Capítulo 18

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As lágrimas caem impiedosamente por minhas bochechas, enquanto estou sentada contra a porta. Matteo pode ter me dito tudo aquilo em um momento de raiva, mas sei que é verdade. É realmente como ele se sente, e agora me sinto tão culpada por  fazê-lo se sentir assim por tantos anos, por não perceber isso logo de cara. Sou muito egoísta mesmo.

Matteo sempre prestou atenção em cada mínimo detalhe em mim: se eu estava triste, desanimada, como fome, feliz, com o coração partido... tudo. E eu não consegui enxergar algo tão óbvio. Sei que nosso pai pega pesado demais com ele. Que ele sempre estava tentando cuidar de algo — mamãe e eu — que não era a responsabilidade dele. Ele estava assumindo um papel que não era o dele, mas nunca demonstrou má vontade ou sequer cansaço. E eu, burra, não percebi o quanto isso estava acabando com ele.

Sempre apoiei que ele saísse mais, aproveitasse mais sua juventude, mas ele estava sempre com a cara afundada nos livros ou fazendo algo por mim. Isso só mudou depois de Laura e Samuel. Queria poder voltar no tempo e facilitar mais as coisas para ele, mas fui egoísta ao extremo, me acostumando com a mordomia que ele me proporciona. Isso dói demais, me faz sentir péssima. Mas agora, além da culpa, estou consumida pela raiva e a única vontade que tenho é de dizer coisas que também o machucarão.

No andar debaixo, escuto a voz alterada de Laura gritando com meu irmão. Sua voz, normalmente delicada e baixa, está agora grave e alta. Nunca a ouvi assim. Laura sempre parecia estar sussurrando ao conversar, como se mal abrisse a boca para falar, o que sempre me irritou. Agora, vejo que consegui tirar até ela do controle. Mais uma coisa que Matteo vai me culpar.

A voz de Matteo sobressai mais uma vez, carregada de fúria. "Ela dormiu com dois caras debaixo do mesmo teto que eu! Essa garota não respeita ninguém!" Ele berra, e posso sentir a armagura em cada palavra. Aperto os olhos, minha pele pinicando de raiva. Que babaca. Agora Samuel também entra no meio da discussão, tentando apaziguar a situação, enquanto Maju logo se junta ao caos, gritando mais alto que Matteo.

Que caos que causei.

Levanto do chão, sentindo as pernas tremerem. Limpo o rosto com o dorso da mão, soltando um grunhido abafado. Preciso acabar com toda essa confusão que causei. Vou até o armário, tiro minha mala lá de dentro e pego um casaco, jogando-o por cima do vestido rodado de florezinhas que estou usando. Destranco a porta e arrasto a mala de rodinhas pelo corredor.

Piso duro, cada passo ecoando como um tambor sobre o piso, o som das rodinhas se misturando com o barulho dos meus pés.

Paro no primeiro degrau e, de repente, todas as vozes cessam quando empurro a mala escada abaixo. Ela desce, quicando nos degraus, até parar aos pés de Samuel.

Todos os olhares se voltam para mim enquanto termino de descer as escadas. Prendo a respiração, sentindo meus dedos formigarem quando seguro a alça da mala. Matteo finalmente parece sair de transe quando contorno seu corpo para ir em direção à porta.
Seu olhar é uma mistura de raiva e dor, e isso me corta por dentro, mas mantenho a cabeça erguida. Não posso fraquejar agora. Foi ele quem começou.

— Onde você está indo? — A voz dele chega dura aos meus ouvidos, cortando o ar como uma lâmina.

Continuo andando, sem me virar para ele quando respondo:

— Pra casa.

Um segundo depois, ele tromba no meu ombro e se joga na frente da porta, bloqueando minha saída.

— Como é que é? — Ele trinca os dentes, o rosto ficando vermelho e a veia pulsando na testa.

— Sai da minha frente, Matteo.

— Nem fodendo que vou te deixar sair daqui.

Suspiro, largando a mala e cruzando os braços na frente dos peitos, tentando esconder a tremedeira em minhas mãos.

Apenas dez dias Onde histórias criam vida. Descubra agora