Me deixe sair

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Zuko

Acordei com a água gelada caindo no meu corpo. Se eu pudesse, com certeza teria reclamado do frio. Lentamente abro os olhos ao sentir que estou sendo tocado. Meu coração acelera de medo. É difícil enxergar com a cabeça pendida para baixo, mas consigo ver o rosto de Sokka. Ele não possui expressão alguma. Parece mais uma máquina. Sob seus olhos, vejo pequenas bolsas roxas. Reconheço-as. Passei muito tempo da minha vida tendo terrores noturnos e dificuldades para dormir.

É a primeira vez, depois de todo esse tempo, que vejo alguém daquela época. Não sei quanto tempo se passou, mas sei que foi muito, porque ao ver o rosto de Sokka sei que não somos mais aqueles adolescentes. Somos adultos agora, ou quase isso. A sensação é estranha, ter alguém tocando em você e não conseguir se mexer, reagir. Estava com medo, mesmo que não parecesse que ele fosse fazer nada comigo. Não pude deixar de pensar naquele dia. O dia em que o Avatar e seus amigos tentaram invadir a Nação do Fogo. O dia que todos nós perdemos e demos ao Senhor do Fogo o poder de acabar com todos nós. Me pergunto onde estão os outros. Se também estão vivos. Vivos de corpo, claro, porque acho que todos nós morremos de espírito naquele dia.

Sokka

Estávamos pegando o sol da semana. Agora, em todos os lugares que eu ia, era acompanhado por Zuko. Era estranho. Trocávamos olhares nas vezes que eu o levava até a cadeira e o devolvia à sua cama, mas nunca disse nada. Não sei o que diria a ele. Fico pensando que, se ele conseguisse falar, será que diria algo? Bem, se ele conseguisse falar, pelo menos eu poderia gritar com ele.

Aos poucos, parecia que ele estava conseguindo firmar sua cabeça. Isso era bom. Estava cansado de, além de ter que carregá-lo por aí, ainda ter que servir de apoio para sua cabeça. Mesmo na prisão, esse filho da puta era tratado como um príncipe.

Olhando para o céu e o pouco sol que fazia, pensei em Katara. Como será que ela estava? Se estava viva? Se estava como Zuko, presa dentro de sua mente. Lembrei da nossa infância. Quando capturávamos os pinguins-foca e esquiávamos, ou quando ela insistiu para que eu aprendesse a trançar seu cabelo. Lembro que ela me contava histórias quando eu sentia falta do nosso pai até que eu conseguisse pegar no sono. Uma pequena lágrima escorre pelo meu rosto. Era difícil sobreviver todos os dias sem notícias dela.

Voltando à realidade, vejo a cabeça de Zuko novamente caída para frente. Com cuidado, a levanto e seguro com a minha mão. Já me peguei pensando várias vezes qual seria minha sentença se eu pegasse sua cabeça e girasse... bem, com certeza não valeria a pena. Em alguns minutos ele já conseguia manter sua cabeça erguida novamente. Hoje seria dia de banho novamente e não pretendia lavar seu cabelo, já que tinha feito isso da última vez. Pensei que, melhor do que me embaraçar com eles de novo, seria bom se eu os trançasse. Fiz uma trança simples, mas que conseguisse prender um pouco para cima, deixando seu pescoço livre.

Nesse momento, olhei com atenção e vi algo estranho. Como se fosse um espinho. Cutuquei de leve e, inesperadamente, Zuko movimentou seu corpo para frente. Se eu estivesse certo, aquilo parecia ser o causador da sua paralisia. Eu deveria tirá-lo dali? Se ele pudesse se mexer e falar novamente, o que ele poderia fazer?

Zuko

Eu senti a dor. Aquela mesma dor. E novamente senti que conseguia mexer meu corpo, mesmo que minimamente. E aquela dor no coração novamente me invadia. Eu queria tanto gritar. As lágrimas corriam pelo meu rosto e eu queria poder escondê-lo, mas agora com os cabelos amarrados era impossível. Foi tão estranho quando senti suas mãos mexendo no meu cabelo, mas ao mesmo tempo foi uma sensação nostálgica. Minha mãe costumava me fazer cafuné quando eu era pequeno, antes de nos deixar.

Por um momento me vi em memórias felizes. Me vi longe da realidade. Mas essa dor era como um soco no estômago, me lembrando que não posso fugir daqui. Senti uma pressão muito forte na minha cabeça e logo depois meus olhos não suportavam mais ficar abertos.


A Nova Nação Do Fogo - SukkaOnde histórias criam vida. Descubra agora