Capítulo 11

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Líli colocou os dedos na corrente do rio, e observou enquanto essa se levantava e pressionava contra sua pele, acariciando-a, confortando-a. James, ela o chamou, anos atrás quando chegaram àquela terra, o que está fazendo? Ele disse para que ela se aproximasse: Sente-se comigo, Lílian, a beira do rio. Ela tinha muita pressa, naquela época, achava que a vida era curta, breve e pouco saborosa.

Não havia sentado, e o rio que James tocara não mais existia. As águas passaram, as superfícies das pedras se lavaram de toda memória. O rosto do homem congelou translucido em sua mente, tentou segurá-lo, fazê-lo falar-lhe, fazê-lo aparentar vida. Não importava quanto esforço colocasse na tarefa, ele sempre lhe dava a feição de um morto. Pálido, olhos arregalados que não piscavam, e sangue no colarinho. Até mesmo seus mais suaves vislumbres perderam a vida.

Quando se sentou na grama úmida o sol ainda batia amarelo e potente em suas costas. Agora, uma névoa fria saia das gotículas de água que se perdiam, pulando com os pequenos peixes do rio, refletindo a luz nas curvas das rochas em um tom prata, como fumaça.

A raiva misturada a tristeza tirava-lhe partes da visão, afunilando e embaçando seus olhos pequenas partes por vez, deixando-a desnorteada, perturbada. Observou a brisa fria que saia como hálito da grama, e fixou-se nos pontos pretos que se espalhavam, recortando a realidade. Estava cega pela sensação. Gostaria de tomar um gole ardido de coragem, de ousadia. Tão amargo, tão distante do homem que James fora sempre dizendo-a que precisava ser cuidada – não, ela sabia se virar bem sozinha, sempre fez – de forma a irrita-la pelo excesso de preocupação. Esse carinho e zelo lembrou-a da delicadeza com que ajudou a velha senhora a costurar seu corpo a cabeça, a quentura e comoção que pediu licença ao cadáver. Odiou o príncipe. Odiou a Rainha.

Engoliu em seco e se levantou de onde repousara por toda tarde. Seu corpo reclamou pela posição contínua, mas teve bom animo, iria em busca de um remédio para sua dor, e de um conserto definitivo para suas lembranças, porque ela precisava daquilo de James: o tempo que passaram bem, que passaram juntos. Uma única limpeza e purificação, de uma parcela curta, mas saudável, de seu marido, já lhe seria suficiente por toda vida. Ela não o tinha, e em todas as tentativas de restaurar seus olhos castanhos amendoados, o cabelo ondulado caindo nos olhos, o nariz adunco cheio de personalidade, era atingida dolorosamente com seu cadáver, pairando inerte e rancoroso, estragando e desaprovando a paz. A paz e qualquer tipo de perdão. Não é o meu desejo, ele parecia dizer, não estou satisfeito. Ela também não estaria até que a rainha pagasse pelo que fez.

Sobre o filho, ela sussurrou para a noite, imaginando que James a ouviria, bem como aquela pequena estrela no céu, não há o que posso fazer para puni-lo, pois não tem indícios de afeição por qualquer coisa que seja, e sua própria vida é tão miseravelmente amaldiçoada – pela sua doença que o transforma num mostro sangrento – que estaria a fazer-lhe um favor se o matasse. Ela sequer poderia imaginar de que forma assassinar uma criatura como aquela. Os boatos eram de que ele mantinha a aparência de quando completou os dezessete anos, sem sinal de envelhecimento. Poderia ser imortal, e provavelmente o era.

Mas ela não. A rainha tinha os cabelos esbranquiçados na raiz pela idade, e os traços caiam e faziam rachaduras em sua beleza estonteante da juventude, com marcas de rugas. De longe, não poderia considerá-la mais que uma mulher de meia idade, mas Líli imaginava que sua alta posição social, por render-lhe tantos óleos essenciais e cosméticos estrangeiros, enganavam sua idade.

A razão, James, disse, pelo qual eu tenho divagado pela inútil questão da quantidade de anos que essa mulher viveu, é que sinto, na cama sobre a qual deita o fantasma de sua alma, não existe sono até que eu possa me deitar com você. Querido, em todos esses anos uma parte de mim deitava-se ao seu lado, e a outra agarrava-se ao meu ódio, seja pela infelicidade da desesperança, por não poder desejar um futuro melhor, seja pela queima – durante toda a noite como os lampiões incansáveis da rua – da autocompaixão. Quero mais que tudo entregar-me inteiramente, descansar na vida que vivemos juntos, nessa onde criamos um filho, cuidamos de uma terra, não ter do que lamentar. Como, você deve estar se perguntando, como sempre fazia, como, Lílian, pelos deuses, posso colocar-lhe um sorriso no rosto.

Servo de Sangue - DrarryOnde histórias criam vida. Descubra agora