IX

101 21 5
                                    

Maiara

Até onde você iria por alguém que ama?

Até algumas horas atrás, eu não tinha essa resposta concreta. Pelo menos, não de uma maneira perceptível. Mas eu sabia que, por Maraisa, eu faria qualquer coisa. Eu seria quem ela precisasse que eu fosse. Uma amiga... sua metade... sua protetora.

Mas quem ela gostaria que eu fosse agora?

O que ela esperava de mim?

Ela queria que eu estivesse lá quando tudo aconteceu?

Ela queria que eu tivesse pedido socorro antes?

Ela gostaria que eu soubesse o que eu sei?

Ela me odiaria por não ter percebido o que estava acontecendo?

Essas perguntas me atormentavam. As vozes ao meu redor soavam distantes, como se eu estivesse presa numa bolha que me isolava de tudo e de todos. Dentro dessa bolha, só existiam meus pensamentos e a culpa crescente.

— Mai... — A voz suave de Marília rompeu o silêncio, tentando me trazer de volta à realidade. Ela sempre tinha essa paciência comigo, especialmente nos momentos em que eu era o seu tumulto.

Mas, dessa vez, era diferente. Eu sabia que ela estava tentando me chamar de volta para algo muito mais pesado. Algo que eu não queria enfrentar.

Eu podia ouvir minha mãe chorando baixinho, seus soluços trêmulos rasgando o silêncio da sala de espera. O som de seus sapatos contra o piso indicava que ela andava de um lado para o outro, lutando contra a angústia. Marcos César, nosso pai, estava sentado de cabeça baixa, a perna balançando de maneira ansiosa, o barulho de seu pé batendo no chão marcava o tempo que parecia não passar.

— Uhm...? — murmurei, tentando demonstrar que estava ouvindo, mesmo que minha mente estivesse longe.

— Eu... — A voz de Marília hesitou, e eu a olhei, tentando focar no presente, mas o peso das palavras que ela ainda não tinha dito já parecia sufocar o ar ao meu redor.

Eu sabia o que estava vindo. Sabia o que ela diria. Mas não estava pronta para ouvir. Como poderia estar?

O silêncio pairou pesado entre nós, denso como uma névoa que me engolia.

— A Maraisa... — Marília começou, mas suas palavras sumiram, como se ela mesma não soubesse como continuar. Seus olhos, que sempre foram um porto seguro para mim, agora estavam vazios, como se ela estivesse perdida em um abismo de dor que eu também estava prestes a cair.

Eu não queria ouvir. Não queria saber. A realidade estava lá, à espreita, e eu sabia que não tinha como escapar. Mas, por mais que eu soubesse o que viria a seguir, nada me preparou para o impacto quando ela finalmente falou.

— Ela... tentou...

Ela não precisou terminar a frase. Eu sabia. O mundo ao meu redor escureceu e um grito mudo formou-se na minha garganta. Eu queria gritar, correr, fazer qualquer coisa para afastar aquela dor que agora me rasgava por dentro. Mas eu não consegui. Só fiquei ali, imóvel.

Eu a achei...mas Marília tinha que me confirmar o que eu já sabia...ela tinha tentado...minha metade não quero mais viver.

A imagem de Maraisa, minha irmã gêmea, minha metade, a pessoa com quem compartilhei cada momento da minha vida, era impossível de conciliar com essa nova realidade. Como? Como ela chegou a esse ponto? Onde eu estava quando ela precisou de mim?

Eu sentia meu corpo ficar mais pesado a cada segundo, como se o peso da culpa fosse me afundar no chão. Como eu não vi isso? Eu sempre soube que Maraisa carregava um fardo maior do que qualquer pessoa deveria carregar. A pressão, a fama, a expectativa de ser perfeita... Tudo isso sempre esteve lá, corroendo-a por dentro. Mas eu, eu deveria ter percebido. Eu deveria ter feito algo.

Eu estava com ela o tempo todo, mas, ao mesmo tempo, eu não estava. E essa distância... essa falha... era algo que eu nunca conseguiria perdoar.

— Por que ela não me disse nada? — perguntei, sem realmente esperar uma resposta. As lágrimas começaram a descer pelo meu rosto, quentes e pesadas, como se cada uma delas carregasse um pedaço da minha alma.

— Ela não queria que ninguém soubesse... — Marília respondeu, sua voz baixa e quase sem força. Ela também estava sofrendo, eu podia ver isso. Mas a dor dela era diferente da minha. Ela não tinha a mesma conexão que eu tinha com Maraisa.

Nós éramos gêmeas. Havia um laço entre nós que ninguém, nem mesmo Marília, podia entender. Um laço que agora estava quebrado de uma forma que talvez nunca mais fosse reparado.

— E agora? — perguntei, minha voz saindo em um sussurro. — O que eles disseram?

— Estão tentando estabilizar ela... — Marília respondeu, hesitando. — Ainda não sabemos mais nada.

E agora, tudo o que eu podia fazer era esperar. Cada segundo parecia uma eternidade, e o medo de perder Maraisa de vez me consumia. Meu coração parecia estar se partindo, e nada — nada — parecia capaz de aliviar essa dor.

Eu nunca, nunca iria me perdoar por isso.

𝓡𝓮𝓵𝓪𝓬̧𝓸̃𝓮𝓼   𝓠𝓾𝓮𝓫𝓻𝓪𝓭𝓪𝓼Onde histórias criam vida. Descubra agora