03.

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Chico
Olha, eu nunca ligo quando meus amigos começam a fazer piadas sobre os acontecimentos do meu passado, mas quando você acabou de conhecer a menina mais linda que já viu até hoje fica difícil ignorar.
- Cara precisava disso?- digo direcionado para Alan e Beltrão assim que ela se afasta para ir atrás de Luiza.

- Ahh para nunca ligou vai ligar agora- Alan diz rindo e cutucando Beltrão.

- Vai falar que ficou interessado nela?!- Beltrão pergunta rindo.

Não respondo apenas dou uma tragada no meu cigarro e um sorriso de lado.

- Pode ir tirando ela da sua cabeça agora, se tem uma pessoa que não quer nem chegar perto de um namoro é ela- diz Beltrão sério.

- Po então ela é perfeita pro Chico, um lance e pronto- Alan comenta passando um dos braços pelos ombros de sua esposa.

Quando Alan fala isso só consigo pensar naqueles olhos cheio de algo que não consigo decifrar o que, mas que com certeza me fisgaram.

- Ah cara você não conhece ela, nunca cairia no papinho do Moedas- Beltrão diz e aponta para Luiza e Rita chegando como sinal para cortar o assunto.

Ela senta entre Pig e Luiza e está com uma caipirinha de limão na mão.

- Rita, conta mais. Ouvi o Pig dizendo que você é advogada criminalista, como é isso?- Alvinho pergunta daquele jeito super simpático e paizão dele.

Rita olha para ele com atenção e responde:

- É uma loucura, mas não tão louco quanto pensam, fiz estágio em vários escritórios que não eram dessa área e era muito mais mal tratada do que sou agora, na verdade, meus clientes são os que mais me tratam com educação- Rita diz com um brilho nos olhos e orgulho do seu trabalho.

- Pois é, também acho isso. As pessoas gostam mesmo de estigmatizar os presidiários, né?!

- Olha ai o velhote falando palavra difícil só porque ta na frente da doutora- Donatello fala e bate nas costas dele zoando.

Dou uma olhada para ela e não consigo deixar de admirar, está com uma saia curta branca e uma regata vermelha e com uma rasteirinha no pé. Mas não é a roupa, não é a maquiagem que me chama a atenção é simplesmente ela, parece que tem todas as coisas que um dia eu sonhei pra mim. O semblante dela é alegre, não sou um cara que acredita em muita coisa, mas parece que a energia dela se conectou com a minha na hora que ela chegou na mesa abraçando Pig.
Donatello, Pig, Beltrão e Luiza já tinham falado dela para mim, mas nunca tinha visto fotos somente dela, porque não gosta de redes sociais e excluiu todas um tempo atrás.
Volto e observar a mesa, tentando tirar esses pensamentos da cabeça, mas vejo como todos estão envolvidos da conversa com Rita, que responde tudo sem fazer cara de tédio ou de antipática.

- E não querendo me amostrar com a amiga que tenho, mas ela faz doutorado na USP- Luiza diz colocando as mãos pra cima como se não estivesse se gabando.

- Gente, acho que vou morrer de vergonha- Rita diz abaixando a cabeça, mas consigo perceber apesar da luz baixa que suas bochechas ficaram rosa.

Fico super interessado no assunto, afinal quando eu estava na faculdade era um sonho seguir a carreira acadêmica, por isso pergunto:

- Caralho que foda, qual o tema?

Ela me olha envergonhada e responde:

- Ah basicamente sobre as prisões e como o racismo estrutural afeta esse sistema e no final provavelmente vou abordar as possíveis alternativas para a prisão.

— Não amiga, agora fala o título — Luiza fala mais empolgada que a própria Rita, que está morrendo de vergonha.

Percebi que, quando estava falando do seu trabalho, Rita estava mais aberta. Agora, falando da sua pesquisa, parece retraída, mas talvez seja apenas o efeito das cervejas que bebi até agora.

— Racismo Estrutural e Dinâmicas de Encarceramento no Brasil: Uma Exegese Crítica das Estruturas Penais e Proposições de Modelos Alternativos de Justiça.

A mesa toda fica em silêncio, olhando uns para os outros, como se só agora todo mundo realmente tivesse noção do quão inteligente ela é. Fico abismado com o título e resolvo começar a bater palmas. A mesa toda me segue. Ela dá uma gargalhada tímida e bebe vários goles de sua bebida.

— Meu Deus, eu acho que não entendi nem o título, imagina ler a tese — Elaine fala.

— É, eu tenho minhas críticas em relação a essas palavras difíceis. O conteúdo deveria ser fácil e democrático, mas infelizmente, se eu não me adaptar ao modelo que exigem, eu nem poderia estar fazendo o que amo, que é pesquisar — Rita desabafa.

— Rapaziada, o papo tá muito bom, mas eu vou levantar e encontrar com quem passarei o resto da noite — Pig diz, levantando da mesa.

Essa era a hora em que eu e Pig levantaríamos e começaríamos os trabalhos com a mulherada, mas resolvo ficar sentado por alguma razão.

Olha|chico moedas (em pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora