Capitulo 08

4 2 0
                                    

O dia amanheceu chuvoso em St. Jacobs. O barulho das gotas caindo no telhado parecia preencher o ar com uma melancolia suave. Natália olhava pela janela, vendo as ruas molhadas e vazias, e sentia uma estranha calmaria. Nos últimos dias, ela havia se concentrado em criar novas joias, uma forma de expressar tudo o que estava sentindo, como se cada peça fosse um reflexo de sua tentativa de recomeçar.

Enquanto organizava as joias na pequena bancada de sua sala, ouviu uma batida leve na porta. Era o Sr. Daniel, o gerente da loja. Ele tinha um semblante sério, mas ao mesmo tempo acolhedor, como sempre. Sentou-se à mesa sem cerimônia.

— Preciso te contar uma coisa — começou ele, ajustando os óculos enquanto tirava alguns papéis da pasta que trazia. — Conversei com seu tio Caio ontem. Ele quer saber como você está, mas, principalmente, está preocupado com os próximos passos da loja.

Natália suspirou. Era a última coisa que queria discutir naquele momento.

— Eu sei que tenho que lidar com isso, Sr. Daniel, mas... é tanta coisa para processar. Minha cabeça está cheia. A loja, meu tio, a situação com minha mãe, e... — Ela fez uma pausa, tentando organizar os pensamentos.

— Eu entendo. — O Sr. Daniel a interrompeu suavemente. — Mas seu tio acha que, talvez, se você assumir o comando da loja de vez, isso possa te ajudar a seguir em frente. Ele falou que acredita em você, e, bem, eu também acredito.

Natália sorriu de canto, agradecida, mas não respondeu de imediato. Antes que pudesse continuar a conversa, ouviu a voz familiar de sua mãe chamando na ligação. Seu coração apertou.

— Natália, preciso te falar algo. Seu pai... ele quer conversar com você — disse a mãe, com a voz carregada de raiva.

A menção ao pai trouxe uma dor aguda. Essa era outra história que ela lutava para esquecer, uma que ainda machucava tanto quanto as outras partes não resolvidas de sua vida.

— Mãe, eu... não sei se consigo falar com ele agora — respondeu Natália, com um nó na garganta. — Não sei se algum dia conseguirei.

A mãe assentiu desligandoa ligação

Depois da Ligação, Natália decidiu sair. Pegou o guarda-chuva e, apesar da chuva que caía incessante, resolveu caminhar pelas ruas de St. Jacobs. As gotas geladas caíam ao seu redor, mas ela não se importava. Precisava de ar. Precisava de distância de tudo por alguns instantes.

Enquanto caminhava, seus pensamentos se perderam em outra questão que também a atormentava: Kelly e William. O poder que eles tinham sobre sua vida no passado ainda a assombrava de vez em quando. Eles faziam parte de um tempo de sua vida que parecia cada vez mais distante, mas ao mesmo tempo, impossível de esquecer.

Cruzando a rua, ela viu uma lanchonete aconchegante, as luzes piscando levemente pela neblina da chuva. Decidiu entrar para se aquecer e, quem sabe, tomar um café. Assim que abriu a porta e o som do sino ecoou, Natália sentiu o calor do ambiente envolver seu corpo. O cheiro de café fresco misturado ao som de conversas baixas trouxe uma sensação de familiaridade.

Enquanto olhava ao redor, notou alguns rostos conhecidos. Alguns eram antigos vizinhos, outros colegas da escola. E então, seu olhar se deteve em uma mesa no fundo. Ali estava ele, Vini, sentado com alguns amigos que pareciam policiais. Seu coração disparou.

Vini nunca havia realmente saído de seus pensamentos, mesmo com o passar do tempo. A distância, a vida, tudo havia contribuído para que eles se perdessem um do outro. Mas, ali estava ele, como se o destino tivesse resolvido reaproximá-los de alguma forma. Ela pensou em ir até lá, mas hesitou. Estava pronta para reviver o que sentia por ele?

Antes que pudesse tomar uma decisão, ouviu alguém gritar seu nome:

— Natália!

Ela virou-se e viu Marta, uma colega de escola que não via há anos. Marta acenava animadamente, com um sorriso largo no rosto. Natália caminhou em sua direção, tentando disfarçar a mistura de emoções que borbulhavam dentro dela.

— Marta! — Natália sorriu, surpreendendo-se com a familiaridade da cena. — Quanto tempo! Como você está?

— Ah, estou bem! — Marta respondeu, animada. — Tenho um filho agora, acredita? E, se você se lembra, eu me casei com o Pedro, meu namorado de infância.

Natália sorriu, lembrando-se de Pedro. Eles sempre foram inseparáveis desde os tempos da escola.

— Que surpresa! — disse Natália, rindo levemente. — Lembro de vocês dois, parecia que era destino.

— E é mesmo! — Marta confirmou, ainda sorrindo. — Mas e você, Natália? O que tem feito? Como está?

Natália hesitou por um momento. O que ela poderia dizer? Que estava perdida entre o luto, as responsabilidades e o passado que insistia em não deixá-la seguir em frente? Que ver Vini ali, tão próximo, havia despertado sentimentos que ela não sabia que ainda existiam?

— Estou... tentando recomeçar — respondeu, vagamente. — Muitas coisas mudaram, mas estou encontrando meu caminho.

Marta assentiu, parecendo entender mais do que as palavras transmitiam. Ela segurou a mão de Natália por um momento, em um gesto silencioso de apoio.

— Se precisar de algo, qualquer coisa, estou por aqui — disse Marta, olhando nos olhos dela.

— Obrigada, Marta. Fico feliz de ter encontrado você hoje — Natália respondeu, sentindo-se um pouco mais leve.

Enquanto se despediam, Natália lançou um último olhar para Vini. Ele estava rindo de algo que um de seus amigos dissera, alheio à sua presença. Ela pensou em ir até ele, mas algo a segurou. Talvez ainda não fosse o momento.

Saindo da lanchonete, Natália abriu o guarda-chuva e voltou a caminhar pela chuva, com a mente fervilhando de pensamentos. O reencontro com Vini e Marta havia despertado memórias e sentimentos que ela mal sabia que ainda estavam ali. O futuro ainda era incerto, mas, de alguma forma, o dia cinzento e chuvoso havia lhe dado um vislumbre de que, talvez, as respostas que ela tanto procurava estivessem mais próximas do que imaginava.

Procurando a Felicidade Onde histórias criam vida. Descubra agora