VINTE E SETE

26 2 1
                                    

UM ANO DEPOIS

Itacimirim tem um clima único. Foi quase um ano de planejamento, preparos e acertos para a mudança. Nesse meio tempo, consegui entrar na faculdade e descobri que a Engenharia Eletrônica é minha vocação. Não foi fácil me habituar à rotina de estudos na faculdade, no início; para quem tinha dificuldades de socialização na escola, até me saí bem. Minha sorte foi que não fui o único a começar a faculdade, já que o Henrique também começou um curso, Direito, se não me engano.

Foi bem trabalhoso conciliar minha vida de estudos com um trabalho de meio período em uma lojinha de produtos naturais, onde rapidamente consegui a confiança do dono, um homem de trinta e dois anos chamado Tomé. Houve uma identificação da parte dele, que disse se ver em mim, um garoto gay e tímido no auge da juventude. O jeito dele é engraçado, mesmo que o marido seja meio... severo, mas me trata com educação.

Durante todo esse tempo nós moramos em uma casa bem pequena. A famosa kitnet. Tivemos algumas discussões por exaustão da parte de ambos, mas foram coisas tão bobas que, olhando agora, chegam a ser ridículas de tão desnecessárias. Nunca foi por falta de dinheiro ou amor, e sim distorções de visão causadas pelo estresse. Estamos nos desdobrando para deixar tudo em ordem, e Guilherme está trabalhando duro desde que abriu uma filial da oficina aqui. Está tudo dando muito certo.

Quanto à antiga oficina, ele deixou sob o comando do seu pai, Renato, e Emerson. Os dois são mais do que capazes de cuidar de tudo muito bem. Mesmo assim deve ter sido mais do que doloroso par ao Guilherme soltar aquilo que construiu com tanto esforço, nas mãos de outras pessoas ainda que sejam de confiança.

Pensei em fazê-lo desistir por esse motivo, mas ele estava determinado a mudar de ares. Queria ter sua privacidade comigo, se soltar de amarras e livrar-se de memorias ruins na tentativa de manter as boas na cabeça. É engraçado... O vocabulário do Guilherme mudou muito depois que começamos a ter leituras conjuntas. Isso se deu quando fizemos um trato de realizarmos algumas atividades juntos, coisas que faríamos separados, na tentativa de aumentar a intimidade. Eu venho tentando apreender a surfar desde então.

Itacimirim ampliou nossos horizontes de maneira inimaginável, nos tornando mais abertos a novas experiências e mais resilientes diante das dificuldades. Aprendemos muitas coisas nesse período: certa vez, Guilherme fez uma transação errada e acabou bloqueando sua conta no banco, o que nos levou a quase um mês de sobrevivência com o pouco dinheiro que tínhamos em mãos. Decidimos não pedir ajuda a ninguém, e essa escolha se revelou acertada no final das contas. Agora quem cuida da parte financeira sou eu e o Guilherme se tornou uma constante nas tarefas domésticas nos dias em que estou trabalhando. Apenas cozinhar virou um problema, ele não aprende de jeito nenhum.

Quanto minha a tia e meu primo, eu tive que me despedir deles, o que foi bem triste se levarmos consideração que tínhamos acabado de nos conhecer. Mas os laços se mantiveram e Guilherme, mesmo que inicialmente sentisse ciúmes de Pedro, começou a gostar dele depois de algumas partidas de futebol no PS4. Tive que separar algumas brigas de duas crianças de 1,80 de altura.

Saio dos meus devaneios quando Pedro se aproxima, carregando a última caixa nos braços. Ele coloca no chão ao meus pés e quando se ergue, é lançando um olhar para Nataniel que está terminando de montar o Rack. É o único móvel que estava faltando e Guilherme estava protelando aquilo a alguns dias:

— Quando que esse pessoal vai chegar? — Pedro perguntou se jogando no sofá, esticando as pernas, com seu jeito folgado de ser.

Fui rápido ao empurrar suas pernas e em seguida até o Guilherme, que estava no outro sofá, sentei em seu colo e ele me rodeou com seus braços. Ele cheira a limão e a maresia. Agora que moramos perto da praia ele passa praticamente o dia livre todo lá.

Amor Entre Ondas - Histórias Baianas • Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora