As Correntes Invisíveis

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Os dias que se seguiram ao treino intenso trouxeram consigo uma série de desafios ainda maiores, tanto no ginásio quanto fora dele. O Mundial estava cada vez mais próximo, e a pressão sobre todos era palpável. Flávia continuava a dividir seu tempo entre os treinos, suas responsabilidades e os sentimentos conflitantes que não paravam de crescer dentro dela.

Naquela manhã, o ginásio estava mais silencioso do que o habitual. Flávia chegou mais cedo, buscando um pouco de paz antes do início oficial dos treinos. Assim que começou a aquecer, seus pensamentos rapidamente voltaram para as conversas que havia tido recentemente com Júlia e Pedro.

Ela sabia que não podia continuar ignorando as correntes invisíveis que a prendiam entre os dois. A amizade com Júlia era algo que ela valorizava acima de tudo, mas os sentimentos por Pedro eram novos e, de certa forma, emocionantes. O conflito interno estava começando a afetar sua concentração, e isso a preocupava.

Enquanto Flávia se alongava na barra, ouvindo o som suave de sua respiração, Júlia entrou no ginásio. A presença dela era inevitavelmente notada, mesmo que Flávia estivesse tentando se concentrar. Ela olhou para Júlia e percebeu o cansaço nos olhos da amiga, um reflexo do que ambas estavam sentindo.

Júlia se aproximou lentamente, como se estivesse reunindo coragem para falar.

— Precisamos conversar, Flávia — disse Júlia, sua voz calma, mas firme.

Flávia parou seu aquecimento e assentiu. Sabia que não havia mais como adiar aquela conversa.

As duas se sentaram no chão, de frente uma para a outra, como tantas vezes já haviam feito, mas desta vez o peso das palavras não ditas era quase palpável.

— Eu sei que estamos passando por um momento complicado, mas eu preciso entender o que está acontecendo entre nós — começou Júlia, sua voz carregada de emoção. — Eu não quero perder nossa amizade, mas sinto que estamos nos afastando cada vez mais.

Flávia respirou fundo, tentando encontrar as palavras certas.

— Júlia, eu também sinto o mesmo. Esses últimos dias têm sido muito difíceis para mim. Não sei exatamente como explicar, mas eu também estou confusa com tudo o que está acontecendo.

Júlia olhou para Flávia, buscando alguma clareza nos olhos da amiga.

— Eu vi você e o Pedro juntos ontem. Não é difícil perceber que algo está acontecendo entre vocês. E isso me faz pensar se ainda há espaço para mim, para a gente, nesse turbilhão todo.

Flávia sentiu um aperto no coração. Sabia que Júlia tinha razão. Ela estava dividida, e essa divisão estava começando a afetar não só sua amizade, mas também a dinâmica da equipe.

— Júlia, eu sinto muito por tudo isso. Eu não queria que as coisas ficassem assim, tão complicadas. Pedro é… uma pessoa especial para mim, mas isso não significa que nossa amizade seja menos importante.

Júlia assentiu, mas havia uma tristeza em seus olhos que Flávia não podia ignorar.

— Talvez o problema seja exatamente esse, Flávia. Eu não sei como lidar com tudo isso. Gosto de você de uma maneira que vai além da amizade, e ver você com Pedro… só me deixa mais confusa.

Flávia sentiu o chão se abrir sob seus pés. As palavras de Júlia eram uma confissão que ela havia esperado, mas que, ao mesmo tempo, temia ouvir.

— Eu também gosto muito de você, Júlia. E isso é parte do problema — disse Flávia, tentando ser honesta. — Estou confusa com meus sentimentos por você e por Pedro. Tudo está acontecendo tão rápido, e eu não sei como lidar com isso.

O silêncio que se seguiu foi pesado, mas não hostil. As duas estavam tentando processar o que haviam acabado de dizer, sabendo que não havia respostas fáceis.

— Talvez a gente precise de tempo, Flávia — disse Júlia, finalmente. — Tempo para entender o que realmente queremos, sem a pressão do Mundial e de tudo que está acontecendo ao nosso redor.

Flávia concordou, sentindo uma mistura de alívio e tristeza.

— Você tem razão, Júlia. Precisamos nos dar esse tempo. Nossa amizade é importante demais para ser arruinada por causa dessa confusão.

As duas se levantaram, ainda sem saber exatamente o que o futuro reservava, mas cientes de que precisavam encontrar uma maneira de conciliar seus sentimentos com suas ambições.

Quando o resto da equipe chegou, o clima entre elas era diferente, mas não hostil. Havia um entendimento tácito de que as coisas estavam longe de serem resolvidas, mas pelo menos estavam começando a ser enfrentadas.

Pedro percebeu a mudança no ar, mas não comentou nada. Ele sabia que algo estava acontecendo entre Flávia e Júlia, mas preferiu manter a distância por enquanto, dando espaço para que elas resolvessem seus conflitos.

O treino foi intenso, mas focado. Chico exigiu o máximo da equipe, forçando as ginastas a se superarem a cada movimento. Ele notou que a sincronia entre Flávia e Júlia estava melhorando, mas sabia que ainda havia um longo caminho pela frente.

Mais tarde, enquanto todos se preparavam para sair, Chico chamou Flávia e Júlia de lado.

— Sei que vocês estão lidando com muita coisa agora, mas quero que saibam que confio em vocês para resolver isso sem deixar que afete a equipe — disse ele, seu tom calmo, mas firme. — O Mundial é nossa prioridade, e precisamos estar todos no nosso melhor.

Flávia e Júlia assentiram, sentindo o peso da responsabilidade.

— Entendemos, Chico. Vamos fazer o nosso melhor para deixar isso fora do ginásio — disse Júlia, com determinação.

— É isso que eu queria ouvir — respondeu Chico, com um sorriso leve. — Agora vão descansar. Amanhã temos mais um dia puxado pela frente.

As duas saíram do ginásio juntas, mas em silêncio. Havia ainda muito a ser dito, mas pelo menos o primeiro passo havia sido dado.

Enquanto caminhava para casa, Flávia pensava no que o futuro reservava para ela, para Júlia e para Pedro. Sabia que as decisões que tomaria nas próximas semanas seriam cruciais, não só para sua carreira, mas também para sua vida pessoal.

Mas, por ora, tudo o que ela podia fazer era dar um passo de cada vez, enfrentando cada desafio à medida que surgisse.

O Mundial estava chegando, e ela precisava estar pronta — tanto física quanto emocionalmente — para o que quer que viesse a seguir.

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