Capitulo 09

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O som da chuva batendo nas janelas parecia refletir exatamente como Natália se sentia: pesada, cansada e inundada de uma tristeza que ela não conseguia afastar. St. Jacobs, sua cidade natal, parecia agora um refúgio distante de tranquilidade. Quando decidiu voltar, após o acidente que tirou a vida de seus avós, acreditava que ali encontraria paz, uma chance de recomeçar. Mas, com cada dia que passava, percebia que os fantasmas do passado a seguiam, independentemente de onde estivesse.

As ligações de Kelly, sua mãe, tornaram-se cada vez mais frequentes. A princípio, Natália ignorava as chamadas, deixando o telefone tocar até que a insistência a vencesse.

Naquela manhã, o telefone tocou novamente. Ela já sabia que era Kelly antes mesmo de olhar o visor.

— Natália, por que você está me evitando? — perguntou Kelly, do outro lado da linha, com uma voz que misturava frustração e Raiva.

Natália suspirou, esfregando os olhos cansados. Ela sabia que não podia continuar fugindo das conversas, mas a cada vez que ouvia a voz de Kelly, sentia-se mais sobrecarregada.

— Eu só... não tenho estado bem, Kelly. Muita coisa está acontecendo — respondeu, tentando ser honesta, mas ao mesmo tempo, manter a mãe à distância.

— Eu entendo que as coisas estão difíceis, mas você precisa parar de se isolar. Isso só vai te afundar mais. Eu estou aqui, quero te ajudar, mas você tem que me deixar entrar — insistiu Kelly.

Natália olhou para a janela, observando as gotas de chuva escorrendo pelo vidro, e sentiu um nó se formar em sua garganta.

— Eu sei, Kelly... Eu só preciso de tempo.

— Só não demora demais, tá? — Kelly disse suavemente, antes de desligar.

Logo depois da ligação de Kelly, o som do interfone soou, cortando o silêncio da casa. Natália foi atender, esperando que fosse algo trivial, talvez uma encomenda ou uma visita inesperada. Ao abrir a porta, no entanto, deu de cara com dois seguranças uniformizados.

— Natália, somos da equipe de segurança do seu pai. Ele pediu que viéssemos informá-la de que deseja vê-la o quanto antes — disse um dos homens, com uma voz firme e profissional.

Ela congelou. William, seu adorável e ausente pai, tinha mandado seguranças para lhe passar um recado. Algo nela revirou. Ele sempre teve uma forma fria e controladora de agir, e mesmo depois de anos afastado, parecia não ter mudado. Ele não tinha coragem de ligar ou visitá-la, apenas mandava alguém para lhe dar uma ordem.

— Diga a ele que... eu não sei se posso vê-lo agora — respondeu Natália, sentindo a raiva e a tristeza borbulhando por dentro.

Os seguranças assentiram e saíram sem mais uma palavra, deixando-a ali, sozinha no corredor, com o eco de suas próprias emoções.

Sentindo-se sufocada dentro de casa, Natália pegou seu guarda-chuva e saiu para caminhar pelas ruas de St. Jacobs, como já havia feito nos últimos dias. A chuva parecia uma companhia constante, e embora o som das gotas fosse reconfortante, o peso de suas memórias a esmagava.

Andou sem rumo, até que seus pés a levaram de volta à lanchonete que frequentava. Era como se o destino quisesse que ela revivesse certos momentos, pois, ao entrar, viu novamente Vini, sentado em uma mesa com alguns amigos. Mas desta vez, havia algo diferente. Ao lado dele, estava uma jovem que Natália não conhecia. Uma garota bonita, com um ar de confiança. Uma rápida troca de olhares com o balconista foi suficiente para descobrir que aquela era a filha do delegado. E, pelo jeito que estavam próximos, era claro que Vini estava namorando.

Natália sentiu o coração se apertar, como se algo dentro dela estivesse se quebrando de novo. Ela sabia que o tempo tinha passado e que Vini tinha seguido em frente, mas vê-lo ali, com outra pessoa, era doloroso de uma forma que ela não esperava. Aquele era o mesmo Vini que um dia ela amara, que ela pensara que, de alguma forma, ainda teria uma conexão com ela.

Sentada em uma mesa próxima, pediu um café e tentou não olhar na direção de Vini. Sua mente estava um caos. O passado parecia continuar a invadir sua vida, seja com as memórias de seus avós, as insistências de Kelly pelo poder , ou o controle de William, seu pai. Tudo parecia amarrá-la ao que ela queria deixar para trás, como se o presente e o futuro fossem inalcançáveis.

No meio de seus pensamentos, uma voz familiar ecoou pelo lugar.

— Natália?

Ela se virou e viu Marta, sua antiga colega de escola, se aproximando com um sorriso amigável. Marta era uma das poucas pessoas que, nos últimos tempos, tentava fazer com que Natália não se perdesse em sua própria dor.

— Oi, Marta — disse Natália, forçando um sorriso.

— Como você está? Eu vi você entrando e pensei que seria bom conversarmos um pouco. — Marta se sentou sem esperar por convite.

Natália respirou fundo. Não estava bem, e a última coisa que queria era fingir que estava.

— Não sei se estou pronta para essas conversas, Marta. Parece que, onde quer que eu vá, o passado me persegue. Não posso voltar para casa sem sentir a ausência dos meus avós. Não posso andar pelas ruas de St. Jacobs sem esbarrar nas lembranças de quem eu fui. — Sua voz tremeu levemente enquanto falava.

Marta olhou para ela com compreensão nos olhos.

— Sei que não é fácil. Mas, às vezes, enfrentar o que nos machuca é o único jeito de seguir em frente. Talvez, encontrar um jeito de conviver com o passado, em vez de tentar apagá-lo — sugeriu Marta, com suavidade.

Natália assentiu, embora não estivesse totalmente convencida. Os dias chuvosos continuavam, tanto do lado de fora quanto dentro dela. E, por mais que tentasse seguir em frente, as lembranças, os sentimentos não resolvidos e os rostos familiares de St. Jacobs a impediam de encontrar a paz que tanto buscava.

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