Capítulo 1. Lia

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Escuro. Por que está escuro?

Eu não gosto do escuro, por favor, ligue a luz!

- Papai! Papai! A mamãe está suja de vermelho, ela não acorda! Papai!

Papai também não acorda. Eu estou... sozinha?

Acordo em um sobressalto, sentindo o calor e o suor do meu corpo se chocando com a temperatura fria do ar condicionado do dormitório. Estou bem. Tem luz. Estou bem. Passo minhas mãos pelos cabelos, respirando fundo e tentando me conectar com o ambiente. Respire, toque, olhe, sinta. Na cama do outro lado do dormitório, Camila dorme tranquila, sinal de que não gritei. Os raios de sol atravessam as cortinas claras e iluminam o ambiente, que mais se assemelha a um quarto de hospital a um dormitório. Branco, inerte, sem vida. Se não fossem pelos posters das bandas de Camila e aquelas plantas falsas penduradas pelo quarto, me sentiria em um hospício. É, tipo isso, né?

Levanto-me antes que o alarme para todos acordarem toque, assim tenho mais tempo no banho. O banheiro é pequeno, com um espelho apenas para o rosto, box de vidro com um chuveiro e janelas gradeadas, assim como todas desse lugar. Sim, é uma prisão com um nome bonitinho. Instituto Greenville. Criado para adolescentes com "questões sociais". Pura balela.

Encaro meu reflexo no espelho. Os mesmos cabelos castanhos ondulados, mesmos olhos castanhos e esverdeados e levemente puxados, mesma pele levemente bronzeada. Pele de assassina. Fecho os olhos com força para dissipar o pensamento. Algo que aprendi estando aqui dentro é que, às vezes, se não tivermos força o suficiente para controlar nossos próprios pensamentos emocionais, eles vencem os racionais. No primeiro ano, uma menina do grupo dos depressivos criou uma dependência tão forte no namorado que quando ele foi liberado para ir embora ela tentou se jogar da janela do quinto andar, mas foi parada a tempo, foi quando todas as áreas tiveram que ser mudadas e as janelas gradeadas. Ela disse que não poderia viver sem seu "amor". Eu não poderia ficar responsável por esse tipo de pessoa, provavelmente eu teria deixado apenas para ela aprender a pensar mais com a cabeça e não com os hormônios.

Tomo banho e visto o uniforme. Saia xadrez vermelha, meia até os joelhos, camisa com o logo da escola - a árvore da vida bordada em dourado -, blazer preto e a gravata vermelha. Hoje está calor, então decido não usar o blazer, deixando a gravata solta em volta do pescoço. Algo que você deve saber sobre o IG é que não nos cobram regras de vestimenta, não faltar às aulas ou chegar atrasado. Eles querem que pensemos que estamos "livres" aqui dentro, mesmo com todas as grades, alarmes e revistas semanais.

Saio do banheiro pronta, com cara limpa e cabelo solto com pequenas tranças por ele, minhas franjas soltas ao redor do rosto.

- Camila, levanta. - a chamo cutucando-a em sua cama.

- Lia! - ela estende o "a" de meu nome mais tempo que o necessário. - O alarme nem toc.. - o alarme tocou.

- Vamos, está na hora de ameaçar as meninas novas.

- É hoje?! - ela grita e se senta com animação.- Fico tão presa nessa caverna que nem lembrava que hoje é o dia da chegada de novos doidinhos. - ela ri e corre para o banheiro.

Camila é do grupo dos depressivos. Ela tentou suicídio quatro vezes, na última os pais dela não quiseram enviá-la para um centro clínico convencional com medo de que ela piorasse, então a enviaram para cá. Ela tem toda essa aura divertida e fofa, mas eu a escuto chorando as vezes a noite e percebi os novos cortes em suas pernas dois meses atrás, ela só pensa que não.

Imagine que o Instituto Greenville é separado em "cursos", uma brincadeira entre os internos. Os dormitórios são divididos aleatoriamente, os quartos misturam as pessoas para uma melhor convivência, o que não funciona muito, assim como as salas de aula. Já as salas de recuperação, consultas semanais ao psicólogo, terapias em grupo e salas de jogos são divididas por andar, no prédio C. Nós temos os depressivos, que são nossos potenciais suicidas, ficam no primeiro andar, no térreo, por motivos de "menina que tentou se matar pelo namorado". Temos, no segundo andar, o pessoal que chamamos de "fujões", pessoas que saíram da escola, entraram em gangues ou fugiram de casa por pura rebeldia, no terceiro nós temos o pessoal com problemas para comer, bulimia e anorexia. Por último, nós temos os agressores. O meu grupo. Pessoas que aparentemente sem motivo são agressivas e potenciais sociopatas. Em nossa defesa, o mundo é um campo minado de irritação e nossos pés são de elefantes.

Além da Sua Escuridão - L.S. LouiseOnde histórias criam vida. Descubra agora