**Capítulo 4: Um Encontro Inesperado**
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O eco das notas melancólicas de “Tenho a Flecha do Cupido” ainda preenchia a caverna de Alice quando ela sentiu algo diferente no ar. Era como se uma nova presença tivesse invadido seu espaço, algo que a fazia lembrar de uma vida que ela achava que havia deixado para trás.
Alice interrompeu sua canção e ergueu a cabeça, seus sentidos de dragão aguçados captando cada mínimo movimento ao redor. O vento trouxe um cheiro familiar, um cheiro que ela não sentia há tanto tempo que quase pareceu um sonho — o cheiro de um humano. O cheiro a fez estremecer, como uma corrente elétrica que percorresse todo seu corpo escamoso.
Ela virou-se lentamente na direção do aroma, seus olhos brilhantes e atentos vasculhando o terreno rochoso à entrada de sua caverna. Foi então que Alice viu algo que a deixou sem reação: uma figura humana, uma mulher, se aproximando cambaleante. A visão era surreal. Mesmo depois de tanto tempo, Alice reconhecia aqueles traços, aquela forma frágil que parecia deslocada em meio ao ambiente hostil e selvagem ao redor.
A mulher parecia ferida e exausta. Ela tropeçava sobre as pedras, estendendo as mãos à sua frente como se estivesse tateando no escuro. O cabelo loiro emaranhado caía em torno de um rosto pálido, sujo de terra e sangue seco. Seus olhos estavam abertos, mas não pareciam enxergar nada. E então, com uma voz tremula, ela falou:
"Tem... alguém aí? Por favor... alguém?"
Alice ficou imóvel, seu coração — ou o que quer que fosse que substituía seu coração de humano — batendo descompassado. As palavras da mulher despertaram nela memórias enterradas, de uma vida em que ela também era capaz de falar assim, de expressar medo, dor e necessidade de ajuda.
Antes que Alice pudesse decidir o que fazer, a mulher caiu de joelhos, e logo depois, desabou no chão de pedra, inconsciente.
Sem pensar, Alice se aproximou dela, suas garras afiadas raspando levemente nas rochas. Cada instinto dracônico dentro dela alertava sobre o perigo de permitir que um humano entrasse em sua caverna, mas uma parte mais profunda — e talvez mais humana — a impelia a ajudar.
Ela estendeu uma das patas, com cuidado para não ferir a mulher ainda mais, e a ergueu delicadamente. A força que Alice possuía agora era enorme, mas ela usou toda sua concentração para ser gentil, como se estivesse lidando com algo frágil e precioso.
Com a mulher segura em suas garras, Alice a levou para o fundo de sua caverna, onde o chão era coberto por musgo macio e o ar era mais quente. Ela deitou a mulher ali e a observou por um momento, tentando decifrar os detalhes de seu rosto e suas roupas. Aquele mundo parecia não fazer mais sentido para Alice; mesmo depois de tanto tempo, ver outro ser humano era como um choque, um lembrete doloroso do que ela havia perdido.
Enquanto esperava que a mulher acordasse, Alice se permitiu refletir sobre tudo que havia acontecido. As memórias do passado retornaram com uma força renovada, misturadas com a incerteza do que fazer a seguir. Ela havia se tornado uma criatura feroz, uma caçadora, mas ainda havia algo dentro dela que respondia àquela visão, que ainda se importava.
Horas se passaram, e a luz do sol que entrava pela entrada da caverna mudou de tom, passando de um brilho dourado para um laranja suave do entardecer. Alice não se afastou da mulher, mantendo um olhar vigilante sobre ela. De vez em quando, ela esticava a cabeça para perto da humana, sentindo seu cheiro e ouvindo sua respiração fraca, como se isso pudesse lhe dizer algo mais sobre sua condição.
Finalmente, a mulher começou a se mexer. Seus olhos piscaram várias vezes, e ela soltou um gemido suave, indicando que estava voltando à consciência. Alice observou atentamente, sentindo uma mistura de ansiedade e curiosidade.
Quando a mulher abriu os olhos completamente, eles ainda estavam vazios, sem foco, confirmando que ela realmente não podia ver. Ela tentou se sentar, e Alice, sem saber exatamente por que, deu um passo para trás, criando um espaço para que ela pudesse se mover sem se sentir ameaçada.
"Ah... onde estou?" A voz dela era fraca, quase um sussurro. Ela estendeu as mãos à frente, tateando o ambiente à sua volta, tocando o chão úmido da caverna e o musgo que Alice havia preparado. "Tem alguém aqui? Eu... eu estou sozinha?"
Alice hesitou, uma estranha sensação de impotência a dominando. Ela poderia fazer tantas coisas agora, tinha tanto poder à sua disposição, mas comunicar-se com a mulher parecia impossível. Como um dragão poderia acalmar um humano, especialmente em uma situação como aquela?
Mas algo na fragilidade da mulher a fez querer tentar. Alice soltou um som suave, quase como um ronronar, tentando transmitir que não tinha intenção de machucá-la. A mulher virou a cabeça em direção ao som, uma mistura de medo e esperança em seu rosto.
"Quem... quem está aí?"
Alice se aproximou lentamente, desejando mais do que nunca poder usar as palavras que uma vez foram naturais para ela. Ela tentou cantar novamente, não a canção de caça, mas uma melodia calma e reconfortante, algo para aliviar o medo da mulher.
A mulher pareceu relaxar um pouco, seus músculos tensos amolecendo enquanto o som preenchia o espaço ao seu redor. Ela se deixou cair de volta no chão, exausta demais para tentar se levantar novamente, mas ainda assim lutando para permanecer consciente.
"Eu... estou viva?" ela murmurou para si mesma, enquanto seu corpo finalmente cedia ao cansaço e à dor.
Alice observou enquanto a mulher caía novamente em um sono profundo, sabendo que aquele era apenas o começo de algo que poderia mudar tudo. Ela não sabia quem era a mulher, de onde ela vinha, ou por que estava ali, mas uma coisa era certa: seu mundo acabava de ficar muito mais complicado.
Enquanto a noite caía, Alice manteve sua vigília silenciosa, seus pensamentos voltando repetidamente à mesma pergunta: o que ela faria quando a mulher acordasse de novo?