[POV Marissa]
Minha família sempre foi de viajar muito, até que quando eu tinha quatro anos, todos decidiram sair da Tailândia para morar no Brasil.
Meu pai é lutador de Muya Thai e minha mãe é dançarina, então São Paulo pareceu ser o destino ideal para a nossa família. Meu velho tinha algumas ligações no país por conta dos campeonatos que participou, ou dos alunos que orientou, além de falar muito bem japonês. Meu pai tinha uma relação muito boa em modo geral com qualquer pessoa, e por isso foi muito fácil se estabelecer no bairro da Liberdade, onde se concentra uma grande comunidade pertencente a cultura asiática, e por mais que tenhamos culturas diferentes... de uma forma ou de outra, é o mais próximo que eu tenho da minha antiga casa.
No começo foi bem estranho estar no país, os costumes são muito diferentes, os tipos de pessoas também, apesar de eu me sentir uma estranha, havia tantos rostos diferentes que pela aparência não era o problema, mas sim pela dificuldade de se comunicar. Meu pai que estava muito animado com a mudança, começou a falar 80% tailandês em casa e 20% português, e toda a família começou a fazer aulas da língua online, permitindo todo mundo aprender junto e aplicar no dia dia. O homem vivia dizendo, "Família pratica junto, por que família cresce junto", mas na época eu estava muito triste pra me animar com a ideia.
Depois de alguns anos, o português ficou mais claro pra mim. Era raro as vezes que conversava uma palavra ou outra na minha língua natal, comecei a ficar mais confortável com o português, e utilizava o tailandês apenas nos cumprimentos formais, quando meus pais discutiam ou quando meus avós nos visitavam.
Eu estava indo bem na escola e tinha conhecido algumas pessoas legais. Apesar de sentir muita falta de casa, dos meus avós e tudo o que aquele país representa pra mim, comecei a criar um carinho por este da qual estava vivendo, aprendi a sambar com umas amigas vindas do Rio de Janeiro, que eram extremamente acolhedoras, conheci muitos filmes engraçados, comecei a gostar de futebol, principalmente o feminino, entrei para aulas de dança, porque percebi que era uma área que eu gostava, deixando minha mãe muito orgulhosa e nos unindo mais, já que agora tínhamos algo em comum. Quando menos esperava, me apaixonei pelo lugar e quis me sentir o mais pertencente possivel.
Um dia conheci uma menina muito querida e fofa que também era tailandesa e morava lá, gostávamos da mesma banda e ela participava ativamente nos grupos do fã clube, quando conversámos eu tinha dificuldade de entender ela já que estava acostumada com o português, mas dia a pós dia, eu fui lembrando da minha língua materna com muita facilidade e a gente foi se aproximando. Tinha dias que eu só queria chegar em casa pra conversar com ela, porque independente do tempo que fazia que eu estava aqui, sempre seria colocada na caixinha da menina "japonesa", "chinesa", a de olhos puxados e entre outras formas de me definir. Isso me machucava, não por vergonha de quem era, mas de saber que sou muito além de todo esse estereotipo, tinha toda a história do lugar que vim, acima de tudo tinha a minha individualidade, que era nada mais e nada menos que ser eu, Marissa! Não a menina que ninguém se importava qual a sua nacionalidade. Pra todos eles, eu só era a menina asiática, mas pra Yoko, eu era a Marissa!
Então ter a amizade dela, mesmo que por distância, fez eu me sentir compreendida, mesmo gostando muito do lugar que vivia, faltava isso, alguém que me entendesse. A amizade dela era a luz que eu precisava no meu dia dia, compartilhava os memes daqui, explicava pra ela o que significava e de pouquinho a pouquinho a menina também começou a gostar e não era atoa, Brasil é um país muito bom de viver, mas como tudo nessa vida, tem seus pontos altos e baixos, e a amizade dela equilibrava tudo como tinha que ser.
Uma vez, acordei com a mensagem da Yoko dizendo que a escola dela abriu vagas para fazer intercâmbio, e que para nossa surpresa, Brasil estava na lista de países disponíveis pra isso. Apesar de que não levar muito a sério, até porque estávamos falando de um intercâmbio no Brasil, e na minha cabeça, jamais que os pais da menina iriam deixar, então eu me empolguei bastante, mas sabendo que as chances de acontecer, era mínimas. Passando um tempo, nós não falamos mais sobre o assunto, e mesmo que quiséssemos, o horário que eu e Yoko conversava era muito limitado, e normalmente pra ela já era noite, então logo seria o horário estabelecido para ir dormir, mas cada dia mais parecia ser algo possível de acontecer. Meu coração estava quase explodindo dentro do peito, só de pensar na possibilidade de conhecer a minha melhor amiga.
Os dias passaram voando, até porque tanto eu quanto Yoko estávamos planejando o que fazer para o intercâmbio acontecer, todo dia conversamos por uma ou duas horas, eu tentando ensinar a ela o português, que agora não era nem por diversão, mas uma obrigação e ela me perguntando sobre a educação, como as coisas são divididas, sobre os bairros de São Paulo e etc. Um certo dia ela me ligou quatro horas da manhã completamente eufórica, dizendo que havia pedido para o pai assinar o documento liberando-a para o intercâmbio, fiquei sem acreditar, porque honestamente se eu pedisse para a minha mãe fazer isso ela me daria uma chinelada na cabeça, porque assinar documento da escola aqui não era comum, a menos claro que tenha tirado nota ruim.
Alguns dias depois a data da vinda dela pra cá estava se aproximando, minha amiga me informou onde iria ficar, o que pra minha felicidade era bem pertinho, qual a escola que foi designada e todos os demais detalhes importantes. Só de pensar que a menina ficaria 1 ano aqui, me fez sorrir tanto como se a partir daquele momento eu seria a pessoa mais feliz do mundo. Mas tinha medo também, vai que pessoalmente eu não fosse uma boa amiga? Ou pior, se ela viesse pra cá e visse que eu não era tudo aquilo que ela imaginou que fosse? Diversas vezes me peguei dizendo que tudo ficaria bem, que se fosse uma amizade sincera, a gente iria achar o caminho.
- Eai está tudo certo pra amanhã? - pergunto com a voz ansiosa.
- Está sim! Fiz as malas e vou falar agora pro meu pai sobre isso.
- Como assim? Você já não tinha falado pra ele? O seu voo é amanhã! - digo totalmente em choque.
Com o fuso horário, e claro nossas rotinas e obrigações, não conseguimos conversar o suficiente para manter uma e a outra informada de todos os detalhes, como ela conseguiu convencer o pai de vir fazer o intercâmbio aqui ainda é um mistério para mim. Eu aguardava o momento certo para saber de tudo, eu estava tendo dificuldade de acreditar, porque tinha tudo para dar errado, e o mais louco é que ela conseguiu, pelo menos... o mais difícil de conseguir. Então até preferia não saber dos mínimos detalhes, a ansiedade iria me consumir ainda mais.
- Não! Se eu falasse antes, ele teria tempo de pensar melhor na situação, e até ir atrás da escola para cancelar o intercâmbio. Assim pelo menos ele vai ter que simplesmente me deixar ir... bom - a menina ri do outro lado da linha - pelo menos é o que espero.
No final da ligação eu entendia menos do que no começo. Yoko ligou somente para avisar isso, dizendo que conversaria com o pai dela um dia antes, o que me deixou muito ansiosa, eu precisava de algum retorno, mas a menina já não me respondia com frequência, então a resposta não viria com a urgência que eu queria.
No dia seguinte, Yoko me avisa que estava indo para o aeroporto, a viagem iria demorar um dia inteiro, podendo atrasar um pouco. Eu queria saber o momento exato que ela chegaria no Brasil, pra poder combinar um lugar de encontro, já que primeiramente ela iria ser acompanhada pela instituição responsável pelos intercambistas. Não recebia mensagem alguma da menina, e tudo passou pela minha cabeça, tempestades, turbulências, e se eu a perdesse? Seria muito uma coisa de filme. Se por azar do destino isso acontecesse, nem sei o que faria.
Depois de muitas horas e muita angústia, recebo uma mensagem de um número diferente, percebo de quem se trata pois havia vários corações e a escrita do português era péssima, cheia dos erros.
_Chegueeei na casa que vou ficar! Estou tão animadaa. Não consegui mandar mensagem antes porque estava resolvendo um monte de coisa, e como estou cansada, vou dormir um pouco está bem? Mas aonde você mora??? Depois me encaminhe o lugar. Beijos beijos.
Sorrio largamente para a mensagem, sentindo o alívio de saber que a menina está bem. Mando a localização para ela saber da distância, mas lhe digo que vou até aonde ela está, quando estiver descansada. Estou tão ansiosa que mal consegui dormir e nem comer. Minha melhor amiga está a 5 km de distância, para quem vive em São Paulo, e quem já estava no outro lado do mundo, é como viver a uma quadra de distância.
- Mal posso esperar pra te conheceeeeeer. Bom descanso - digo sorrindo amassando o celular na bochecha.
Ela realmente está aqui!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Negligência - Fayeyoko
RomanceYoko pediu para seu pai assinar o documento, o homem assina sem saber o que de fato é, a menina saltita feliz com a sua conquista e espera o tempo passar. - Tchaaau pai estou indo para o Brasil! - Como assim? - Aqui você assinou o documento, não po...