୨୧ Escura é a noite :: 13

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Las Vegas, com sua eterna promessa de esquecimento e seus becos escuros onde a decadência se misturava com o brilho das luzes neon, parecia mais pesada do que nunca para Rosé. O que antes era uma cidade de oportunidades e um refúgio para seus problemas havia se transformado em uma prisão silenciosa, onde suas tentativas de escapar resultavam em frustrações cada vez maiores. Aquela noite, ela caminhava apressada pelas calçadas sujas da cidade, o olhar perdido e os dedos tremendo de ansiedade. O vício a consumia de uma forma que ela jamais poderia ter previsto. Era uma fome insaciável, um buraco negro que sugava qualquer resquício de racionalidade.

Depois de dias sem conseguir se conectar com seu fornecedor habitual, ela finalmente conseguiu falar com um amigo angolano que conheceu nas noitadas, o único que fornecia a ela o alívio imediato que ela tanto desejava. Ele havia dado a localização de um bar afastado, onde eles poderiam se encontrar discretamente, mas as horas se arrastavam, e Rosé vagava pela região sem encontrar o homem. Frustrada, sentiu o peso do desespero aumentando, suas mãos enfiadas nos bolsos do casaco enquanto a noite fria de Las Vegas fazia sua pele arrepiar.

Ela parou em uma esquina, esfregando o rosto com as mãos enquanto tentava afastar a sensação de fracasso. Cada passo parecia um lembrete doloroso de onde ela estava e do que havia se tornado. Foi quando ouviu uma voz familiar.

— Hey! — A voz ecoou no meio do barulho da rua, mas Rosé não prestou atenção. Continuou andando, com o olhar perdido, como se a cidade estivesse a engolindo.

Rosé! Это я, Лалиса — Rosé parou de repente, as palavras em russo perfurando o caos de sua mente como uma faca afiada. Virou-se lentamente, os olhos se arregalando ao ver Lalisa caminhando em sua direção, com o mesmo andar desleixado e o sorriso que sempre parecia carregar um toque de ironia.

Lalisa.. — Rosé sussurrou, surpresa e incrédula. Ali estava sua velha amiga, a mesma garota que havia deixado um rastro de caos em sua vida e, ao mesmo tempo, era a única que conseguia fazer tudo parecer menos sufocante. O cabelo loiro de Lalisa caía de forma desordenada sobre os ombros, os olhos escuros analisando Rosé como se tentasse decifrar o que havia mudado desde que se separaram.

As duas se encararam por um momento, como se estivessem tentando se reconhecer no meio do passado conturbado e do presente distorcido. Lalisa foi a primeira a quebrar o silêncio, com um sorriso divertido que contrastava com a tensão no ar.

Você sumiu, hein — disse Lalisa, empurrando Rosé de leve com o ombro. Rosé deu um meio sorriso, mais para esconder a dor do que por qualquer outra coisa.

E você não mudou nada! — Rosé respondeu, a voz falhando levemente. As duas se abraçaram, um abraço meio torto, mas cheio de significados não ditos. A amizade delas, apesar de todas as cicatrizes, continuava viva.

Lalisa puxou Rosé para um bar próximo, um lugar onde a luz era baixa e a música alta o suficiente para encobrir qualquer conversa mais íntima. Sentaram-se em um canto escondido, pediram bebidas fortes, e a noite logo se transformou em uma mistura de risos, desabafos e longas tragadas de cigarro. Era como se os meses de separação não tivessem acontecido, como se o tempo tivesse apenas pausado, esperando aquele momento de reencontro.

Você tá mal, hein — Lalisa comentou, observando Rosé jogar para trás um copo de vodka como se fosse água.

Nada que você já não conheça — Rosé respondeu, tentando manter a voz firme, mas havia algo de quebrado em sua expressão. Olhou para Lalisa, buscando algum tipo de conforto, e foi então que as palavras saíram sem pensar — Fiz um curso de russo, sabia? Por sua causa! — confessou, mordendo o lábio, envergonhada pela própria vulnerabilidade.

Você fez o quê? — Lalisa riu, um riso genuíno que fazia tempo que Rosé não ouvia. Era como voltar para casa, mas uma casa feita de ruínas e velhas promessas. Lalisa acendeu um cigarro e passou para Rosé, que aceitou sem hesitar. — Então, você tá pronta para falar palavrão em russo também? — Lalisa brincou, soprando a fumaça para o teto.

Elas continuaram a noite assim, navegando por histórias antigas e novas confissões, como se precisassem jogar fora o peso dos meses em que ficaram afastadas. A garrafa de vodka foi esvaziando aos poucos, assim como as barreiras que ainda restavam entre elas. Lalisa se inclinou para trás, encarando o teto com um sorriso melancólico.

Terminei com a Jennie — disse de repente, quebrando o fluxo da conversa com a intensidade de uma bomba. Rosé ficou em silêncio por um instante, absorvendo a notícia. Sempre achou que a relação das duas era intensa demais para durar, mas ainda assim, ouvir aquilo diretamente de Lalisa foi um choque.

O que aconteceu? — Rosé perguntou, curiosa, mas também temendo a resposta. Lalisa deu de ombros, um gesto tão característico dela.

Ah, sei lá... Ela era perfeita, sabe? Inteligente, linda, tudo que você podia querer. Mas eu... Eu sou uma bagunça — Lalisa deu uma risada amarga — Acho que eu tava tentando achar algo que nem sabia que procurava.

Rosé sentiu um aperto no peito. Ela conhecia bem aquela sensação de se perder enquanto tentava se encontrar nos outros. As duas estavam no mesmo barco, mas remando em direções opostas.

Meu pai ainda tá na mesma — Lalisa continuou, virando mais um shot de vodka — Bebendo até cair, gritando em russo como se fosse resolver alguma coisa. Às vezes eu acho que nunca vou conseguir sair disso, sabe? Que tô presa nesse ciclo de merda.

As palavras de Lalisa eram cruéis, mas reais. E Rosé entendia melhor do que gostaria. Ela estendeu a mão, tocando a de Lalisa em um gesto silencioso de apoio. As duas estavam destruídas de formas diferentes, mas havia algo de reconfortante em compartilhar aquela dor, em saber que, mesmo nos momentos mais sombrios, elas não estavam sozinhas.

A madrugada se estendeu, e a bebida correu solta. Rosé e Lalisa encontraram consolo uma na outra, não apenas nos momentos bons, mas principalmente nos ruins, onde os segredos mais profundos e as verdades mais dolorosas vinham à tona. As risadas se misturavam com os murmúrios confusos, e as lembranças do passado pareciam mais nítidas a cada gole.

E ali, no canto escuro de um bar em Las Vegas, duas almas perdidas se reencontravam, reafirmando um laço que, apesar de todas as desventuras, se mantinha firme. Elas não sabiam o que o futuro reservava, mas naquele momento, isso pouco importava. Tudo o que importava era que, por algumas horas, a solidão havia sido substituída por algo que, se não era felicidade, ao menos se aproximava dela.

ᘡ    ۫    𖨂    𓈒   Querido Texas  ۟    ៹    𓂂Onde histórias criam vida. Descubra agora