CAPÍTULO 10

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Quando Severus acordou, seu cérebro parecia estúpido, confuso e inútil. Suas caixas meticulosamente embaladas de memórias dolorosas tinham caído de suas prateleiras e estavam se derramando entre suas orelhas. Tanta ansiedade, dor e medo o engolfaram e, incapaz de lidar com tudo isso, sua mente o desligou, zumbindo com estática.

Levou um momento para ele perceber, esta não é minha cama. Ele se sentia aquecido e confortável, estava deitado em nuvens cobertas de cetim, e quando piscou os olhos abertos, viu que estava cercado por gaze branca. Havia uma sombra na ponta dos pés passando por sua cama, em direção à porta, uma sombra em um roupão com cachos emaranhados.

“black?” Severus perguntou, sua língua parecendo grossa e pesada em sua boca.

Black fez uma pausa, sua mão ainda enrolada na maçaneta de bronze. “Só para avisar que o café da manhã foi servido. Desça dois lances de escada e vire à esquerda quando estiver pronto,” ele disse e saiu do quarto, tão silencioso quanto um gato.

Severus sentou-se. Ele vagamente se lembrava de um elfo doméstico tomando conta dele ontem, mas não muito além disso. Eles devem tê-lo instalado em um quarto de hóspedes; era luxuosamente mobiliado, completo com uma grande cama de dossel feita de madeira escura, um vaso Ming cheio de penas de pavão em um canto, e as paredes eram forradas com papel de seda cinza pintada. Roupas tinham sido deixadas para ele em uma cadeira de couro com encosto alto ao lado da lareira de mármore branco.

Seus pés pousaram no piso de parquete e ele ficou surpreso ao não sentir o primeiro choque de frio subindo pelas solas dos pés. Até o chão era aquecido naquele lugar. As roupas lhe serviam perfeitamente: uma camisa branca engomada, calças, um robe simples feito de algum tipo de lã que quase parecia brilhar à luz do sol. Ele se sentia sujo nelas, encardido, as pontas de seu cabelo oleoso deviam estar deixando manchas na gola e nos ombros. Todos vão rir dele se ele descer as escadas usando isso. Eles vão expulsá-lo. Para onde ele iria? Ele não tem mais um lar. Seu pai está morto, e sua mãe... ele é órfão.

O pensamento o atinge como uma maldição. Ele costumava ler tantos livros sobre órfãos corajosos – Anne of Green Gables, Great Expectations, Jane Eyre, A Little Princess, The Secret Garden – que passam por aventuras angustiantes e encontram suas próprias famílias, uma família que realmente os ama. Quantas vezes ele desejou ser um desses órfãos? Livre e sem amarras, em alguma grande aventura, e no final dela haveria novos pais esperando por ele de braços abertos.

Sem amarras. Ele estava sem amarras. Sem pessoas. A quem ele pertencia?

Severus caiu de joelhos quando as lágrimas começaram a cair. Ele se agarrou firmemente ao braço da cadeira enquanto chorava. Ele desejou nunca ter encontrado aquele livro idiota. Desejou não ter evocado aquela Dívida. Desejou que Tobias nunca tivesse morrido. Se ele estivesse vivo, Severus estaria em casa agora mesmo, com sua mãe, e mesmo que não fosse bom, pelo menos era alguma coisa, mas agora– agora–

Severus esfregou o rosto. Ele não podia ficar ali chorando o dia todo. E se Black descobrisse? Ele tinha que se levantar, tinha que continuar se movendo. Ele tinha que consertar as caixas, tinha que guardar as memórias.

Severus se levantou desajeitadamente, seu corpo se contorcendo com movimentos meio abortados como se não tivesse certeza de qual caminho queria seguir. Ele desejou ser um pouco mais como Lucius, seu passo fácil, o deslizar elegante, o giro de sua capa quando ele girava em seu calcanhar; Severus praticava andar como ele às vezes, quando estava sozinho (não que ele jamais admitiria isso; que vergonha ). Lucius sempre foi gentil com ele, suportando a paixão de Severus por filhotes em seus primeiro e segundo anos, seguindo-o em todos os lugares, apesar dos Marotos o provocarem, "Vá e denuncie para a mamãe!"

A dívida da morte  ( TRADUÇÃO )Onde histórias criam vida. Descubra agora