XI

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Maraisa

Flutuar naquela escuridão era como ser engolida pelo esquecimento. Eu não sentia nada além de uma paz estranha, densa, que me cercava como um manto pesado, sufocante. Não havia luz, não havia som, não havia dor. Era só o vazio, o fim de tudo que me fazia ser quem eu era. E, por um instante, isso me pareceu tentador.

A tranquilidade ali era quase hipnótica. Um alívio profundo, como se, finalmente, o peso que eu carregava desde sempre tivesse sido arrancado dos meus ombros. O peso de ser Maraisa — a cantora, a atriz, a estrela. Aquele fardo de ter que estar sempre sorrindo, sempre perfeita, sempre à altura das expectativas de todos. Tudo isso estava distante agora, se desintegrando. E, sem isso, eu me sentia leve, como se não houvesse mais nada que pudesse me puxar de volta.

Seria tão fácil simplesmente deixar ir, me dissolver naquela calma infinita. Eu não precisava mais ser ninguém, não precisava mais ser "a Maraisa". Não havia exigências, não havia cobrança, não havia o olhar crítico do mundo me pesando. Ali, eu era apenas um nada confortável, sem forma, sem dor, sem passado, sem futuro.

Mas, no fundo desse silêncio, algo começou a surgir. Primeiro, era apenas uma sensação vaga, um leve incômodo que eu tentei ignorar. Mas aquilo foi crescendo, uma presença que não se encaixava na paz que me envolvia. De repente, no meio desse nada, vozes começaram a aparecer. Voavam como fantasmas ao meu redor, ecoando em algum lugar muito distante. Eram agudas, frenéticas, confusas. Ouvi pedaços de frases — "não está estável"... "perdendo pulso"... — que me arrastavam, como garras, em direção à superfície. Mas aquilo parecia tão distante, tão irrelevante, como se pertencesse a um outro mundo, um mundo ao qual eu não pertencia mais.

E eu quase aceitei isso.

Quase decidi que aquele era o meu fim. Que finalmente eu tinha encontrado a saída daquele labirinto de dor e angústia que me consumia há tanto tempo. Morrer, afinal, não era tão ruim quanto eu imaginava. Era, na verdade, um alívio profundo, uma libertação do inferno que era estar viva. Uma parte de mim queria ficar ali para sempre, flutuando nesse limiar entre o ser e o não ser, sem pensar, sem sentir, sem ter que ser nada para ninguém.

Eu tentei me agarrar a essa paz. Tentei me convencer de que era o certo, que era o melhor para mim. Afinal, eu estava exausta. Exausta de fingir que estava bem, exausta de carregar um sorriso que não era meu, exausta de viver uma vida que já não me pertencia. Ali, naquele limiar, eu não tinha mais que lutar. Não precisava mais tentar ser quem os outros queriam que eu fosse.

Mas, no meio da escuridão, algo quebrou essa calmaria. Uma presença diferente. Algo ou alguém que não deveria estar ali, mas que, de alguma forma, invadia aquele espaço vazio. Uma voz pequena e distante no começo, um sussurro quase imperceptível, mas que logo começou a crescer, ecoando dentro de mim como um grito abafado.

— Maraisa...

Era um sussurro, mas ao mesmo tempo era um trovão. A voz cortou o silêncio como uma lâmina, abrindo uma fenda naquela paz ilusória que me envolvia. Eu sabia quem era. Maiara. Era como se ela estivesse me puxando de volta, como se segurasse minhas mãos enquanto eu tentava escorregar para longe. A voz dela estava carregada de algo que eu não podia ignorar: dor, medo, desespero. Um desespero tão profundo que começou a quebrar o meu, começou a rasgar aquela paz que eu tanto queria abraçar.

— Maraisa! — Agora estava mais clara, mais próxima, mais urgente, como se ela estivesse berrando no meu ouvido. A voz dela estava cheia de um desespero que eu conhecia muito bem. Aquela dor, aquele pânico, não era só dela. Era meu também. Nós sempre fomos assim, conectadas de uma maneira que ninguém mais conseguia entender. Não éramos apenas irmãs. Éramos metades de um todo. E, naquele momento, eu sabia que, se eu escolhesse continuar ali, se eu escolhesse não voltar, eu a destruiria.

Aquele vazio que antes parecia tão confortável começou a me sufocar. A ideia de ir embora, de desistir, já não era mais tão tentadora. Porque a voz de Maiara não era apenas um chamado. Era um clamor, uma súplica. Ela implorava para que eu não a deixasse. E, naquela súplica, eu podia sentir o peso da nossa ligação, o fio invisível que nos mantinha unidas, mesmo naquele espaço entre a vida e a morte.

Eu quis ignorar. Parte de mim queria. Eu estava tão cansada, tão destruída por dentro, que a paz daquele vazio parecia a única saída. Mas como eu poderia ignorar? Como eu poderia deixar Maiara assim? Eu a via, mesmo na escuridão. Sentia sua presença de uma forma tão clara quanto sentia meu próprio coração batendo, ainda que fraco, distante. O rosto dela, aquele rosto igual ao meu, estava marcado por uma dor que cortava fundo. Era uma dor que eu reconhecia. Uma dor que vinha de mim, que eu havia causado.

Ela estava quebrada, e a culpa era minha. Eu era a razão pela qual ela estava ali, desesperada, perdida.

Aquele pensamento me atravessou como uma lâmina. A paz ao meu redor começou a desmoronar. A escuridão se transformou em culpa, pesada, sufocante, me puxando de volta para a realidade de tudo o que eu estava tentando escapar. Não era uma escolha justa. Não para ela. Por mais que eu estivesse exausta, destruída, eu não podia arrastá-la comigo para aquele abismo. Eu não podia deixá-la sozinha para enfrentar o mundo, para lidar com as consequências da minha decisão.

— Por favor... — ouvi a voz dela novamente, agora mais clara, mais nítida, carregada de um desespero que fez meu coração doer de uma forma que eu não sabia que era possível. — Não me deixa... Eu preciso de você...

Aquelas palavras me rasgaram por dentro. Eu senti um puxão forte, como se o próprio universo estivesse me arrancando de volta, me forçando a encarar a dor da vida outra vez. A paz virou pó, se desintegrando ao meu redor enquanto eu caía de volta, de volta ao peso, ao sufoco, à luta.

E, naquele instante, eu soube. Soube que, por mais tentador que fosse desistir, por mais fácil que fosse simplesmente deixar ir, eu não podia. Não quando Maiara ainda estava lá, do outro lado, segurando minha mão, implorando para que eu voltasse. Porque ela precisava de mim. Porque nós éramos metades de um todo, e uma metade não sobreviveria sem a outra.

Então, com cada grama de força que eu ainda tinha dentro de mim, eu me agarrei àquela voz. Eu deixei que o amor de Maiara me puxasse de volta, mesmo que isso significasse voltar para a dor, para a incerteza, para tudo o que eu queria desesperadamente fugir. Porque, no final das contas, a vida dela estava entrelaçada com a minha. E eu não podia abandoná-la. Não ainda.

Eu voltei.

𝓡𝓮𝓵𝓪𝓬̧𝓸̃𝓮𝓼   𝓠𝓾𝓮𝓫𝓻𝓪𝓭𝓪𝓼Onde histórias criam vida. Descubra agora