𝐄𝐍𝐈𝐓𝐄𝐍𝐒𝐈𝐃𝐀; ᴀᴘᴏʟʟᴏ ᴍᴄ

019

HÁ QUINZE DIAS ATRÁS assim que cheguei de viagem e fui surpreendida por uma casa vazia, sem nenhum móvel ou alguém, liguei desesperada para minha avó. Me debruçei em lágrimas, em um choro sincero que eu não tinha há anos. Depois de me buscar a trilha sonora do caminho até sua casa foram meus murmuros chorosos que não conseguia segurar.

Os dias até aqui tem sido estranhos, como se eu realmente estivesse sendo abandonada, e eu realmente fui. De alguma forma Apollo e eu continuamos a conversar, mas sem tocar no assunto. Ele sabia que aquele era um momento delicado para se falar sobre isso, e sabia também que naquele momento eu precisava apenas do meu melhor amigo. O garoto chegou a oferecer sua companhia em alguns momentos, mas neguei. No fundo aquele sentimento ainda estava presente e se eu o visse ele voltaria à tona, e tudo o que eu menos preciso agora é de mais problemas.

Comecei a trabalhar com a minha avó em sua loja de roupas, e passei também a cogitar a ideia de voltar a fazer faculdade. Mas a sensação de incomodar a mais velha me consome, o peso nas costas de querer deixa ‐ lá livre de mim logo me faz esquecer dos meus outros objetivos.

      Minha filha, não acha que está bom por hoje?       A mais velha se apoiou na bancada à minha frente.

      Vou terminar isso primeiro, já já eu paro.

Ela levou sua atenção ao relógio na parede.

      Não vai sair com seus amigos?       Franziu o cenho.       Desculpa o jeito de falar, mas eu digo aqueles noiadinhos que você saia antes.

Soltei um ar pelo nariz, achando graça.

      Não, eu não vou sair com eles.       Engoli seco.       Faz tempo que eu não os vejo.

Minha avó pareceu me analisar, caminhou até a porta do estabelecimento à fechando e se voltando para mim.

      Flora, você é fechada demais para uma jovem.       Tomou ar.       Você tem tanto medo do abandono que se afasta antes mesmo de alguém se aproximar, isso não é justo, não consigo mesma! E nem com quem quer amar você.

Continuei em silêncio e a fazer minha função.

      O seu pai foi abandonado e isso deixou sequelas, sua mãe o deu a sensação de que ele nunca mais poderia ser amado e isso afetou você também. Mas você não precisa seguir essa corrente infinita, Flora, vá aproveitar agora que você realmente pode.       Tirou a roupa que estava em minha mão.       Eu te amo e quero ver seu bem, tenho certeza que seus amigos também!

      Meu deus, vó! É muita pedrada para um diálogo só.       Soltei um riso frouxo para quebrar o clima.       A olhei nos olhos e continuei.       Eu também te amo, e pode deixar, hoje vou sair.

A noite a mesma me deu carona para a praça de sempre, onde tudo começou e onde meus problemas desaparecem.

A panela estava reunida na árvore de sempre, um evento difícil de se acontecer era todos estarem juntos, e hoje estavam.

      Papo, a panela tá quase completa!       Jota coçou a nuca.       Faltou a Flora, mas ela sumiu.

Me mantive distante sem que ninguém me visse.

      Aí Apollo, ce' não tem falado com ela?       Maria questionou o garoto que até então estava em silêncio.

      Muito pouco, não sei o que tá rolando.       Deu de ombros.