XVIII

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Vcs não tão prontas pra isso...
Quero saber o que acham desse aqui tá?

Marília Mendonça

O som do telefone ainda ecoava na minha cabeça. Eu tinha congelado no lugar, incapaz de processar as palavras. "Maraisa... tentativa de suicídio... hospital." As frases se embaralhavam, mas a realidade era clara. Maraisa estava viva, mas mal. Muito mal.

Eu deveria estar acostumada com a montanha-russa emocional que era a vida da Maraisa. Ela sempre foi intensa, sempre carregou o peso do mundo nas costas. Mas nunca, em nenhum momento, eu imaginei que ela chegaria a esse ponto. Agora, tudo o que eu conseguia pensar era como eu não tinha visto isso chegando. Como eu, que estava sempre tão próxima, deixei que ela se afundasse tanto.

O hospital estava silencioso demais. Murilo estava com Léo, em casa. Ele tinha se oferecido para me acompanhar, mas eu não quis. Parte de mim não conseguia encarar a ideia de trazê-lo para esse lugar, para essa situação. E parte de mim... bom, parte de mim sabia que essa era uma jornada que eu precisava fazer sozinha. Minha mente estava um caos. E no meio de tudo isso, havia uma verdade que eu sempre soube, mas nunca quis admitir.

Amo a Maraisa. Não apenas como uma amiga, mas de um jeito que me deixava confusa há anos. Desde que éramos mais jovens. Desde antes do sucesso que foi 10 % , ela foi a pessoa que mexeu comigo de um jeito diferente, mas eu sempre reprimi isso. Enterrei esses sentimentos, me convenci de que era apenas uma fase, de que o tempo iria apagar. Mas o tempo não apagou. E enquanto ela seguia em frente com sua carreira e alguns poucos relacionamentos e eu construía uma vida com Murilo e Léo veio de forma inesperada, era pra esse sentimento ter morrido quando passei a construir minha família mas estava lá esse sentimento sempre continuava lá, escondido, esperando...

Espero por uma chance...

Esperando que eu deixasse de ser covarde.

Agora, vendo-a à beira da morte, esse sentimento me atingiu como um estalo. Tudo o que eu estava tentando evitar, toda a negação, caiu por terra. O medo de perdê-la rasgou a barreira que eu mesma havia construído.

Entrei no quarto com o coração acelerado. Maraisa estava deitada, pálida, frágil. Era difícil vê-la assim. A pessoa que eu conhecia, a mulher forte que sempre se impunha ao mundo, agora parecia um reflexo quebrado. Ao lado dela, Maiara estava sentada, segurando sua mão, com um olhar perdido. Elas sempre foram inseparáveis. E eu... eu sempre estive à margem dessa relação, apoiando, amando as duas, mas sempre sentindo que minha conexão com Maraisa era diferente. Mais intensa, mais complexa.

Sentei-me ao lado de Maiara, sem conseguir tirar os olhos de Maraisa. Ela estava respirando, mas de uma maneira irregular, pesada, como se cada fôlego fosse uma batalha. As lembranças dos últimos anos passaram pela minha mente como flashes. Cada sorriso, cada momento de cumplicidade, e todas as vezes que eu quis dizer o que realmente sentia, mas não consegui.

Maiara olhou para mim, os olhos inchados de chorar, e nós trocamos um olhar de compreensão. Nenhuma de nós precisava dizer nada. Ambas estávamos quebradas, cada uma à sua maneira, pela dor de ver Maraisa assim.

— Ela vai melhorar — murmurei, mais para mim do que para Maiara, tentando acreditar nas minhas próprias palavras.

Mas a verdade era que, pela primeira vez, eu não sabia. Pela primeira vez, o futuro parecia incerto demais, perigoso demais. E pela primeira vez, eu não conseguia mais manter os sentimentos enterrados.

Murilo me amava. Ele era bom para mim, e nós tínhamos uma vida estável. Um filho maravilhoso. Mas, naquele momento, olhando para Maraisa naquela cama de hospital, eu sabia que algo dentro de mim havia mudado para sempre. Eu não podia mais fingir que meu amor por ela era apenas platônico, ou que o que eu sentia poderia ser apagado pelo tempo.

Eu não sabia o que aconteceria quando ela acordasse, nem como seria lidar com todas as feridas que essa tentativa havia aberto. Mas eu sabia que não poderia mais continuar ignorando o que sentia. Amar Maraisa, mesmo que de longe, em silêncio, havia moldado minha vida.

Havia definido quem eu era...

Ou melhor definiu quem eu sempre fiz questão de esconder.

E agora, com ela tão perto de me deixar para sempre, esse amor não podia mais ser negado...eu não podia mais negar pra mim mesma que eu era louca por Carla Maraisa.

A vida dela dependia de ajuda. E eu daria toda a ajuda que ela precisasse.

Mas, no fundo, uma parte de mim estava presa nessa nova realidade: que meu amor por ela, por mais escondido que fosse, fazia parte de quem eu sou. E a ideia de viver sem ela... simplesmente não existia.

Com isso em mente decidi fazer algo por mim...algo que eu não aceitava a um tempo. Algo bom e puro que eu por vezes me machuquei em fingir...quantas vezes pensei nela enquanto Murilo me beijava? Quantas vezes desejei que fosse ela a me ter todas as noites? Quantas vezes já não idealizei como teria sido se eu tivesse coragem.

Já não cabia mas espaços para as mentiras.

Sinto o peso daquela decisão em meus ombros mas meu coração estava tranquilo pela primeira vez em muito tempo.

E por isso eu não podia me desculpar...

Eu não iria me desculpar.

Maraisa sempre vai ser tudo.

𝓡𝓮𝓵𝓪𝓬̧𝓸̃𝓮𝓼   𝓠𝓾𝓮𝓫𝓻𝓪𝓭𝓪𝓼Onde histórias criam vida. Descubra agora