XII

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Maraisa

A sensação de retorno foi brutal. A paz que me envolvia se desfez em uma explosão de sensações que me atingiram todas de uma vez. Era como se eu estivesse sendo arrancada daquele lugar silencioso e atirada de volta em um corpo que não conseguia suportar o próprio peso. Minha pele queimava, cada nervo em meu corpo parecia estar em chamas. O ar era pesado e parecia cortar minha garganta enquanto eu tentava respirar. Havia dor, uma dor esmagadora e pulsante, que me atravessava o peito e se espalhava por todos os cantos do meu ser.

E então veio o som. Não o som suave e distante das vozes de antes, mas barulhos altos e confusos. Máquinas apitavam em diferentes frequências, passos rápidos e pesados ecoavam ao meu redor, e havia vozes... vozes altas, urgentes. Não conseguia distinguir as palavras, mas reconhecia a intensidade do tom. Eram os médicos, correndo contra o tempo. Lutando para me manter viva.

Eu queria gritar, mas minha garganta estava seca, fechada. Minhas pálpebras eram pesadas demais para abrir, meus músculos fracos demais para se moverem. Era como estar presa entre a vida e a morte, consciente de tudo, mas incapaz de reagir. A tranquilidade de antes havia sumido por completo. Agora, tudo o que restava era a dor e a confusão.

E no meio de tudo isso, eu senti. Senti o peso esmagador do que eu havia feito. A tentativa de acabar com tudo, de desaparecer, parecia agora um eco distante, uma escolha feita em um momento de desespero e cegueira. Mas, ali, de volta à realidade, tudo parecia diferente. Havia o impacto, havia as consequências, havia as pessoas que eu havia deixado para trás — principalmente ela.

Maiara. Mesmo naquele torpor, eu a sentia. Sua presença pairava ao meu redor como uma sombra protetora, mesmo que ela não estivesse fisicamente ao meu lado. Eu sabia que ela estava ali, em algum lugar, esperando. Esperando para saber se eu voltaria para ela.

O peso dessa realização me esmagou mais do que qualquer dor física. Como eu pude ser tão egoísta? Como pude pensar, nem que por um segundo, que minha ausência não deixaria um vazio devastador na vida de Maiara? Ela era minha metade. E eu quase a deixei para sempre. O desespero na voz dela ainda ecoava na minha mente, repetindo-se em um loop infinito. Eu não poderia ter ido embora, não sem ela. E, de algum jeito, eu sabia que, se eu tivesse escolhido ficar naquela escuridão, ela jamais teria se recuperado.

As memórias começaram a voltar em fragmentos confusos. O momento da decisão, o impulso que me empurrou para a beira daquele abismo. Eu me lembrava de estar sozinha, sufocada pelas expectativas, pelos erros, pelas decepções. Tudo parecia demais. Viver parecia um fardo insuportável, e a única saída que eu conseguia enxergar era o fim. Eu não queria mais lutar, não queria mais continuar fingindo que estava bem.

Eu me lembrei de pegar as pílulas, de engoli-las, me lembro da sensação da navalha cortar meu pulso...eu me lembro da senssao de alívio quando cada uma desceu pela minha garganta, me lembro de como foi sentir o sangue sair do meu corpo, foi como um alívio iminente. A ideia de dormir e nunca mais acordar parecia doce, como a promessa de descanso que eu tanto desejava. E, por alguns instantes, eu estava em paz com isso. Eu acreditava que, ao me apagar, estaria resolvendo todos os meus problemas. Que, ao sumir, as expectativas e as cobranças finalmente desapareceriam junto comigo.

Mas não era verdade. A verdade era que, ao tentar escapar da dor, eu a estava multiplicando. Ao tentar me livrar do peso que eu sentia, eu estava jogando esse peso sobre os ombros de Maiara, dos meus pais, de todos que me amavam. A verdade cruel era que minha morte não traria paz a ninguém. Apenas devastação.

E agora, ali, presa naquele corpo fraco, naquela cama de hospital, eu sentia essa devastação com uma clareza cortante. Eu quase destruí a pessoa mais importante da minha vida. Eu quase apaguei a luz da minha irmã, minha metade, a única que sempre esteve ao meu lado, mesmo quando eu mesma me afastava.

"Eu preciso dela tanto quanto ela precisa de mim."

Essa verdade ecoou dentro de mim, forte e inegável. E foi isso que me manteve agarrada à vida, mesmo que tudo em mim quisesse desistir. Porque, por mais difícil que fosse, por mais doloroso que fosse continuar, eu sabia que não podia deixá-la sozinha. Eu sabia que nossa história, nossas vidas, estavam entrelaçadas de uma forma que não poderia ser desfeita por uma escolha egoísta. Maiara havia me puxado de volta, havia me resgatado do precipício. E agora, era minha vez de lutar, de não deixar que o abismo me engolisse de novo.

Eu ainda estava fraca, ainda sentia o cansaço profundo em cada célula do meu corpo. Mas havia uma nova determinação crescendo dentro de mim. Eu não sabia como seria daqui para frente, não sabia se conseguiria me recuperar completamente, física e emocionalmente. Mas uma coisa eu sabia: eu não estava mais sozinha. Eu nunca estive.

A respiração irregular começou a se acalmar. Aos poucos, os sons ao meu redor ficaram mais nítidos. As vozes dos médicos, os sons das máquinas, e... havia outra coisa. Um som suave, contido, mas que eu reconheci de imediato. Era um choro. Um choro que me cortou mais do que qualquer faca, porque eu sabia de quem era.

— Maiara... — Minha voz saiu fraca, rouca, quase imperceptível, mas eu a senti. Eu sabia que ela estava ali. Eu sabia que ela estava me esperando.

E, dessa vez, eu não a deixaria esperando por muito mais tempo.

𝓡𝓮𝓵𝓪𝓬̧𝓸̃𝓮𝓼   𝓠𝓾𝓮𝓫𝓻𝓪𝓭𝓪𝓼Onde histórias criam vida. Descubra agora