3. Exposição solar

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- VOCÊ O QUÊ? - Esbravejou Rosé no meio da sala de aula, o que me fez afundar um pouquinho mais na cadeira quando todos ao redor olharam para nós.

No dia anterior consegui chegar em casa passando despercebida pelos meus pais a minha breve viagem ao mundo dos alucinógenos. Entrei avisando estar muito cansada e me tranquei no quarto, ansiando que eles subissem para dormir. Minha barriga roncava e eu não sabia explicar o porquê, nunca fui de comer na parte da noite. Foram tortuosos segundos até que eles fossem para o quarto, mas se eu achava que aquela seria pior parte da noite, eu não sabia o que estava por vir.

Depois de comer todo o pote de sorvete e cochilar no sofá da sala, levantei para o quarto. Senti que minha brisa havia passado, abrindo espaço para a culpa. Quando deitei na cama me revirei para todos os lados. Em meus sonhos meus pais descobriam tudo, gritavam comigo, quebravam meu violão, me tiravam do coral da igreja, me expulsavam de casa... Eu acordava assustada e aliviada por ser só um pesadelo repetitivo.

Acordada eu tinha outro tipo de pesadelo.

Jennie Kim.

Todas as vezes em que ela passava as mãos por seus cabelos e exalava o aroma de morango. Sempre que ela mordia a boca por se recusar a aceitar alguma informação (ela foi à loucura com Medeia cometendo infanticídio). O som de sua risada que soava como os sinos da igreja. O gosto de sua boca que vinha junto com um beck. Aquelas mãos suaves em meus cabelos. A respiração que estava tão próxima a mim que eu sentia tocar em minha pele.

Eu me forçava a dormir e voltar ao pesadelo dos meus pais, depois me forçava a acordar e voltar ao pesadelo Jennie.

Na manhã seguinte acordei atrasada e tive que pedalar muito mais rápido que o normal para conseguir chegar a tempo na aula. Rosé já estava em sala quando cheguei. Ela me olhava com expectativa quando sentei ao seu lado. Fez perguntas sobre a casa, sobre a Jennie, sobre o trabalho... Depois de muitas respostas curtas, a vi jogando sua trança grossa para trás em claro sinal de irritação. Eu não sabia o que responder, tudo tinha sido erradamente bom... Mas como dizer tudo que aconteceu?

Rosé merecia pelo menos alguma informação, e escolhi a mais leve, sussurrando perto de seu ouvido "eu fumei maconha".

O arrependimento veio na mesma hora, pois se eu já estava constrangida antes, seu grito tornou tudo pior. Jennie, sentada na primeira fileira, se virou para me olhar, não contive um sorriso bobo para ela e recebi um sorriso acolhedor de volta.

- Rosie, você pode parar de gritar? - Sussurrei mais uma vez.

- Perdão. Como foi isso?

Abaixei minha touca até a altura dos olhos e deitei a cabeça na mesa. Eu não queria responder, não queria falar. Meus sentimentos estavam misturados a ponto de conseguir sentir cheiro de shampoo de morango.

Senti um toque leve no meu braço e me arrepiei inteira. Levantei o rosto e a touca e vi o motivo do cheiro de morango.

- Hoje tem ensaio das líderes de torcida. Não é tão ruim quanto parece. Você poderia aparecer. - Jennie disse com um sorriso aquecedor em seu rosto. Meu rosto com certeza estava aquecido.

- Pode ser. - Foi só o que saiu da minha boca.

- Ótimo! Espero vocês duas lá! - Falou voltando para o seu lugar antes do professor entrar em sala.

- Ai. Meu. Deus. - Rosé sussurrou atônita. - Sempre tem um monte de cara gostoso nessas coisas. - Revirei os olhos antes de abrir o livro de biologia na página 82.

E realmente havia muitos meninos bonitos no campo enquanto as meninas treinavam. Todos babando nelas, quase patético. Ou talvez a patética fosse eu, visto que Rosé também estava babando neles ao meu lado. Ou pior, talvez eu fosse um deles, pois meu coração errava uma batida toda vez que Jennie fazia algum movimento em que sua saia subia - o que eram muitos.

Espantei esse pensamento da minha cabeça, os batimentos eram por motivos de segurança, aquelas piruetas eram perigosas e a Jennie era uma pessoa legal comigo, eu não queria que ela se machucasse.

Mantive minha expressão o mais serena possível, mesmo quando ela percebeu minha presença e acenou para mim, com aquele sorriso que mais uma vez aqueceu meu rosto.

- Até andando ele é gostoso, né? - Rosé falou ao meu lado.

- Sim... - Respondi baixinho de imediato, antes do pânico me atingir e eu falar mais alto. - Não! Normal. Comum.

- Você está dizendo que Taehyung é normal? Comum? - A loira parecia em choque ao meu lado com minha resposta.

- Quem? Não, eu achei que você estivesse falando... Esquece!

Peguei minha garrafa de água ao meu lado, eu estava nervosa sem motivo. Com motivo. Eu achei que ela estivesse falando da Jennie. O que deixava tudo ainda pior.

- Ok, você está esquisita. Drogas nunca mais!

- Para de lembrar disso.

- Sua traficante está vindo para cá. - Eu sabia que ela estava falando da Jennie. Na mesma hora em que meu corpo ficou quente, eu congelei.

Todas as reações do meu corpo estavam absurdamente estranhas. Meu coração batia mais forte, minhas mãos suavam, eu sentia meu rosto esquentar. Estava começando a cogitar marcar uma consulta médica.

- Estou feliz que vieram! - Jennie falou sorridente.

- Obrigada por ter convidado a gente! - Rosé respondeu. Eu não sabia onde estava minha voz. Uma consulta com certeza.

- Lisa, seu rosto está vermelho. Exposição solar é um perigo. Já volto. - E ela se afastou.

- Gata, você está bem? - Rosé perguntou me olhando preocupada. - Beba água!

Eu quis gritar que não, eu não estava bem. Bebi a água para evitar o grito. Jennie voltava até nós, mas minha respiração não tinha voltado ao normal.

De maneira muito delicada, Jennie passou protetor solar em meu rosto. Seu toque fazia meu rosto receber eletricidade. Meus olhos estavam fechados, durante os primeiros segundos, mas quando abri, o arrependimento veio. Seu belo rosto perto do meu. Sua boca que parecia macia perto da minha. Na mesma hora lembrei do gosto. Desviei os olhos para baixo, fugindo dos meus pensamentos absurdos e me deparei com seu decote, tornando tudo muito caótico dentro de mim. Fechei os olhos novamente. Não consegui agradecer quando ela finalizou, apenas precisei me segurar firme quando ela beijou minha bochecha e disse pra eu ficar bem.

Aquele sentimento já passou pelo meu corpo uma vez antes, uns dois anos antes. Hyunjin Hwang, o segundo mais inteligente da turma. Tivemos uma época bem próxima. Foi quando tive meu primeiro beijo. Todos aqueles sentimentos pareciam certos, mas ele precisou se mudar. Algumas semanas depois nem mensagens trocávamos mais. Nunca mais o vi.

Hyunjin Hwang era um menino. Meus hormônios de dezesseis anos na época estavam a flor da pele, nada fugia do normal. Jennie Kim era uma menina. Uma menina linda, popular, líder de torcida, filha do pastor da igreja que minha família frequenta. Meus hormônios não podiam ser responsáveis por isso. Eu enlouqueci. Talvez um médico de outra cidade pudesse me ajudar.

The heaven between us | JENLISAOnde histórias criam vida. Descubra agora