O silêncio entre Rosé e Lalisa era confortável, do tipo que só existia entre duas pessoas que se entendiam sem precisar falar. As duas estavam sentadas no chão do quarto de Rosé, cercadas por livros, papéis amassados e garrafas vazias de energéticos. A tarde tinha virado noite sem que percebessem, e a única luz que iluminava o quarto era de uma lâmpada amarelada pendurada no teto, que oscilava suavemente, projetando sombras nas paredes.
Lalisa estava deitada de lado, folheando um livro qualquer que havia pegado da estante de Rosé, enquanto Rosé, sentada com as pernas cruzadas, olhava para o teto, perdida em pensamentos. As conversas delas eram sempre assim, uma mistura de momentos silenciosos e intensos desabafos, onde cada palavra parecia carregar o peso do mundo.
- Você já pensou que a gente só existe porque as coisas deram errado? - Lalisa quebrou o silêncio, fechando o livro e encarando Rosé com um olhar que parecia penetrar sua alma. - Tipo, eu só tô aqui porque meu pai é um lixo e a sua mãe... - ela parou, hesitando por um segundo. - Você sabe.
Rosé suspirou, sentindo o nó apertar em sua garganta. Ela nunca falava muito sobre o acidente, sobre a perda que ainda a consumia. Mas com Lalisa era diferente. Com ela, Rosé se sentia estranhamente segura, como se as dores delas se encaixassem de um jeito perturbadoramente confortável.
- Às vezes eu sinto que tô vivendo no passado - Rosé começou, a voz baixa, mas carregada de emoção. - Como se tudo que eu faço, tudo que eu penso, fosse só uma tentativa de voltar para aquele dia... Para antes de tudo desmoronar.
Lalisa a escutava atentamente, os olhos escuros fixos nos dela, como se estivesse tentando decifrar cada pedaço do que Rosé estava dizendo.
- É estranho, né? - Lalisa comentou, o olhar perdido. - A gente fica preso nas coisas que a gente não pode mudar. Eu queria que minha mãe tivesse me levado quando ela foi embora, sabe? Mas ela preferiu me deixar com aquele desgraçado.
Rosé sentiu um aperto no peito. Conhecia a dor de Lalisa mais do que qualquer outra pessoa; talvez fosse isso que as mantinha tão próximas. Elas compartilhavam uma mágoa profunda, um vazio que parecia impossível de preencher. E, naquele momento, Rosé sentiu uma vontade incontrolável de contar para Lalisa sobre o quadro, aquele segredo que ela guardava com tanto medo e culpa.
- Eu nunca contei isso pra ninguém - Rosé começou, hesitante. - Mas tem uma coisa... algo que eu carrego desde aquele dia no museu.
Lalisa levantou as sobrancelhas, intrigada. Ela se sentou, agora com toda a atenção voltada para Rosé, como se soubesse que o que estava prestes a ouvir era importante.
- No dia do acidente... quando tudo aconteceu - Rosé continuou, sentindo o coração acelerar - Eu peguei uma coisa do museu. Um quadro. Eu não sei porque fiz isso, mas... eu escondi e guardei desde então.
Lalisa a encarou por um momento, processando o que Rosé havia dito. A reação dela não foi de surpresa ou choque, como Rosé esperava. Em vez disso, Lalisa soltou uma risada curta e balançou a cabeça.
- Você pegou um quadro? - Lalisa riu de novo, mas o riso não era de deboche, e sim de uma espécie de incredulidade divertida. - Puta merda, Rosé, você é mais louca do que eu pensei.
Rosé sentiu suas bochechas ficarem vermelhas. Não sabia o que esperava de Lalisa, mas certamente não era essa reação.
- Não é engraçado - Rosé murmurou, tentando manter a seriedade. - É um quadro importante, vale muito... E se descobrirem, eu tô fudida.
Lalisa parou de rir, inclinando-se para mais perto de Rosé. Havia algo em seu olhar, uma mistura de curiosidade e um toque de admiração.
- Você guardou isso por todo esse tempo? - ela perguntou, tocando o braço de Rosé levemente. - Porque, Rosé? Por que você não contou pra ninguém?
Rosé engoliu seco, as palavras entaladas na garganta.
- Porque... Eu não sei. Talvez seja porque é a única coisa que me liga à minha mãe, ao passado. É como se fosse um pedaço dela que eu ainda tenho. Ou talvez eu só tenha medo de deixar isso ir embora, de perder mais alguma coisa.
Lalisa suspirou e ficou em silêncio por um momento. Depois, ela se levantou, foi até a janela e acendeu um cigarro, soprando a fumaça lentamente. Ela parecia pensar antes de falar, o que era raro para Lalisa.
- Sabe... isso é foda, Roseanne - Lalisa disse, a voz calma, mas cheia de uma compreensão que Rosé não esperava. - Às vezes a gente segura as coisas porque é tudo o que a gente tem. A gente guarda as merdas pra tentar dar sentido a algo que não faz sentido nenhum.
Rosé observou Lalisa, sentindo uma gratidão silenciosa por aquela compreensão mútua. Ela nunca precisou se explicar demais para Lalisa, e talvez fosse isso que a fazia se sentir tão próxima dela. Era como se Lalisa entendesse exatamente como era carregar algo que ninguém mais conseguia ver.
- Não me importo se você roubou o quadro, Rosé - Lalisa continuou, apagando o cigarro no parapeito da janela. - Todo mundo tem um segredo, uma merda pra esconder. Isso não muda nada pra mim.
Rosé sentiu um peso sair dos ombros. Pela primeira vez, alguém sabia do seu segredo, e não a julgava por isso. Lalisa era a pessoa mais quebrada que Rosé já conhecera, mas também era a que mais a compreendia.
- Obrigada, Lisa - Rosé murmurou, tentando segurar as lágrimas.
Lalisa apenas sorriu, se sentando novamente ao lado de Rosé e jogando o braço sobre seus ombros.
- Vamos, então. Me mostra essa obra-prima que você anda escondendo - Lalisa brincou, o sorriso travesso, enquanto deslizava seu braço até o peitoral de Rosé.
Rosé hesitou, mas, pela primeira vez, sentiu que poderia confiar em alguém o suficiente para compartilhar esse pedaço de sua vida. Levantou-se e foi até o fundo do guarda-roupa, tirando o quadro de onde estava escondido. Lalisa olhou para ele, fascinada, e Rosé percebeu que, naquele momento, algo havia mudado entre elas.
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ᘡ ۫ 𖨂 𓈒 Querido Texas ۟ ៹ 𓂂
أدب الهواةEm meio ao caos e aos traumas de uma adolescência marcada pela perda e pelo vício, Rosé e Lalisa se encontram e se tornam inseparáveis, duas almas perdidas buscando redenção uma na outra. Desde a adolescência conturbada no Texas até os dias frios em...