VI

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Celeste Plak

25 de Agosto


Eu assisti o enterro de longe, notei Priscila completamente abalada, em seu olhar (mesmo que estivessem inchados) pude ver o vazio que estava sentindo.
Meu desejo era ir até lá, encontrar com ela e dizer que tudo iria ficar bem, que iríamos tentar de novo e que eu iria proteger ela...
Fui golpeada pela lembrança de que da última vez que visitei Priscila no hospital, Carol Gattaz chegou até mim e disse que Priscila não lembrava de quem eu sou, não lembrava do que havia acontecido antes e apenas lembrava do acidente...
Senti uma dor em meu peito, bem maior do que a que senti ao partir enquanto ela estava em coma.

Eu queria poder explicar a ela que o que fiz foi para evitar ainda mais problemas até para ela mesma, já que fui ameaçada até mesmo de medidas protetivas. Mesmo que soubéssemos que tudo o que estávamos fazendo era amar uma à outra.

Ao chegar em minha casa, entrei em meu quarto e chorei como se tivesse perdido Priscila, de fato, eu havia perdido a minha Priscila.
Lembrando de todas nossas emoções, cada encontro que tivemos, cada presente que compartilhamos e cada lembrança que foram eternizadas por amor... Havia uma caixa ao lado da minha cama, eu sabia o que tinha ali, mas por impulso sentei no chão e comecei a ver cada coisa que ali tinha.

O primeiro item era um bilhete que Priscila deixou ao lado de meu copo quando nos conhecemos em um bar...

"Espero te encontrar aqui amanhã,
esse lugar era completamente escuro até você iluminar com sua beleza.
P.D."

Sorri deixando o papel de volta a caixa, lembrei do seu sorriso sem vergonha ao deixar o bilhete ali e saiu como quem não quer nada... Eu não sabia que ela se tornaria o meu tudo.

Mais adiante, havia uma caixinha vermelha e nela continha as pétalas das flores que Priscila me deu quando veio me visitar em uma madrugada, sua desculpa era "me senti sozinha nesse jardim frio da madrugada, e trouxe flores para minha flor".  Guardei cada pétala, havia um significado mais íntimo do que "apenas flores".

Mais abaixo haviam as cartas que eu sempre dava a Priscila, algumas jóias e até mesmo camisetas que usávamos juntas, Carol me entregou algumas quando precisei viajar antes que a situação piorasse.
Ao fundo estavam as chaves do apartamento de Priscila, ela me deu dias antes daquele acidente.

Ainda sentindo a dor de tudo o que estava acontecendo, dormi com uma camiseta de Priscila que estava em meu guarda-roupa, seu dócil cheiro ainda se fazia presente na peça, mesmo tendo meses guardada.

Na manhã seguinte, decidi ir até o apartamento de Priscila, ainda havia minhas coisas lá, nossas fotos, nossas coisas...A nossa vida ainda estava lá.

Liguei para Carol Gattaz, para que me acompanhasse até o apartamento e a mesma se fez prestativa.
Nos encontramos na portaria e fui recebida por um abraço acolhedor e cheio de carinho.

- Que bom que voltou... - Ela disse baixinho

- Eu estou feliz em estar de volta

- Quer mesmo subir? - Ela me perguntou apreensiva

- É claro... Eu preciso pegar algumas coisas e pôr um ponto final nisso.

- Você tem razão... Eu ainda tinha esperanças por vocês. - Ela disse cabisbaixa

- Eu também, mas não posso ficar presa a esse quase, ela pode recuperar a memória ou... não.

- Eu estou torcendo tanto para que recupere... Tanto! - Ela disse segurando em minha mão e pude sentir de fato sua confiança em suas palavras

- Vamos subir, não posso ficar tanto tempo aqui. Pode ser que ela apareça ou sei lá

- Você está certa, Thaísa ainda mora aqui, sabia? - Disse enquanto caminhamos até o elevador

- Eu sei e não quero encontrar com ela, já é demais pra mim ter que ir até lá e ainda ter que reencontrar Thaísa assim... Eu não quero isso, não hoje

- Você tem toda razão, vamos seguir logo com isso - Ela disse assentindo e assim fizemos.

Ao entrar no apartamento, senti uma onda de emoções ao ver uma foto nossa em um porta-retrato, ao lado de fotos de sua família e sua formatura, lá estávamos nós... Quando fomos juntas à Holanda visitar minha família, guardamos essa foto com o propósito de "A primeira viagem, de muitas que virão". Talvez tenha sido a última.

Fui até lá, retirei a foto e deixei o porta-retrato virado. Fui até seu quarto e retirei algumas roupas minhas.
Havia um colar que eu tinha lhe dado para que ela usasse naquela noite, mas pela falta de tempo ela acabou esquecendo sobre o criado mudo.
Não pude deixar de notar seu vestido em cima da cama, era o vestido que ela iria usar naquela noite.
Recordo-me perfeitamente de sua indecisão sobre "usar o vestido vermelho ou branco?" e por fim usou o branco... Que naquela noite, terminou manchado de vermelho sangue.

Carol me ajudou com tudo e guardamos em algumas bolsas, outras até mesmo em caixas.
Pedi que Carol fosse à frente, iria me despedir com mais calma do ambiente e verificar se não havia deixado nada para trás.
Vi um bloco de notas sobre a mesinha de centro, uma caneta ao lado e no papel continha uma lista de coisas que Priscila não poderia esquecer de fazer naquela semana:

"Ração do Jonny
Visitar Léia
encontro com Thaísa e Carol
aquela coisa para Celes"

Ri de suas anotações e decidi deixar algo ali, embora não fosse tão significativo, algo me dizia para deixar.
Peguei a caneta e tirei uma folhinha onde escrevi:

"Espero que leia isso um dia...
Como a terra anseia pela volta do sol para iluminar um belo dia
Eu aguardo a tua volta chamando-me de 'amor'
Até o fim de minha vida...

tua C"

Deixei sobre o racker e segui até a saída. Ao fechar a porta senti uma enorme vontade de chorar, estava sentindo o peso de tudo novamente.
Antes de entrar no elevador, respirei fundo, encarei a porta ainda fechada e disse em meio as lágrimas que insistentemente desceram por minhas bochechas

- Eu vou voltar... A nossa história ainda não acabou, eu juro que vou lutar muito por você ainda Priscila... - Segui até o elevador e tentei evitar o choro até chegar ao térreo.

Encontrei com Gattaz onde lhe entreguei as chaves do apartamento de Priscila e não despedimos

- Não suma outra vez, por favor - Ela me disse durante o abraço de nossa despedida

- Eu não vou e fique sabendo que eu ainda não desistir, a minha Priscila vai voltar...

- Ela ainda está lá, ela só está adormecida - Carol disse e pude notar seus olhos marejados

- Vamos cuidar disso, eu sei que vamos

- É isso! - ela disse me abraçando novamente - Obrigada por não desistir dela

- Só não sei por onde começar...

- Isso é o de menos

- Espero que sim...

Seguimos juntas até o estacionamento onde pegamos nossos carros e ambas seguiram seus respectivos caminhos.
É claro que o meu foi preenchido por lágrimas e palavras de ódio sendo proferidas ao vento, eu sabia que nada daquilo era culpa dela, mas ela não sabia...

PétalasOnde histórias criam vida. Descubra agora