Caio

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Caio estava sentado em sua poltrona favorita, no canto da ampla sala de sua cobertura, observando a vista nublada da cidade. Fazia um ano desde a morte de sua esposa, um golpe que ainda doía profundamente em seu coração. E, como se a vida não pudesse ser mais cruel, apenas sete meses depois seus pais faleceram em um acidente, deixando um vazio impossível de preencher. A solidão daquela cobertura, onde antes havia risos e conversas, agora só ecoava o silêncio de suas perdas.

A ligação recente com sua irmã, Kelly, havia deixado Caio inquieto. Ela estava furiosa, mais do que o normal, e embora ele entendesse a razão de sua raiva, sabia que não era só William que a estava afetando. Havia mais por trás da angústia de Kelly — as feridas mal curadas de seu casamento desfeito, o ressentimento com Natália, e talvez, o medo de perder o controle sobre tudo.

Caio se levantou da poltrona e caminhou até a janela, observando as nuvens carregadas de chuva que pairavam sobre a cidade. Ele precisava de ajuda, precisava da clareza que não estava encontrando sozinho. Kelly estava obcecada com a ideia de que William estava manipulando Natália, e, embora Caio tivesse suas próprias reservas quanto ao ex-cunhado, ele não podia agir precipitadamente. Mas uma coisa era certa: ele precisava saber como sua sobrinha estava realmente se sentindo em St. Jacobs. Era a cidade onde ela estava agora sozinha, lidando com a perda dos avós, com o peso de um legado que talvez fosse grande demais para ela.

E, além de tudo isso, havia Matt.

Seu filho estava distante há meses. Desde a morte da mãe, Matt havia se fechado em um mundo próprio, e Caio, em meio à sua própria dor, não soubera como alcançá-lo. Eles mal se falavam, e a ausência de Matt era uma ferida aberta que Caio não sabia como curar. Ele precisava de Matt agora, precisava de sua visão clara, de sua perspectiva distante. Talvez, juntos, pudessem descobrir o que realmente estava acontecendo com Natália e impedir que a situação fugisse ainda mais do controle.

Ele pegou o telefone, hesitando por um momento antes de discar o número do filho. Havia semanas que não se falavam, e a distância emocional entre eles parecia aumentar a cada dia. Mas, dessa vez, ele não podia adiar. Matt precisava saber que Caio precisava dele.

— Alô? — a voz de Matt soou do outro lado, fria e distante.

— Matt, sou eu — disse Caio, tentando soar mais firme do que se sentia. — Precisamos conversar.

Houve uma pausa. Caio podia ouvir a respiração pesada do filho, como se ele estivesse considerando desligar, como já havia feito antes.

— Sobre o quê? — Matt finalmente respondeu, seco.

— Sobre Natália. E sobre St. Jacobs. — Caio respirou fundo, sentindo o peso das palavras. — Eu preciso que você vá até ela. Algo está acontecendo, e não consigo descobrir o que é sozinho. Você sabe que Kelly está fora de controle e William está se aproximando demais. Eu... estou preocupado com o que isso pode significar para Natália.

Matt soltou um suspiro, e Caio podia imaginar seu filho esfregando o rosto de frustração, como fazia quando estava prestes a recusar um pedido.

— Por que você mesmo não vai até lá, pai? — Matt perguntou, a voz carregada de uma amargura velada. — Você sempre prefere mandar alguém, se distanciar. E agora, me manda para St. Jacobs como se eu fosse resolver tudo.

Caio engoliu em seco. Aquela era uma crítica que ele sabia merecer. Desde a morte da esposa, ele realmente havia se fechado, evitado enfrentar as coisas diretamente, afastando-se de todos, inclusive de Matt. Mas ele precisava de seu filho agora, mais do que nunca.

— Eu sei que não tenho sido o melhor pai, Matt. Sei que me afastei. Mas estou tentando... Estou tentando consertar isso — sua voz falhou, e ele precisou de um momento para se recompor. — Eu preciso de você. Preciso da sua ajuda para garantir que Natália está bem. Você é a única pessoa em quem confio para isso.

O silêncio do outro lado da linha parecia se estender por uma eternidade. Caio quase podia sentir o conflito de Matt, a hesitação entre o ressentimento que ele carregava e o dever familiar.

— St. Jacobs, hein? — Matt finalmente respondeu, com uma leve ironia na voz. — A cidade dos segredos e das tragédias. Não posso dizer que estou ansioso para voltar lá, mas... se é por Natália, eu vou. Vou ver o que está acontecendo.

Caio soltou um suspiro de alívio, embora soubesse que aquilo não resolveria tudo entre eles. Ainda havia muito a ser curado, muitas conversas adiadas e mágoas acumuladas. Mas, por ora, Matt estava disposto a ajudar, e isso era o que importava.

— Obrigado, filho — disse Caio, com sinceridade. — Sei que não é fácil. Mas estou confiante de que você vai conseguir o que precisamos saber. Só... cuide dela, Matt. Ela está mais frágil do que parece.

Matt não respondeu imediatamente, mas quando o fez, sua voz estava mais suave, quase vulnerável.

— Eu vou cuidar dela, pai. Só espero que não seja tarde demais.

Caio desligou o telefone e ficou parado, olhando para a tela por alguns momentos. Uma parte dele queria seguir Matt até St. Jacobs, enfrentar tudo de frente. Mas outra parte, a parte que ele sempre alimentou com o silêncio e a distância, preferia observar de longe. A dor de perder tantas pessoas importantes o tornara cauteloso, talvez até covarde. Mas agora, ao menos, havia alguém que poderia ser seus olhos e ouvidos.

Enquanto olhava para a vista da cidade, a chuva começando a cair levemente, Caio sentiu uma ponta de esperança misturada com preocupação. Ele confiava em Matt, mas sabia que os segredos de St. Jacobs tinham o poder de destruir qualquer um que se aproximasse demais.

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