33 - ALGUEM QUE EU CONHECIA

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- Eu vou te contar, mas antes de falar qualquer coisa eu preciso te pedir desculpas. Eu não devia ter escondido algumas coisas de você e você me ouvir já é mais do que eu mereço. Então me desculpa por não ter sido sincera, não queria que descobrisse daquela forma. - Ele não respondeu e ela continuou. - Meu nome verdadeiro é Helena Alcântara Belfort.

A última parte fez Nathan olhar para ela, surpreso com o que acabou de ouvir.

- Continue. - Ele pediu.

- O Theo e eu tivemos um relacionamento por 13 anos, desses 13 anos fomos casados por 7 deles, ficamos juntos até o dia em que eu fugi da nossa casa. Fugi da minha vida no Brasil. Fugi dele.

Ela falou rápido fechando os olhos com medo da reação do namorado. Nathan prestava atenção em cada palavra, mesmo sem querer.

- Lembra da Clara, minha melhor amiga? - Ela perguntou e ele balançou a cabeça concordando. - Eles são irmãos. A conheci com 10 anos na escola, sempre nos demos bem e éramos carne e unha. Foi quando conheci o Theo também. Ele era o irmão mais velho da minha melhor amiga e sempre foi gentil comigo, me defendia na escola, me ajudava com as tarefas, me dava o lanche dele quando eu não levava. Aos 14 anos foi quando a nossa história de fato começou. Com ele tive meu primeiro beijo, foi ele quem tirou minha virgindade, foi quem me segurou quando minha tia morreu, foi quem me deu um teto quando fiquei no olho da rua porque o banco ficou com a casa que ela deixou. Foram 13 aniversários, 13 natais, 13 anos da minha vida ao lado dele. Eu acreditei que ele fosse o homem com quem eu passaria o resto da minha vida, Nathan. Eu quis muito que ele fosse e por isso ignorei todos os sinais que ele dava.

Ele continuou calado apenas ouvindo cada detalhe da história que ela contava, vendo no olhar dela o quão difícil estava sendo contar aquilo. Lutando contra si mesmo ele deu alguns passos e sentou ao lado dela naquele banco.

- Quando o conheci ele era doce e gentil e só pegou na minha mão no quarto encontro, o primeiro beijo eu que tive a iniciativa de roubar. Mas isso só foi até nos casarmos. A mãe dele era muito conservadora e disse que só moraríamos debaixo do mesmo teto se nos casássemos, então foi o que fizemos. Eu tinha apenas 16 anos, estava sozinha no mundo, ele já tinha 18. A família dele sempre foi muito rica, eles tem muitas fazendas, empresas, dinheiro. O Theo me ofereceu uma vida que eu imaginei que nunca teria, cheia de luxos e regalias, mas nada daquilo importava, eu só queria ficar ao lado dele.

- E porque fugiu do homem perfeito? - Nathan perguntou com um tom de ironia.

- Ele estava longe de ser perfeito. No primeiro ano de casamento foi quando comecei a conhecer o Theo de verdade. Na verdade ele sempre foi daquela forma, eu que não queria ver mesmo. As crises de ciúmes sempre estiveram presentes, mas quando nos casamos ele sentiu que tinha se tornado meu dono oficialmente. Ele começou a me afastar de todo mundo e me isolou completamente. Controlava meu dinheiro, com quem eu saia, onde eu estava, ele só me deixou cursar arquitetura porque a Clara estaria junto para me vigiar. Até que começaram as agressões.

Os olhos dela encherem de lágrimas e Nathan quis abraça-la, mas se conteve. Sentia um aperto no coração por cada palavra que saía da boca dela.

- Primeiro foram agressões apenas psicológicas. Ele gritava, apontava o dedo, quebrava coisas, me fazia passar vergonha na rua e quando voltávamos para casa a culpa era minha, porque eu o fiz agir daquela forma, eu usei uma roupa colada demais e um homem do outro lado da rua olhou, a culpa era minha, sempre minha! Um dia fui dormir cheia de cacos de vidro no cabelo por um vaso que ele acidentalmente jogou em mim, não foi a intenção me acertar. Em outro dia ele acelerou tanto o carro depois de uma discussão que bateu em uma árvore. Achei que iria morrer aquele dia, gritava tanto pra ele diminuir e me deixar sair, mas ele disse que viveríamos juntos ou morreríamos juntos. Por isso eu tive aquela reação quando te vi depois do seu acidente. - Pela primeira vez os dois trocaram olhares naquela noite. - E aí vieram as agressões físicas.

Nathan sentia uma aperto no coração tão grande que não conseguia nem falar nada.

- Um olho roxo, um corte no canto da boca, um braço quebrado, uma fratura na costela, manchas roxas pelo corpo que eu sempre dizia que tinha caído, que era desastrada. Eu falava pra mim mesma que ele era bom, só tinha tido um momento ruim, sabe? Ele sempre chorava depois que me batia e no final era eu quem o consolava.

- Porque você permitiu que ele fizesse isso com você?

- Olhando pra trás eu vejo o quanto aquilo era errado, mas na época parecia tão normal, sabe? Eu era a esposa dele e tinha obrigação de permanecer ao lado dele. Ele esteve ao meu lado nos piores e melhores momentos da minha vida, eu sentia que devia minha lealdade a ele. Por isso demorei a ter coragem de pedir o divórcio.

- Meu Deus, Annie. Porque não me contou antes? Eu jamais julgaria você!

- Eu tive medo, Nathan. Eu vivi um relacionamento completamente abusivo e aquilo criou um buraco dentro de mim!

- Porque você fugiu depois de pedir o divórcio? Não estava tudo resolvido?

- As coisas não são tão fáceis assim. Ele não aceitou, disse que não daria e eu entrei com uma ação. Ele foi obrigado a se separar de mim, mas aquilo foi só no papel. Começou a fazer ameaças as pessoas ao meu redor, começou a fazer loucuras com a própria vida e eu o amava demais, apesar de tudo, não suportaria a culpa se algo acontecesse a ele. Ele foi tirando pedaços de mim, de pouquinho a pouquinho, pedaços da minha personalidade, da minha alma, até moldar a mulher perfeita que ele queria e aí ele melhorou, por um tempo.

- Eu sinto muito. - Nathan segurou a mão dela. - Eu sinto muito mesmo! Você foi muito corajosa ao deixá-lo.

- Não fiz por mim, Nathan. Eu descobri que estava grávida com 4 semanas de gestação. Escondi o máximo que consegui, comecei a comer bastante na frente dele e ele achou que aqueles quilos a mais fossem por causa daquilo. A Clara sempre me incentivou a deixá-lo, a ir embora, mas das vezes que tentei ele sempre me encontrou e de alguma forma me levava de volta, então estávamos planejando algo diferente. Sempre que ele se irritada quebrava algo, e eu tinha uma pontinha de esperança porque pelo menos não estava me quebrando. Quando estava perto dos 4 meses ele teve outra crise de ciúmes porque um sócio do pai dele me elogiou, elogiou o meu cabelo. Quando chegamos em casa ele pegou um tesoura e o cortou. Eu amava meu cabelo, minha tia sempre dizia que parecia com o da minha mãe e por isso nunca mexi nele. Naquela noite eu decidi que não podia deixar que meu bebê vivesse aquilo, eu não podia deixar que ele vivesse com medo e fosse machucado. Então liguei para a Clara, que já tinha tudo preparado apenas esperando eu ter coragem.

- E o que aconteceu com o seu bebê?

- Entrei em trabalho de parto com 6 meses, ele veio muito prematuro e não resistiu. - Nathan abriu a boca para falar algo mas não conseguiu. Nunca imaginou tudo o que a mulher que amava teve que passar. - A missão dele foi me tirar daquela casa. Ele me salvou, Nathan. Talvez eu nunca teria saído daquela casa se não fosse por ele, nem sei quanto tempo mais eu teria sobrevivido. O batizei no hospital nas poucas horas de vida que teve e entendi sua missão. Deus o mandou para ser meu salvador.

- Que nome você deu a ele?

- Gabriel.

- É um lindo nome.

- Era o nome do meu pai. Agora tenho dois anjos cuidando de mim.

Nathan a puxou e a abraçou forte, queria fazê-la se sentir segura, queria proteger ela de tudo o que passou, queria poder tirar a dor que ela sentiu, mas era impossível.

SECRETÁRIA DO ANOOnde histórias criam vida. Descubra agora