Haziel Milani
Estava sendo difícil me concentrar em um problema por vez. Eles eram uma avalanche que parecia dobrar de tamanho cada segundo mais.
A comunidade estava em caos. Os problemas do Niflheim já tinham chegado ao ouvido de todos àquela altura, e muitos sabiam o que isso significava. Grande parte do dinheiro que fazia tudo funcionar estaria chegando ao fim de uma vez por todas.
Dinheiro era poder, e sua falta indicava fraqueza.
Eu estava no polo em parte destruído pelo incêndio de minha zona enquanto me submergia em meu próprio caos. A verdade era que eu não tinha ideia do que aconteceria dali pra frente. A queda do Niflheim não era prejudicial apenas para Grego, embora seus negócios tenham sido os mais afetados diante da exposição de sua má reputação e corrupção a tanta gente importante que, por trás das cortinas, eram quem mais faziam o jogo sujo funcionar. No fim, todos os líderes tinham sido afetados, pois por muito tempo fizemos da organização nosso escudo.
Pessoas de fora da organização saberiam que teriam uma chance de ocupar nossos lugares agora que tudo estava desabando.
Era duro admitir para mim mesmo que eu não tinha ideia do que iria ocorrer e algo tão grandioso estava chegando ao fim. E, sinceramente... me preocupava a possibilidade da criação de outro esquema tão odioso para continuar me mantendo no topo.
O Niflheim era perigoso, abominável e inconsequente, eu podia reconhecer isso, apesar do que Gringo achava. Há mais de quatro anos, não sabia que o esquema se tornaria tão grandioso e tomaria proporções tão assustadoras ao firmar o acordo. Só que agora ele era tudo que eu tinha.
Eu odiei me forçar a constatar que nos últimos anos tudo que eu tivera fora caos e brutalidade, meu legado girava em torno disso. Talvez eu tivesse mesmo passado a me apegar a isso porque, por muito tempo, fora tudo que eu conheci. Era tudo que eu ainda conhecia. Eu começara usando a corrupção contra ela mesma, mas, em algum momento no meio do caminho, me perdera nos limites e me tornara não só parte do problema maior, mas um dos condutores dele.
Era difícil identificar o bem e o mal naquele mundo, sequer sabia se um existia sem o outro. A verdadeira questão era: quanta devassidão alguém poderia causar em prol do bem sem que se tornasse o próprio mal que um dia também teria de ser exterminado?
Eu não era como Grego, embora tivesse enfrentado uma dúvida cruel quanto a isso há dois dias, quando Gringo disssera para mim o que a maior parte das pessoas não teria coragem, porém foi inevitável pensar que seria mais fácil ser. O peso da consciência de seus atos era o maior que alguém poderia suportar.
Batidas soaram na porta de minha sala, tirando-me de meus devaneios excruciantes, e eu dei permissão para que ela fosse aberta. Era um dos meus homens dizendo que havia um morador da rua de trás querendo falar comigo e eu disse para deixarem ele entrar.
Quem apareceu ali era seu Severino com sua filha. Ele pediu para a menininha esperar do lado de fora e fechou a porta atrás de si. Entrou pedindo desculpas por me incomodar quando eu já estava com tantos problemas, mas eu o ignorei e falei para que se sentasse. Perguntei sobre sua esposa e ele disse que ia bem, e então perguntei se tinha algum problema o incomodando.
— Alguns, né, senhor...
— Haziel — corrigi, embora fosse desnecessário. Eu o conhecia há anos, mesmo antes de eu assumir o poder na comunidade. Ele fazia todo tipo de bico na redondeza, desde encanamento a motorista, ganhava a vida como podia.
Ele soltou um riso sem graça, os dentes amarelados contrastando com os cabelos grisalhos.
— Bem, estou com uns problemas ali e outros dali, o de sempre. Vamos levando, né? — disse, e apesar das palavras, ele tinha um bom humor. — Estou tentando lidar com um por vez.
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Criaturas Brutais
RomanceVivienne Barbieri está enfrentando o Inferno. Jordan Barbieri, importante político de Belo Horizonte que a adotara aos dezesseis anos, falecera em uma operação que buscava encerrar atividades ilegais de rixas de comunidades. Com dívidas para cuidar...