece que ele nunca deveria mirar em anjos.

— Nunca é coincidência. — sorriu, provocando-o.

Xiao Zhan deixou o amigo pensativo na sala enquanto subia para trocar de roupa. Seu quarto estava mais limpo do que quando saiu ontem para trabalhar, e sabia que deveria agradecer a Xuan Lu por isso.

Achou estranho a jovem não estar em casa, mas imaginou que ela tenha saído com Meng. Elas têm feito isso bastante durante essa semana, depois que a mais nova voltou.

Desceu novamente, passando por Haikuan, disse que prepararia algo para comerem. Na cozinha, Zhan vasculhou os armários atrás de pão integral, o único que Haikuan consegue engolir. Quando alcançou o pacote, um potinho pequeno de vidro veio junto.

Se ele não tivesse segurado a tempo, o vidro teria se espatifado no chão, e se transformado em vários caquinhos. Ele nunca tinha visto esse pote antes, pensou ser algo novo que Xuan Lu comprou nas feirinhas de quinquilharias que frequenta as vezes, pra se distrair.

Porém, quando analisou o conteúdo, viu que eram algumas ervas comestíveis. Provavelmente as que ela estava usando para o chá que o ajudou a melhorar em uma semana.

Não era algo como hortelã, menta ou boldo. Eram ervas que não se encontra no mundo humano. Plantas como essas contaminariam todo o solo, de um bairro inteiro de uma só vez dependendo da quantidade de sementes germinadas.

Antes que pudesse abrir o pote, Haikuan chamou por ele. Guardou o vidrinho no mesmo lugar e voltou a preparar os sanduíches.