XXII

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Maiara

Maraisa acordou com um suspiro fraco, seus olhos piscando pesadamente enquanto tentava ajustar-se à luz do quarto. Eu estava ao lado dela, assim como Marília. Ela olhou para nós com uma mistura de confusão e cansaço, e, por um momento, pensei que fosse voltar a dormir. Mas então seus olhos se abriram completamente, revelando um olhar perdido que apertou meu coração.

— Ei, irmãzinha... — Minha voz saiu suave, tentando não assustá-la. — Como você se sente?

Ela não respondeu de imediato. Em vez disso, olhou para o teto, como se estivesse tentando se lembrar de onde estava e por quê. Era doloroso ver a vulnerabilidade em seus olhos, uma mistura de cansaço e tristeza que parecia impossível de dissipar.

Marília, que estava do outro lado da cama, se inclinou um pouco mais, estendendo a mão delicadamente em direção a Maraisa, mas sem pressioná-la.

— Maraisa, você precisa comer um pouco — disse ela, num tom tão calmo e gentil que quase me surpreendeu. — Você vai se sentir melhor com algo no estômago.

Maraisa piscou, parecendo lutar contra a névoa que ainda a envolvia. Ela murmurou algo inaudível e virou o rosto para o lado, como se quisesse se esconder de nós, ou talvez do mundo. O coração apertou no meu peito. Ela estava tão abatida, tão diferente da garota que sempre foi cheia de energia.

— Maraisa, por favor... — Eu insisti, sentindo meu desespero crescendo. — Você precisa tentar. Só um pouquinho, por mim.

Ela não se moveu, mas eu percebi uma leve tensão em seus ombros, como se estivesse resistindo, mas ao mesmo tempo, querendo ceder.

Marília levantou o pequeno prato que havia trazido da cafeteria do hospital, uma tigela com uma sopa simples e algumas fatias de pão. Eu sabia que não era o tipo de comida que ela comeria em condições normais, mas, naquele momento, qualquer coisa era melhor do que nada.

— A gente vai te ajudar, tá? — disse Marília, com uma paciência que parecia infinita. Ela sentou-se mais perto da cama, mas mantinha uma distância respeitosa, esperando que Maraisa desse algum sinal de que permitiria a aproximação.

Eu, por outro lado, já estava pronta para insistir, para forçá-la se fosse necessário. Ela estava tão fraca que eu sabia que não podia continuar assim. Mas, ao mesmo tempo, havia uma suavidade na forma como Marília estava lidando com a situação que me fez hesitar. Ela não estava apressando a Maraisa, nem tentando impor nada. Estava apenas... esperando, respeitando o espaço dela.

— Vamos, só um pouquinho — murmurei, tentando acompanhar o ritmo mais paciente de Marília. — Só para começar, ok?

Maraisa finalmente virou a cabeça, seu olhar se arrastando até nós. Ela parecia derrotada, mas assentiu levemente. Aquela pequena vitória era suficiente por enquanto.

Com gentileza, Marília se inclinou um pouco mais e segurou a colher com uma delicadeza que eu não esperava. Ela levou a sopa até os lábios de Maraisa, que abriu a boca com relutância e deixou o líquido entrar. Foi um processo lento, mas, aos poucos, ela tomou mais algumas colheradas. Cada uma delas parecia um esforço monumental para minha irmã, mas ela conseguiu.

Eu suspirei aliviada, e pela primeira vez em dias, senti que talvez estivéssemos no caminho certo. Depois de mais algumas colheradas, Marília colocou a tigela de lado e passou a mão nos cabelos de Maraisa, um gesto tão natural que eu quase esqueci que as coisas entre elas eram mais complicadas do que eu poderia imaginar.

— Está bom por enquanto, Mara — disse Marília suavemente. — Vamos tentar fazer você levantar agora, tomar um banho.

Maraisa fechou os olhos, balançando a cabeça de leve, recusando-se de novo.

— Não quero... estou cansada... — murmurou, quase inaudível.

— Eu sei — continuei, tentando não deixar o tom de urgência escapar na minha voz. — Mas você vai se sentir melhor, prometo. A gente vai te ajudar, tá? Você não precisa fazer nada sozinha.

Com muito esforço, e com a ajuda de Marília, conseguimos convencer Maraisa a se mover. Levantá-la da cama foi mais difícil do que eu esperava, e foi aí que notei algo que me deu um aperto no coração: ela estava mais magra do que o normal. Seus braços, normalmente finos, agora pareciam quase frágeis. Suas pernas estavam sem a firmeza de antes, e cada movimento parecia um esforço enorme.

Eu troquei um olhar com Marília, e percebi que ela também tinha notado. Mas nenhuma de nós comentou nada. O que importava naquele momento era fazer Maraisa se mexer, mesmo que fosse doloroso.

Ajudamos minha irmã a se levantar devagar, cada uma de nós segurando de um lado. Ela estava tão leve que eu quase tive medo de machucá-la. Mas Marília foi incrivelmente cuidadosa. Cada movimento que fazia era com uma atenção minuciosa, quase reverente. Quando Maraisa cambaleou um pouco, Marília imediatamente ajustou seu apoio, mas sempre de forma delicada, sem invadir o espaço pessoal da minha irmã.

Havia uma espécie de respeito em cada toque, como se Marília soubesse exatamente onde estavam os limites de Maraisa e estivesse disposta a segui-los. Eu observava tudo em silêncio, cada gesto, cada olhar, e era impossível não notar a diferença. Eu sempre fui protetora com Maraisa, sempre quis cuidar dela. Mas Marília... ela parecia entender minha irmã de uma maneira que eu nunca tinha notado antes.

Quando finalmente a colocamos no banheiro, ela se apoiou na parede, os olhos fechados de cansaço.

— Eu não vou conseguir... — disse ela, quase implorando. Eu sabia que ela estava no limite, mas sabia também que não podíamos deixá-la voltar para a cama daquele jeito.

— Nós estamos aqui, Mara — murmurei, segurando sua mão com força. — Você não precisa fazer nada sozinha.

— Você quer que a gente saia? — perguntou Marília, respeitosa. — Ou você quer que eu fique?

Maraisa hesitou por um segundo, depois olhou para Marília com um cansaço profundo, mas também com uma espécie de aceitação.

— Pode ficar — disse ela, num sussurro, e eu vi nos olhos de Marília o quanto isso significava para ela.

Marília ajudou minha irmã a tirar as roupas com o mesmo cuidado que demonstrara antes, sem pressa, sem invadir os limites de Maraisa. Cada movimento era suave, quase como se Marília estivesse tentando mostrar a Maraisa que ela estava segura, que não precisava temer.

Eu fiquei de pé, observando, e senti um nó se formar na minha garganta. Era estranho, mas também reconfortante. Ver como Marília tratava Maraisa com tanto cuidado, com tanto carinho, me fez perceber o quanto ela se importava. Não era apenas o amor de uma amiga; era algo mais profundo. E pela primeira vez, eu me perguntei se, talvez, isso fosse exatamente o que Maraisa precisava — alguém que a entendesse completamente, alguém que respeitasse seu espaço, suas vulnerabilidades, sem exigir nada em troca.

Depois de um tempo, conseguimos terminar o banho. Marília ajudou a secar os cabelos de Maraisa, enquanto eu a vestia com uma camisola limpa. Finalmente, a colocamos de volta na cama, e ela parecia exausta, mas de uma forma um pouco mais tranquila. Havia um brilho fraco em seus olhos, uma centelha de vida que eu não tinha visto antes.

Quando Marília se afastou um pouco, percebi que ela não estava forçando nada. Não pressionava Maraisa a sentir algo, a fazer algo que não estivesse pronta. Apenas estava ali, presente, disponível. E, pela primeira vez em muito tempo, senti que talvez estivéssemos começando a dar um passo na direção certa.

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𝓡𝓮𝓵𝓪𝓬̧𝓸̃𝓮𝓼   𝓠𝓾𝓮𝓫𝓻𝓪𝓭𝓪𝓼Onde histórias criam vida. Descubra agora