Capítulo 4

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PETE

– A MAMÃE PERGUNTOU de você outro dia – disse BIG. – Você só a visita uma vez por ano, e ela está preocupada com o que você anda fazendo em Manhattan...

Franzi a testa para a página meio vazia na minha frente enquanto meu irmão tagarelava. Já estava arrependida de ter atendido a ligação dele. Eram apenas seis da manhã na Califórnia, mas ele parecia alerta e centrado como sempre. Provavelmente estava na esteira de seu escritório, lendo as notícias, respondendo aos e-mails e tomando um de seus smoothies horrorosos.

Enquanto isso, eu estava orgulhoso de mim mesmo por ter saído da cama antes das nove. Foi difícil dormir depois do encontro com Vegas na noite anterior, mas fiquei pensando que talvez, apenas talvez, a inusitada experiência pudesse ser suficiente para inspirar algumas frases do meu manuscrito.

Não foi o suficiente.

Meu thriller erótico sobre o relacionamento letal entre um advogado rico e uma garçonete ingênua que virava sua amante formava imagens vagas em minha cabeça. Eu tinha o enredo, tinha os personagens, mas, caramba, não tinha o texto.

Para piorar a situação, meu irmão ainda estava falando.

– Você está me ouvindo? – perguntou ele, com um tom indignado e reprovador. - O calor do notebook atravessava minha calça e chegava à pele, mas eu mal percebia. Estava ocupado demais pensando em maneiras de preencher todo aquele espaço em branco sem ter que escrever mais palavras.

– Estou. – Selecionei todo o texto e aumentei o tamanho da fonte para 36. Bem melhor. A página não parecia mais tão vazia. – Você disse que finalmente consultou um médico a respeito de um implante de senso de humor. É uma tecnologia experimental, mas a situação é trágica.

– Muito engraçado. – Meu irmão mais velho nunca achava graça de nada, daí a necessidade desse implante. – Estou falando sério, Pe. Estamos preocupados com você. Você se mudou para Nova York há anos, mas ainda mora em um apartamento infestado de ratos e serve drinques em um bar qualquer...

– O Paradizco Club não é um bar qualquer – protestei. Havia passado por seis entrevistas antes de conseguir o emprego de bartender lá; jamais deixaria que BIG diminuísse essa conquista. – E o meu apartamento não está infestado de ratos. Eu tenho uma cobra de estimação, lembra?

Lancei um olhar protetor para o viveiro de Mochi, onde ele estava enrolado, dormindo profundamente. Era óbvio que dormia bem; ele não precisava se preocupar com irmãos irritantes nem com fracasso. BIG continuou como se eu não tivesse dito nada:

– Enquanto trabalha no mesmo livro há séculos. Olha, a gente sabe que você acha que quer ser escritor, mas talvez seja hora de reavaliar. Voltar para casa e pensar num plano alternativo. Ajudar na empresa.

Voltar para casa? Ajudar na empresa? Nem morto.

Um gosto amargo subiu pela minha garganta diante da ideia de desperdiçar meus dias em algum cubículo. Eu não estava avançando no manuscrito, mas ceder à "solução" de BIG significava desistir dosmmeus sonhos de vez.

Tive a ideia para o livro havia dois anos, enquanto observava pessoas passando pelo Washington Square Park. Tinha entreouvido uma discussão acalorada entre um homem e alguém que obviamente não era sua esposa, e minha imaginação pegou essa briga e tomou liberdades. A história ganhou tantos detalhes e ficou tão nítida na minha mente que, confiante, contei a todos que conhecia meus planos de escrever e publicar um thriller.

Um dia depois de testemunhar a discussão, comprei um notebook e deixei as palavras fluírem. Entretanto, o que saiu no final não foi o diamante, a obra-prima esplendorosa que eu havia imaginado. O resultado foram pedaços horrendos de carvão, então apaguei tudo.

Um Rei Teimoso - VEGASPETEOnde histórias criam vida. Descubra agora