1 - DEIXANDO O PASSADO

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Eram 3:04 da manhã quando Helena pegou sua carteira debaixo do travesseiro azul e levantou da cama na ponta dos pés. Andava tão devagar tentando ser silenciosa naquele chão de madeira que nem ela mesma se ouvia.
Theo se mexeu sobre a cama mudando de posição e ela parou imediatamente torcendo pra que ele não sentisse a falta dela do lado e voltasse a dormir. Pra sua sorte, foi o que aconteceu.
Quando chegou na sala viu cacos de vidros pelo chão e um porta retrato quebrado, além da tesoura sobre a mesa de centro e pedaços do seu cabelo que foi cortado sem sua permissão. Resquícios do último ataque de ciúmes do seu marido.
Ela continuou seus passos lentos em direção a janela de vidro do banheiro que deixou destravada antes de deitar e a empurrou sem fazer muito esforço, subiu sobre um banco de madeira que deixou de forma estratégica e atravessou devagar para que nenhum barulho fosse ouvido, ela não poderia ser pega dessa vez.
Quando chegou ao outro lado suas pernas começaram a se mover de forma quase involuntária para longe daquela casa que foi cenário dos piores dias que já viveu. Ela correu por entre as árvores e pedregulhos machucando seus pés descalços até avistar a estrada exatamente no ponto que combinou com sua melhor amiga, que já a esperava.

- Graças a Deus! - Clara suspirou aliviada assim que viu a amiga chegar ofegante. - Você está atrasada! Achei que não tinha conseguido.

As duas se abraçaram com muita força, sabendo que aquela seria a última vez que se veriam, pelo menos por um bom tempo.

- Eu estou apavorada. - Helena falou sentindo a adrenalina ainda em seu corpo.

- Eu sei. Mas você vai conseguir, ouviu? - Clara colocou as chaves do carro nas mãos da amiga - O tanque está cheio, vá o mais longe que conseguir e não olhe para trás. Me prometa que vai ser feliz, você e ele. - Clara tocou na barriga de Helena com carinho.

- Ok, eu vou ser feliz. Nós vamos! - Respondeu mesmo sem acreditar em suas próprias palavras colocando a mão por cima da mão da amiga. - Eu vou conseguir.

- Isso mesmo. Agora vá antes que o sol apareça e ele comece a te procurar. Sua identidade e passaporte novos estão no porta luvas e o dinheiro também, me dê sua carteira.

Helena entregou seus documentos para que o resto do plano fosse cumprido.

- Pronto, agora vai dar tudo certo! Estou muito orgulhosa da sua coragem. - Clara tocou no rosto da amiga de forma gentil.

- Eu te amo. Obrigada por se arriscar tanto por mim!

- Eu também te amo e faria isso outras mil vezes. Assim que conseguir sair do Brasil e tiver segura me liga. Não me esquece, tá bom?

- Nunca!

Elas se despediram pela última vez e Helena entrou no carro que sua amiga providenciou. Era um jeep azul bem velho, mas todo revisado e pronto para pegar estrada. Ela olhou no porta luvas seus novos documentos os quais teve que usar quase todas as suas economias pra conseguir, não foi algo fácil como via nos filmes ou séries que assistia.

"Annie Prado Ferraz"

Era assim que se chamaria de agora em diante. Deixando o Sul do Brasil e toda a sua vida para trás Helena dirigiu por 18 horas seguidas no primeiro dia, viu o sol nascer no caminho e só encostou em um posto para abastecer e usar o banheiro, estava cansada mas não podia se dar o luxo de descansar. Ela precisava ir o mais longe possível antes de completar as 24 horas do seu desaparecimento e a polícia começar a procurá-la. Se bem que Theo nem esperaria tudo isso para ir atrás dela.

Enquanto dirigia ainda nem acreditava que estava mesmo conseguindo fazer aquilo e que sua vida não tinha acabado. Ela estava livre, finalmente. Aproveitou pra gritar com as janelas abertas enquanto o vento balançava os seus cabelos recém cortados.

- EU ESTOU LIVRE!!! - A voz presa na sua garganta finalmente saiu, acompanhada de um riso quase descontrolado. - Estamos livres, meu amor! - tocou em sua barriga acariciando.

Helena perdeu as contas de quantas noites disse pra si mesma que era o fim, e na manhã seguinte estava de pé, sobrevivendo.
Alguma coisas não são o fim do mundo e ela provou isso, viveu mais finais do que qualquer um poderia viver, e no final das contas, ainda estava ali. Talvez um pouco machucada, desesperançosa sobre o futuro, mas ainda estava ali.
Mesmo que os ossos da sua alma ainda estivessem quebrados, mesmo que nem sempre entendesse o motivo de ainda estar ali, ela ainda estava. E agora não era só por ela, mas pelo bebê que carregava em seu ventre.
Não sei ao certo a quantidade de finais que alguém pode suportar, quantas vezes vai precisar recomeçar, ou quantas vezes terá que se deixar permitir de novo, mesmo que isso machuque. Só sei que ela estar ali já era um bom começo, mostrava que não existia nada que ela não conseguia suportar.
Algumas coisas não são o fim do mundo, e ela estava ali, provando exatamente o que eu estou dizendo.

SECRETÁRIA DO ANOOnde histórias criam vida. Descubra agora