XV

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Maiara

Do meu lugar ao lado dela, eu sentia o peso do que Maraisa havia passado. O quarto de hospital estava silencioso, mas meu coração batia rápido, ainda processando o turbilhão de emoções que nos envolvia. Ela estava ali, viva, respirando. Eu queria acreditar que tudo ficaria bem, que o pior havia passado. Mas a imagem de sua fragilidade, de como eu quase a perdi, estava cravada na minha mente.

Eu nunca vou esquecer o desespero daquele dia. Atender ao telefone e ouvir a notícia foi como ser atingida por um raio. O mundo ao meu redor desabou, e o chão sumiu sob meus pés. Por um instante, tudo o que eu conseguia pensar era que eu estava prestes a perder a minha irmã. A metade de mim. Eu tinha corrido para o hospital sem conseguir respirar direito, como se o ar tivesse se tornado rarefeito e cada passo me afastasse ainda mais da realidade.

E agora, olhando para ela ali naquela cama, tão pálida, tão frágil, eu sentia que ainda estava tentando entender o que havia acontecido. Como as coisas chegaram a esse ponto? Como eu não percebi o quão fundo ela estava caindo? Eu me culpei, inúmeras vezes, por não ter sido capaz de ver além da máscara que ela usava. Ela estava sorrindo, sempre rindo para as câmeras, para o público, mas eu devia ter percebido. Eu devia ter visto além do brilho, além do que todo mundo via.

A verdade é que eu falhei com ela. Eu sabia que Maraisa estava sofrendo, mas nunca imaginei que fosse tão profundo. Talvez fosse o medo de enxergar o que estava bem na minha frente, o medo de admitir que minha irmã, a garota forte e destemida com quem eu cresci, estava se afogando na própria dor.

Enquanto eu estava ali, observando seu rosto cansado e ainda marcado pela sombra do que ela tinha feito, algo dentro de mim mudou. A dor de quase perdê-la transformou-se em uma força que eu não sabia que tinha. Eu não deixaria isso acontecer de novo. Nunca mais. Eu estaria ao lado dela, não importa o que custasse. Se ela estava disposta a lutar, eu também estava.

Maraisa tentou falar mais uma vez, mas eu podia ver o esforço que isso exigia dela. Sua garganta devia estar seca, sua voz fraca, mas o som que saiu dos seus lábios foi uma confirmação de que ela ainda estava ali, comigo.

— Obrigada... — Ela sussurrou, seus olhos se encontrando com os meus.

Aquelas palavras me cortaram mais do que qualquer outra coisa que ela pudesse ter dito. Porque, no fundo, eu não queria agradecimentos. Não era sobre isso. Eu só queria que ela ficasse bem, que voltasse a ser a Maraisa de antes. A Maraisa que sorria de verdade, sem carregar o peso do mundo nos ombros.

— Você não precisa agradecer... — Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia, quase um murmúrio, mas eu sabia que ela me ouviu. — Eu só quero você de volta.

Ela piscou lentamente, e eu vi a luta interna que ela estava travando. Mesmo agora, depois de tudo, eu sabia que ela estava se segurando, tentando processar o que havia acontecido. E eu entendia. Não era fácil voltar à superfície depois de afundar tanto. Mas, por mais difícil que fosse para ela, eu faria o que fosse necessário para garantir que ela nunca mais se sentisse sozinha.

O médico entrou novamente, interrompendo o momento, trazendo com ele uma prancheta e uma série de instruções que, naquele momento, eu mal conseguia processar. Minha cabeça ainda estava focada em Maraisa, em cada movimento que ela fazia, em cada respiração que parecia um milagre. O médico disse algo sobre tratamentos, sobre possíveis consultas com psiquiatras e terapeutas, mas eu sabia que ainda levaria tempo para Maraisa se abrir para isso.

Eu queria protegê-la de tudo, queria garantir que ela nunca mais sentisse aquela dor esmagadora que a levou ao limite. Mas, ao mesmo tempo, sabia que essa era uma luta que eu não podia lutar por ela. Eu podia estar ao lado dela, segurar sua mão, mas ela teria que fazer esse caminho sozinha. E isso me apavorava.

Quando o médico finalmente saiu, o quarto ficou em silêncio mais uma vez, e eu voltei a observar minha irmã. Ela parecia tão pequena naquela cama, tão diferente da garota vibrante e cheia de vida que eu conhecia. Havia uma escuridão que pairava ao seu redor, algo que eu nunca havia visto antes. Eu sabia que, por mais que ela estivesse viva, o processo de realmente voltar a viver seria longo e doloroso.

— Eu estarei com você, Maraisa... — Falei, mais para mim mesma do que para ela. — Eu vou estar aqui, sempre. Não importa o que aconteça.

Ela não respondeu, mas não precisava. O aperto suave de sua mão foi o suficiente. Era uma promessa silenciosa de que, de algum jeito, nós duas conseguiríamos. Eu não sabia como, mas eu sabia que precisávamos encontrar uma maneira.

Depois de alguns minutos, eu percebi que Maraisa estava começando a adormecer. O cansaço, tanto físico quanto emocional, estava tomando conta dela. Eu continuei segurando sua mão, mesmo quando seus olhos se fecharam e sua respiração ficou mais profunda e regular. Eu não me movi, não soltei, mesmo quando as lágrimas silenciosas começaram a escorrer pelo meu rosto.

Eu estava com medo. Tão assustada como nunca estive antes. Mas, ao mesmo tempo, algo em mim se fortaleceu naquele momento. Eu sabia que essa batalha seria longa, mas eu estava pronta para enfrentá-la. Maraisa havia me salvado tantas vezes antes, mesmo sem saber, e agora era minha vez de retribuir.

Enquanto ela dormia, eu me permiti chorar. Chorava pela dor que ela carregava, pela culpa que eu sentia, pela fragilidade da vida que quase nos escapou pelos dedos. Chorava por nós duas, por tudo que havíamos passado e por tudo que ainda teríamos que enfrentar.

Mas, acima de tudo, eu chorava porque, apesar de tudo, ela ainda estava aqui. E isso era o suficiente para me dar esperança.

𝓡𝓮𝓵𝓪𝓬̧𝓸̃𝓮𝓼   𝓠𝓾𝓮𝓫𝓻𝓪𝓭𝓪𝓼Onde histórias criam vida. Descubra agora