Capítulo 9 - Henrique

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Vamo, reage — digo, com o copo de dose pronto. Felipe me olha de cara fechada, mas foi ele que começou isso e digo que posso colocar uma música para ajudá-lo a criar coragem. — Quer?

— Vai, infeliz.

Dou uma risada, enquanto coloco "Decida" do Zezo e observo o homem se perder no mundo ouvindo o tecladinho do início de Decida.

Ele levanta o copo e repito o gesto então recitamos:

— Que nunca cresça — levo o copo até a testa. —, que nunca pare — desço-o até o coração, indo no ritmo de Felipe. Continuo, o descendo até o pau. —, que nunca falhe e que nunca falte — e ergo-o, virando junto com ele que faz o mesmo.

A aguardente desce rasgando e respiro fundo.

Nós estávamos conversando sobre futilidades, mas ele parou para comentar sobre as mazelas que o Noah tem e estou ouvindo-o falar como ele (Noah) não tem a menor sorte no amor.

— O meu menino merecia o mundo, mas infelizmente uma filha da puta o deu xereca e decepção.

— A tal da Ana Paula?

— Ela mesma!

— Então... depois dela foi só ladeira abaixo?

— Sim.

Puts...

Existem lacunas na vida do Noah que eu nunca vou lhe perguntar por ser falta de educação, mas sendo sincero eu o acho diferenciado no que tange o assunto mulher. Por exemplo, essa Ana Paula, é um curioso caso de mulher bonita que é proporcionalmente problemática. Contudo, segundo Felipe, ela não era assim inicialmente e ele diz que não sabe o que aconteceu no meio tempo para ela ter acabado assim.

Ele e Noah já eram amigos antes dela, ele contou, então ela chegou nas suas vidas. Antes de namorar Noah, ela se aproximou e sem muito esforço ganhou a sua confiança se tornando parte do seu grupo. Eles três eram inseparáveis e o pedido de namoro do Noah foi até que esperado tendo em vista que os dois trocavam certos olhares e ele era mais do que a favor.

— Ele deu errado com a mina lá? — perguntei, voltando a bola da vez em questão que não era Ana Paula.

— Sim.

Puts, que situação.

Paro e respiro fundo, continuando:

— E ele como tá?

— Puto.

— Mas não é sua culpa não ter dado certo-

— Então, aí que tá. É e não é, ao mesmo tempo.

— Discorra sobre.

— É culpa dele estar com 15 pés atrás em relação a se envolver profundamente com qualquer mulher, mas não é também porque ele tem mais do que motivo de estar assim com Sarah tendo pagado caro o que Ana Paula fez.

Ah.

— Me diga, se fosse você nessa situação. O que você faria?

— Eu não sei, provavelmente eu tentaria me reconciliar comigo mesmo primeiro? — retruco, fazendo careta. É meio que óbvio para mim, mas imagino que o óbvio para mim não seja o óbvio para ele e ele ainda não tenha chegado a essa mesma conclusão. Só que, ouvindo sua história de vida através da ótica do Felipe, parece que ele precisa fazer as pazes consigo mesmo e aceitar que a merda que essa tal de Ana Paula o fez foi por causa da sua falta de caráter e não porque ele deixou de fazer algo durante o relacionamento. Acho eu que quando ele conseguir se isentar dessa culpa que não é sua, vai se sentir mais aliviado e leve. — Você nunca tentou falar isso?

— Não.

— Nunca te ocorreu esse pensamento?

— Não.

Olho-o desconfiado e ele enche outro copo, tomando em uma dose seca. Agora tocava outro do Zezo, "Você Não Me Ensinou A Te Esquecer". Não era autoral dele, mas na sua voz a vontade de beber era maior.

"Agora, que faço eu da vida sem você

Você não me ensinou a te esquecer

Você só me ensinou a te querer

E, te querendo, eu vou tentando te encontrar"

— Existe a ínfima possibilidade do Noah não ter superado o que sentia por Ana Paula?

Ele não responde.

Contenho a risada, pois é complicado e eu sou matemático, não psicólogo. Felipe fica em silêncio, eu o observo e concluo que existem diversas possibilidades do que possa ser a raiz do problema de Noah, mas uma coisa é certa: ele se martirizar pela situação de Noah nesse nível é estranho. E pelo meu histórico com as merdas alheias, é culpa no cartório, mas ele não vai me dizer nada a respeito e eu acho que nem tô assim tão interessado em saber, por que ficaria com a informação para quê? O que eu vou fazer com isso?

Encho o meu copo, observo-o brevemente e o viro.

Continuamos a beber, quietos e é isso.

Tudo na vida dele só vai melhorar quando ele fizer as pazes consigo mesmo, mas primeiro ele precisa chegar a essa conclusão sozinho e isso talvez possa demorar, porque é complicado enxergar a ilha estando dentro da ilha – fora que, eu sei que se eu for forçar a resposta goela abaixo nele, não trará nada de bom.

Saber dos problemas dos outros é complicado.


Sacamos por volta de 2L de aguardente com alguns petiscos, refrigerante e nesse meio tempo Noah chegou em casa.

— Vai beber com a gente, Noah?

Ele olha, pensando e faz uma careta.

— A gente compra cerveja, não faça essa carinha.

— Qual?

— Depende — Felipe diz, e eu o encaro. — Tem limite?

— Se vocês pagarem, tenho.

— Eu pago — respondo, como se fosse óbvio. Acho que a pergunta era para Felipe que ri e diz que o dele sempre era pago. — Então, faça a boa.

Noah foi tomar um banho, enquanto eu e Felipe continuamos bebendo o restante do energético com Coca -Cola que tem. Felipe pede para eu pedir mais uma aguardente e outra Coca por via das dúvidas, que quem colocaria o energético por fora era ele.

— Sim, patrão. Você quem manda — digo.

Graças a Deus hoje era sábado, pois pelo caminhar da obra o final aqui seria um só: eu dormindo com força no seu sofá.

Quando Noah voltou, eu levantei e falei que iria tomar um banho porque eu quem estava morrendo de calor agora – e Felipe disse onde tinha toalha no seu quarto. Imagino que os dois tenham conversado o tempo que passei no banho, foi bom esfriar a cabeça e digerir tudo o que tinha ouvido referente a ele, Ana Paula e Sarah.

— Já acabou, frango? — Felipe gritou, de onde estava e respondi com outro grito. — Pois se apresse, o entregador está chegando.

— Sim, patrão.

O que tocava nesse meio tempo era "Careless Whisper" do George Michael. Cheguei cantando com os dois que já estavam aos berros, dando o sangue pela música.

— Isso porque ainda nem chegou o pedido — brinco.

— Nós já estamos naquela moda — Felipe retruca.

— Verdade.

— Hoje só temos um sonho e crédito. O resto é detalhe —ele continua e Noah ri.

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