Infância - Capítulo - 24

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Dois dias depois:

Briana estava começando a ficar entediada por ter que ficar dentro de casa sem poder trabalhar. Desenhar era um hobby, mas fazer seus projetos em vidro em sua profissão e estava sentindo falta de estar dentro do estúdio.
As constantes visitas ao hospital para tratamento já estava começando a ser notícias nos noticiários e nas redes sociais.
( Eu preciso retornar para meu estúdio, tenho projetos para terminar.)( Eu sei, mas ainda não podemos viajar.)
Briana estava recolhendo os desenhos, que no momento era sua maior distração.
( Quero dez minutos.) Ele interrompe os pensamentos dela.( Ahn?)( Dez minutos.) Ele retirou os desenhos das mãos dela, colocou-os de lado, pegou-a pela mão e puxou-a para fora do ateliê.
Ela ergueu as sobrancelhas quando ele a puxou para a sala de estar.
( Fazer o que você quer em dez minutos não é exatamente motivo para se gabar, meu amor.)( Não estou falando de sexo.) Ele passou os braços em volta dela e continuou se movendo no que ela entendia que era uma dança lenta e fluida.( Quero dez minutos com você.) Ele repetiu, baixando a testa, colocando-a na dela.( Apenas isso, sem mais nada,nem ninguém.) Ela respirou fundo e sentiu o cheiro do perfume dele.( Isso sempre é gostoso.) Ela tocou os lábios nos dele e inclinou a cabeça.( O gosto também é bom.) Ele passou o dedo de leve na covinha do queixo dela e roçou os lábios de ambos .( Também gosto. E conheço um ponto especial em você.) Ele usou um dos dedos para virar a cabeça dela de leve e pousou os lábios ao longo do maxilar, pouco abaixo da orelha.( Bem aqui. Está perfeito.)( Ah,esse ponto?)( Há vários outros, mas esse é meu preferido.) Ela sorriu e descansou a cabeça no ombro dele,um dos locais prediletos dela, e se deixou guiar pela leveza através da dança.( Andrey.)( O que foi?)( Nada. É simplesmente gostoso dizer o seu nome.) Sua mão acariciou as costas dela para cima e para baixo.( Briana.) Disse ele.( Você tem razão, é gostoso mesmo. Eu amo você. Não há nada que pareça mais perfeito do que isso.)
( Ouvir isso também não é nada mal. E saber é melhor de tudo.) Ela levantou a cabeça e encontrou os lábios dele novamente.( Eu amo você.)
Eles ficaram ali unidos e terminaram a dança silenciosa como tinham começado: ele com a testa encostada à ela. ( Isso, agora sim.) Murmurou ele.( Bem melhor.) Ele recuou e levou as mãos dela aos lábios.
Ele tinha um jeito especial de, simplesmente fazendo isso, provocar uma onda de calor e agitação dentro dela.
Os lábios quentes em sua pele e aqueles olhos castanhos como mel selvagens que a observavam por sobre suas mãos unidas a fizeram desejar que houvesse cento e dez minutos para aproveitar, só daquele jeito.
( Isso é muito bom mesmo.) Ela fala com alegria.
( Agora que conseguimos relaxada, eu vou para a Storn. Te vejo mais tarde.)( Não demore,esses dez minutos ficou com gostinho de quero mais.) Ele riu .( Isso é muito bom.) Beijou-a na face.( Você pode enviar seus desenhos para fábrica e Sr. Garcia prepara tudo para você.)
(Vou pensar, mesmo porque meu trabalho é artesanal e não uma linha de produção.) Ele não fez comentários. Apenas sorriu e piscou o olho para ela, saindo em seguida.
Ao sair ele viu a filha sentada no jardim brincando com Linus.( Você está triste, minha princesa?)( Não, mas eu queria passear com Linus.)( Mamãe vai passear com você, está bem!) Ela sorriu e voltou a brincar com o cachorro.

Naquela tarde após retornar da reunião na galeria.
Andrey e Briana foram ao consultório do Dr Charles. As visitas ao hospital estavam sendo motivos para muitos comentários e, nenhum deles estavam interessados em ficar dando explicações. Por isso a terapia seria feita no consultório particular, em um local me menos movimentado.
Deixara a filha na galeria com Megan e a babá Lúcia para participar dos eventos lúdicos dedicados às crianças.
(Você acredita que as coisas vão começar a  melhorar agora? Briana, você consegue aceitar que a sua mente já está pronta para lidar com tudo?)( Acho que sim. As lembranças começaram a aparecer de forma mais clara e com mais frequência depois que...) Ela fechou os olhos por um breve minuto e continuou.( Que a mãe dele contou sobre nosso encontro, quando éramos crianças. Contou sobre a irmã dele. Mas o que acionou o gatilho para tudo começar a voltar foi quando a ex-namorada dele falou que poderia estar grávida. Andrey contou que teve uma noite com ela e isso me fez lembrar o motivo para eu entrar no carro naquele dia, há doze anos atrás.)
(Os flashes que você teve na sua casa na montanha e na casa aqui em Dublin, eram basicamente sobre a sua infância, não eram?)
( Esses últimos foram sobre minha infância. Mas meu relacionamento com Andrey há doze anos atrás é muito confuso. Eu estive no condado de Cork, no hospital e na faculdade.)( Sério! Como foi a visita?) Ela esboçou um sorriso.( Acho que os professores e o reitor ficaram chocados, surpresos e temerosos. Afinal, eu fui considerada morta. Tem um quadro com minha fotografia segurando uma placa de premiação, em minha homenagem. Foi difícil ver aquilo.)( Conseguiu descobrir mais sobre o relacionamento de vocês?)( Tinha fotografias, pessoas que conversavam com a gente. Eu não reconheci ninguém, mas escutei todos. Fiquei sabendo como eram meus dias na faculdade com Andrey.)( A intenção de conhecer um pouco sobre vocês dois, no final foi bastante reconfortante. Foi por isso que foi ao condado, não foi?)( Foi. Mas no hospital, eu tentei descobrir quem foi a pessoa que recebeu a recompensa e sabia que eu estava viva e, não foi me buscar. )( Alguém sabia que você estava viva e não contou?)
Andrey responde antes dela.( A mãe do marido dela, Sra Estela O'Brian,  confrontou Briana uma vez, ela falou que alguém recebeu a recompensa , mas que não quiseram resgata-la. Insinuou que eu sabia quem era essa pessoa.)
( Você sabia alguma coisa?)
( Eu coloquei os cartazes pela cidade,ofereci a recompensa. Só que quando a polícia encerrou as buscas e oficializou a morte dela com ausência de corpo, não só a mãe dela piorou no seu estado de saúde e morreu, como eu também não quis mais viver.
Eu fui embora e vim morar aqui em Dublin. Fiquei apenas dois meses na cidade e então saí do país e nunca mais voltei aqui.)
Dr. Charles percebia a dor na voz dele e percebeu a dor. ( Briana, você conseguiu descobrir alguma coisa?)( Não. Porque entrar no hospital não foi nada agradável.)
(Estela O'Brian chamou Briana pelo nome verdadeiro, antes do acidente. Briana Walsh. )( Pois é, doutor. Minha vida é uma grande confusão.)
Ela recostou no sofá.
( Nós vamos ajudar para que essa confusão seja desfeita.) ele fala mantendo o ambiente calmo e ameno.
( Tenho medo da minha infância.)
( Por quê?)( Porque aquele homem me maltratava e quando eu penso nele, fico apavorada. Eu não quero ficar pensando nele. A impressão que tenho é que ele vai abrir a porta e me pegar.)( Isso não vai acontecer. Você é uma mulher adulta, é mãe e, está casada com um homem cuidadoso e apaixonado. Você não é mais uma criança amedrontada. Por isso, não tenha medo.) Ele tocou na mão dela.( Por isso se você tiver algum flash, pesadelos, não sinta medo. Nós estamos aqui para proteger você. )
( O que eu devo fazer?) Briana segura na mão de Andrey.
( Vou induzir você ao sono e levá-la até aquele dia. Você precisa voltar para aquela casa e saber o que aconteceu com você e , principalmente, como você foi resgatada e salva.) Briana soltou a mão de Andrey e ficou em pé.( Eu não quero voltar.) Andrey ficou em pé e segurou na mão dela.( Eu juro que vou ficar ao seu lado, segurando sua mão. Quando sentir medo, olha para mim.)( Andrey será sua segurança para voltar quando quiser.) Dr Charles fala acalmando-a.
Briana estava relutante, não queria voltar para aquele dia, com três anos de idade.
Mas escutou a voz do Dr Charles e o som da chuva caindo e, de repente foi como entrasse em transe.
Apertou a mão dele e sentiu seu corpo relaxar.
"Estava sorrindo. Uma menina a viu no quintal e lhe deu um caderno. Ela era tão pequena e sorridente, apesar da dor que muitas vezes sentia, quando os pais ficavam diferentes quando cheirava o açúcar. Ela não entendia porque eles faziam aquilo, mas ficava quieta para eles não brigar com ela. Pegou o caderno e entrou na casa. Sentou no sofá com as pequenas pernas balançando e apoiou o caderno na perna para colorir o caderno que acabara de ganhar. Então sua mãe aproximou-se sorridente, ela era linda. - o que é isso na sua mão? - um livro de pintar. - quem deu esse livro para você pintar? - uma menina na rua.  Os olhos estavam diferentes e ela pegou o livro rasgando inteiro, pegou o lápis e jogou longe após quebrar. Então puxou-a pelos braços e a colocou de castigo. Deu-lhe beliscões e puxões de orelha. Ela não chorou, ficou em silêncio sentada no chão.  Depois desse dia, eles sempre achavam um motivo para bater nela. Quando não era a mãe, era o pai e,a mão dele era mais pesada.  Um dia estava com muita fome, eles estavam caídos no sofá, pareciam mortos. Eu abri a geladeira e tinha pizza fria e leite. Eu peguei e comi tudo, voltei para meu quarto e subi na cama para dormir. Ele ficou aborrecido quando acordou e não encontrou a pizza. Eu não podia comer sem que permitissem."
( Deus do céu!) Andrey murmurou. Dr. Charles fez sinal para ele permanecer em silêncio.
" Ele me puxou da cama e começou a me bater e batia sem parar. ". A voz dela ficou mais aguda e fez um esforço para fazê-la voltar ao normal. É apenas um relato do que aconteceu, nada mais. Ela aperto a mão de Andrey, mas Dr Charles não permitiu que ele a tirasse do transe." Ele me derrubou no chão e continuou me batendo. No meu corpo. Eu continuava chorando e berrando, implorando para ele parar. Então, minha mãe gritou -chega- e me pegou no colo, ela ficou falando para eu parar de ser uma menina má e não criar problemas. Tomei um banho,ela me vestiu ,me deu um remédio para dor e depois nos sentamos a mesa e, a serviu leite frio e um biscoito. Disse que era meu almoço.  Ainda era cedo, mas eu não chorei mais. No horário do almoço eu senti tanta fome e eles estavam a mesa comendo ensopado tão cheiroso. Eu pedi para minha mãe um pouco, ela falou que não e ficou chateada. Dessa vez, ela me puxou pela orelha e me jogou no chão com tanta força e eu senti meu braço doer.  A dor era tão forte."
Andrey soltou a mão dela e colocou -se em pé de um salto, andou pelo consultório até a janela e abriu. Precisava de ar.
" Não lembro se desmaiei,a dor era gigantesca. Eu fiquei quieta e aos pouca dor foi diminuindo. Minha mãe me colocou na cama e enfiou um remédio na minha boca. Eu dormi e quando acordei, tinha um pano servindo de tipóia no meu braço. Depois desse dia eles não fizeram nada, eu almoçava, jantava e tomava café da manhã. Melhorei meu braço e estava sorrindo novamente. As marcas tinham desaparecido. Alguém foi na casa, era minha mãe,minha tia. Ela era tão doce, cheirosa e carinhosa. Eu me agarrei a ela quase implorava para ela me levar. Mas mamãe me pegou nos braços e a visita acabou, assim como a trégua. Eu fiz desenho da minha tia e meu pai odiou, foi aí que ele furou minha mão. Uma vez, depois duas e sempre fazia isso. Eu implorava, papai por favor, por favor papai, está doendo. Mamãe estava caída no chão, havia alguma coisa na boca dela. Papai estava louco e me batia,me jogava na parede. Ele não parava e então eu...eu.. me Deus!" Ela ficou em pé,os olhos arregalados e vidrados." Eu peguei a faca e enfiei nele, ele caiu, eu continuei enfiando a faca " Briana abriu os olhos e olhou para Andrey.( O sangue estava por toda parte. O cheiro enchia o ar. Ele caiu em cima de mim e eu rastejei por baixo dele, não sabia se estava morto,mas eu estava com medo e pensei que ele iria acordar e me bater novamente e enfiei a faca nele, fiquei ajoelhada , com o sangue escorrendo pelos pulsos e espirrando dentro de mim. Depois fui para o canto e fiquei perto da mamãe. Queria me esconder, porque se ele levantasse, ele ia me matar. Acho que desmaiei, porque não consigo lembrar de mais nada, a não ser a noite quando levantei e vomitei, sentindo dor no corpo todo. Eu acho que desmaiei. Eu acordei no dia seguinte senti tontura a dor no braço, no corpo,na cabeça. Tudo doía. Eu senti tanto medo, fiquei sozinha na casa até minha tia chegar. E tudo mudou, ela me salvou. Eu matei meu pai. Eu sou uma assassina.) Ela abriu os olhos e levou as mãos a boca.
Andrey envolveu o rosto dela com as mãos.( Essa parte da sua vida está encerrada. Você sobreviveu a ela, conseguiu superar. Agora você lembrou, mas tudo já acabou. Você só tinha três anos, não é Dr Charles?)
( Você sobreviveu, Briana.)( Mas meu pai não.)( E como você se sente por causa disso?)( Não sei, eu não consigo sentir muita coisa. Fico pouco a vontade, por saber que tenho tanto ódio dentro de mim.)( Ele batia em você. Era o seu pai e você deveria estar a salvo em sua companhia. E não estava. Como acha que deveria se sentir a respeito disso?)( Foi algo que aconteceu anos atrás.)(Foi algo que aconteceu ontem.) Corrigiu ele.( Foi há uma hora.) Ela o encarou.( Sim.) Depois baixou os olhos para segurar as lágrimas. ( Foi errado você se defender?)( Não. Não foi errado me defender. Mas eu o matei. Eu continuei a esfaquear depois que ele já estava morto. Eu parecia um animal.)(Ele a tratava como um animal. Como alguém sem valor. Ele a transformou em um animal. Foi sim.) Dr Charles fala, diante do tremor de Briana.( Mas do que roubar sua infância, ele arrancou a sua humanidade. Existem termos técnicos para descrever uma personalidade capaz de fazer o que ele fez com você, mas, em linguagem simples.) Ele falou em tom neutro, olhando para Andrey e depois para Briana,( Ele era um mostro.)
Dr Charles observou o olhar que Briana lançou para Andrey , fitou o rosto dele por alguns segundos e depois desviou.( Briana, eles , tanto seu pai e sua mãe, roubaram sua liberdade, marcou você. Para eles, principalmente seu pai, você não era humana. Seu pai viu sua mãe morta, provavelmente de uma overdose e, ele a culpou. E por isso a espancou tanto, e se a situação não tivesse mudado, pode ser que você jamais conseguisse ser algo mais que um animal, supondo que tivesse sobrevivido. No entanto, apesar de tudo, você sobreviveu. Passou por vários problemas emocionais desde o incêndio no lar de acolhimento, onde conseguiu sobreviver. Depois sofreu um grave acidente automobilístico e mais uma vez, sobreviveu. Passou por uma sogra que a espancava minando sua esperança e sua autoestima, mas novamente você sobreviveu. Mas apesar de tudo, continuou repetindo, você se reconstruiu. O que você é hoje, Briana?)( Sou uma artesã.) Dr. Charles sorriu.( E o que mais ?)( Sou uma pessoa.)( Uma pessoa responsável?)( Sim.)( Capaz de sentir afeto, amor, amizade, lealdade, compaixão, humor e amor?) ( Sim, mas...) Briana olha para Andrey.( Aquela criança era capaz disso?)( Não, ela queria ser... Eu era amedrontada demais para sentir essas coisas. Havia momentos, quando minha mãe me dava banho, me vestia e penteava meus cabelos. Eu sentia paz. Depois, ela mudava e o medo me assombrava. Então... então apareceu... Leila, ela cuidou de mim. Tão meiga, gentil, amorosa e feliz. Ela me fez sentir coisas e ver essas coisas nas pessoas. Eu não falava com ninguém, exceto com ela. Ela era minha amiga.)( Quem é Leila? Para onde você foi, Briana?)( Para o lar de acolhimento. )( Você lembra do seu tempo na casa?)( Sim...) Ela olhou para Andrey .( Eu lembro do menino, Leila disse que era para eu ser gentil com o irmão dela. Você me disse baixinho " não fica com medo, eu vou cuidar de você também." Eu emprestei papel e lápis. Você fez um avião de papel. De repente vocês foram embora e nós ficamos ali, sentadas sem saber porque não fomos juntas.) Andrey fechou os olhos tentando lembrar desse momento.
( Eu não lembro. Não sei o que meus pais fizeram, mas essa lembrança sumiu da minha mente.) Dr Charles olhou para Andrey com preocupação.( O que você lembra da sua infância?)( Pouca coisa.) Andrey respira fundo e volta a se concentrar em Briana.
Dr Charles percebe que Andrey não iria responder, enquanto a situação de Briana não fosse esclarecida.
( Eu me transformei em uma pessoa decente, mas isso não modifica o fato de que eu o matei.) Dr Charles arqueou uma sobrancelha e disse:( Sim, você se defendeu e se protegeu de um homem que, se não fosse detido, teria espancado você até a morte. Você era uma criança com três anos de idade, frágil, sozinha naquela casa, indefesa e refém deles. Sua reação, ao pegar aquela faca foi de se proteger de uma fera fora de controle que estava te machucando. Você acha que uma investigação sobre a morte desse homem, causado por você aos três anos de idade, vai mudar o que aconteceu?)( Não sei, mas diante de tudo isso, eu acho que todos os meus planos pessoais fossem colocados em mode de espera, até que esse assunto seja totalmente resolvido.)
Sentindo a fúria de Andrey, Dr Charles lançou-lhe um olhar de advertência e viu o momento em que ele conseguiu vencer a batalha para manter o controle.
( Resolvido de que modo, Briana? Você acha que algo que aconteceu há trinta e um ano atrás vai ser resolvido agora?)( Aconteceu ontem.) Briana sentiu satisfação vazia em atirar de volta as palavras dele.( Foi há uma hora.)( Emocionalmente sim.) Dr Charles concordou.( Porém, em termos práticos e legais, já se passaram mais de duas décadas. Não vai haver um corpo, nem uma prova física para exame. Existem, é claro, os registros sobre as condições em que você foi salva. Você sofreu abusos físicos, má- nutrição, negligência e trauma. Bem, temos também suas lembranças. Você acha que a sua história vai se modificar no momento do interrogatório?) (Não. Eu não entendo nada sobre investigação criminal.)( Então, Briana. Não lhe servirá de nada punir a si mesma ou aquela criança inocente espancada. Há um homem aqui que precisa que você confie nele e que também tem problemas na sua infância.) ( Mas eu confio nele.) Ela cruzou os braços em volta do corpo e olhou para Andrey .( Meu medo é usá-lo, como eu fiz com nosso casamento. Eu tive medo da Estela quando ela me achou e acabei, praticamente obrigando ele a casar comigo e aceitar minha filha, como filha dele.)( E ele acha isso?)( Ele está apaixonado demais por mim e não vai ver tudo como eu vejo.)( Eu acho isso adorável e você já sabe o que é depender de alguém que você ama e confia, utilizando a energia um do outro. Briana, hoje foi muito bom. Você desvendou uma parte da sua infância. Eu sei que ainda há muito para ser resolvido, não é fácil. Mas agora, tenta ficar calma. Pensa que hoje você é uma mulher que cresceu, venceu as adversidades, é mãe, é uma grande artesã, tem amigos e tem um marido que a ama. Descansa um pouco, não fica mais insistindo em lembrar coisa do passado. Você tem uma grande força dentro de você.)
Dr Charles ficou em pé, um gesto para ela entender que aquela sessão havia terminado.( Eu aconselho você a tomar um calmante e descansar. Você teve muitas emoções e eu sei que não será fácil. Por isso, tenta ficar tranquila e se algo acontecer, me avisa imediatamente. Lembre-se, Briana. Você é uma mulher vencedora.) Ele sorriu.( Nós nos veremos novamente na próxima semana e, você, Andrey. Quando se sentir seguro, venha conversar comigo também.)
Andrey apertou a mão dele e depois saiu ao lado dela.
Segurou na mão dela, entrelaçando os dedos.
Apesar da lembrança e tudo que foi revelado, ela se sentia mais leve e mais segura.( Você se sentiria melhor, Briana, se eu distribuísse todo meu dinheiro, todas as minhas propriedades, me livrasse de todas as minhas galerias e começasse tudo do zero, com você e Emma?)
Briana olhou boquiaberta para ele, enquanto o elevador descia até o térreo.( Você faria isso, Andrey?)
( Não.) e se inclinou para beija-la de leve.  Em seguida soltou uma gargalhada que a deixou surpresa.( Estou me sentindo uma idiota!) Briana reclamou.
( Deve mesmo.) Ele fala e aperta mais os dedos mantendo-os entrelaçados.( Deixe-me ajudá-la a se livrar da dor.)( Você já está fazendo isso.) Com um suspiro, ela pousou a testa sobre o peito dele.( Só não me deixa, está bem!)( Sou um homem paciente e tolerante. Posso aceitar os seus lugares escuros, Briana, do mesmo jeito que você aceita os meus.) A porta do elevador abriu e eles caminharam em direção ao motorista, que os aguardava.( Agora, vamos pegar nossa filha, voltar para casa e, você vai descansar. E, se tiver pesadelos, não vai mais esconder de mim.)( Não, não vou.) ( Você é linda! Realmente linda.)( Você está cansado.)( Não, não estou.) Ele se inclinou e colocou a boca sobre a dela, em um beijo longo e apaixonado.( Nem um pouco.)
Briana sorriu ao perceber as pessoas a volta que olhavam para aquela demonstração de amor e o beijo apaixonado.
Ele sorriu e entrou no carro. Algumas pessoas filmaram o momento, mas eles não se importaram.
Eles chegaram na Storn para pegar a filha, mas algumas pessoas que estavam visitando a galeria.  reconheceu eles e começaram a se aproximar.
Ela realmente detestava aquele tipo de contato.
Outras pessoas foram atrás de Andrey e ele as atendeu com gentileza, saindo da aglomeração rapidamente.
Megan apareceu com os seguranças e os acompanhou até o escritório.
( O que foi isso tudo?)( Isso são vocês viralizando, depois de um certo beijo apaixonado na recepção de um certo consultório. Já tem até especulações sobre o motivo de tanta demonstração de afeto.) Megan sorriu.( Sério?) Andrey pergunta.
Briana não sorriu, sentou no sofá.( Aonde está minha filha, eu quero ir para casa.) Megan sabia que Briana não gostava de todo aquele assédio e de aglomeração.
Mas como a conhecia, percebe que não era apenas aquilo que a estava incomodando. Ela parecia nervosa e cansada. Na verdade, estava exausta.  ( Nós já vamos embora, está bem?)( Daqui a pouco eles esquecem.) Ela segura na mão de Briana.
( Você está bem?)( Sim, estou apenas agitada por causa dessas pessoas.) Ela sorriu com carinho para ela.( Sabe que pode contar comigo, não sabe?)( Eu sei.) Briana a abraça.
A porta abre e Emma entra sorridente.( Mamãe!)( Oi, meu amor!) ( Você está melhor, mamãe?)( Sim, estou melhor.)( O monstro foi embora?)( Sim, ele foi embora para sempre.) Ela sorriu e abraçou a menina.( Como foi o seu dia aqui na Storn?)( Foi maravilhoso. Eu assisti teatro, cantei, dancei com outras coleguinhas. Depois fizemos desenho com tinta e assistimos um filme da arte. )( Nossa! Sua manhã foi bastante agitada. Você almoçou?)( Sim, tem uma salada deliciosa no restaurante. Eu comi tudo!) Ela olhou para o pai.( Eu não corri , papai.)( Parabéns, estou orgulhoso.) Ele beija no rosto.( Papai, quando eu vou ter minha exposição?)( Primeiro vamos olhar seus desenhos com calma.)
Ele sorriu.( Megan, você está com tudo sob controle? Aquela aglomeração na entrada, já foi resolvido? Precisa de apoio?)( Tudo já foi organizado, não se preocupe. Estou conversando com Mike sobre a nova exposição, mas se você estiver com tempo, podemos sentar e conversar.)( Não, eu prefiro que vocês dois continuem resolvendo isso.) Ele segura na mão de Briana e Emma.( Vou para casa, Briana precisa de descanso. Qualquer problema, me avisa.) Eles saíram pela saída de emergência, para evitar novas aglomerações.

A noite:

Andrey estava deitado ao lado dela, com a luz da noite entrando pela fresta da cortina da grande janela do  quarto deles. Era uma experiência nova, ele se sentir nervoso, antes , durante e depois de fazer amor. Havia um monte de motivos para aquilo, ele pensava , enquanto ela se aconchegava junto dele, como de hábito.
Havia um motivo real para aquele estado de nervoso. A imagem dela surrada, sangrando, com o braço quebrado, que aparecia continuamente diante dele. 
Pensava na menina de três anos frágil, segurando uma faca para se defender, matando o próprio pai.
Não era a toa que ela reprimia as lembranças da sua infância.
O terror de que, ao toca-la,  ele pudesse trazer tudo aquilo de volta a cabeça dela. Pensou também na dor que ela sofreu nas mãos da sogra e, até com ele, quando a feriu por ter transado com Helen.
Ele sabia que tudo aquilo era uma idiotice.
Ao lado dele, ela se remexeu e levantou o corpo, colocando-se de lado para olhar para ele.
Seu rosto ainda estava afogueado, e os olhos sombrios.( Fico pensando o que eu poderia dizer para você, Andrey.)( A respeito de quê?) Ele perguntou, passando o dedo de leve ao longo da curva do rosto .( Eu não sou frágil. Não há razão para você me tratar como se eu estivesse ferida.) As sobrancelhas dele se uniram, mostrando aborrecimento consigo mesmo.
Ele não imaginava que fosse tão transparente, mesmo para ela.( Não sei do que está falando.) Ele fez menção de se levantar, mas ela o segurou com firmeza pelo braço. ( Fugir do assunto não é do seu feitio, Andrey.) Ela olhava nos olhos dele.( Se os seus sentimentos por mim mudaram por causa do que eu fiz, por causa das coisas que lembrei...)( Não me insulte pensando isso.) Ele rebateu, e a raiva que sentiu em seus olhos causou uma enorme sensação de alívio nela.
( O que deveria pensar? Você está diferente desde essa tarde. Desde então, você me tratou com cuidado do que...) ( Você tem alguma coisa contra a delicadeza?)  Ela percebeu a esperteza dele. Calmo e agitado, sempre sabia como virar as coisas a favor dele.
Briana continuou segurando o braço dele e olhando nos olhos dele.
( Você acha que eu não sinto que você está se segurando? Não quero que você mude seu jeito de me tocar quando estamos juntos. Eu estou bem.) ( Pois eu não estou.) Ele soltou o braço da mão dela.( Não estou tranquilo e não é pelo motivo e sim pelo o que você sofreu. Algumas pessoas, Briana, são um pouco humanas, precisam de um pouco mais de tempo. Deixa isso pra lá.) Ela ficou em silêncio e concordou com a cabeça. Voltou a deitar e se virou para outro lado, murmurando.( Tudo bem. Só que o que aconteceu comigo quando criança foi agressivo, ofensivo e não teve amor. ) Ela fechou os olhos com força e tentou pegar no sono.
Andrey não queria contar para ela que sombras do seu passado, quando era criança também começaram a invadir seus pensamentos.
Precisava conversar novamente com os pais e com o avô, para saber o motivo para eles terem apagado a lembrança daquele dia com Briana e Leila.
Recostou novamente no travesseiro, virado de costas para ela e fechou os olhos tentando pegar no sono.

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