XIX

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Maraisa

O som da porta se abrindo me tirou do torpor. Eu estava deitada, meus olhos ainda pesados, e o corpo parecia estranhamente distante. Senti uma leve movimentação ao meu lado, o toque suave da mão de Maiara apertando a minha. Eu sabia que ela estava comigo desde o começo. Mesmo nos momentos em que tudo ficou escuro, eu podia sentir a presença dela. Era como se, de alguma forma, ela me mantivesse presa à vida.

— Oi, Maraisa. — A voz desconhecida me fez estremecer.

Abri os olhos lentamente, tentando focar. Na minha frente, havia um homem de terno claro, com uma expressão calma. Ele se aproximou da cama com passos controlados, como se estivesse lidando com algo frágil, e, bem, eu era esse algo.

— Eu sou o Dr. Augusto — ele disse, com um sorriso suave, mas sério. — Sou psiquiatra aqui no hospital. Queria conversar um pouco com você, se estiver tudo bem.

Olhei para ele sem saber o que responder. Minha garganta estava seca, e a dor ainda rondava meu peito como uma lembrança constante do que eu havia feito. Ao mesmo tempo, a ideia de conversar com alguém sobre tudo isso me causava um desconforto imenso. Não era algo que eu queria reviver, especialmente com um estranho.

— Eu tô aqui com você, tá? — Maiara sussurrou ao meu lado, apertando mais minha mão. Seus olhos estavam cheios de preocupação, mas também de uma força que eu sempre admirei nela.

— Vai ser só uma conversa — o Dr. Augusto continuou, notando minha hesitação. — Nada que você não queira dizer. Quero entender como você está se sentindo, o que passou pela sua cabeça.

"Eu mesma não entendo o que passou pela minha cabeça..." pensei, mas fiquei quieta. As palavras estavam ali, presas, mas não faziam sentido. Tudo parecia tão confuso.

— Eu não... — minha voz saiu fraca, quase como um suspiro. Não sabia por onde começar. Tudo dentro de mim estava tão embaralhado que até falar parecia impossível.

Dr. Augusto se sentou em uma cadeira próxima e me observou por um momento, sem pressa, como se esperasse que eu encontrasse meu próprio ritmo. A presença dele era diferente, calma de um jeito que eu não esperava. Não tinha a frieza clínica que eu imaginava que um psiquiatra teria.

— Eu sei que você passou por algo muito difícil — ele disse, a voz baixa e serena. — E eu sei que, às vezes, a gente sente que não tem saída. Que o mundo fica pequeno, sufocante. Mas agora, aqui, você não está sozinha. Maiara está aqui com você. E eu também estou.

O peso dessas palavras ficou no ar, e, por um segundo, eu quase senti vontade de falar. Quase. Porque, de alguma forma, era um alívio saber que eu não precisava carregar tudo isso sozinha, mas ao mesmo tempo, admitir a dor parecia difícil demais.

— Eu... eu só queria que tudo parasse — consegui murmurar, minha voz quebrando no final. As palavras finalmente saíram, mesmo que de forma fragmentada. — Era muito... tudo.

Senti o aperto de Maiara na minha mão se intensificar, e olhei para ela. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas ela me olhava com tanto amor e compreensão que aquilo me fez respirar um pouco mais fundo.

— Eu sei que parecia assim — Dr. Augusto disse, me trazendo de volta para a conversa. — Às vezes, as pressões, as expectativas, todas essas coisas se acumulam até que parece que não há mais como escapar. Mas, Maraisa, o que você fez... Não foi uma solução. Foi o seu desespero falando mais alto.

Eu sabia que ele estava certo. Lá, no fundo, eu sabia que minha tentativa não resolveria nada. Mas, naquele momento, parecia que era a única forma de escapar de tudo. As expectativas, o medo de decepcionar todo mundo, a sensação de que eu nunca seria suficiente... tudo isso parecia insuportável.

— Eu só... estava cansada — admiti, minha voz falhando. — Cansada de... tentar, de fingir que eu tava bem.

Maiara olhou para mim, suas lágrimas escorrendo silenciosamente.

— Eu sinto muito, Maiara — continuei, minha voz se quebrando em um soluço. — Eu te deixei pra trás. Quase... te deixei de verdade.

— Shhh, não... — Maiara balançou a cabeça, com os olhos cheios de lágrimas. — Eu tô aqui, e você tá aqui. A gente vai passar por isso juntas. Sempre.

O silêncio pairou por um momento, e eu senti algo se soltar dentro de mim. Não era uma solução, não era uma cura, mas era um começo. Um pequeno alívio no meio de todo o caos.

Dr. Augusto assentiu com um leve sorriso, como se entendesse que essa conversa não precisava ser forçada. Ele nos deu um tempo, permitindo que eu sentisse o apoio de Maiara ao meu lado, sua presença tão constante e forte.

— Obrigado por compartilhar isso, Maraisa — ele disse, depois de um longo silêncio. — Eu sei que não é fácil. Mas esse é o primeiro passo. Vamos caminhar juntos nesse processo, e aos poucos as coisas vão clarear.

Eu apenas assenti, exausta. As palavras dele faziam sentido, mas ao mesmo tempo, parecia que a estrada até a "clareza" era longa demais. Mesmo assim, com Maiara ao meu lado, eu me agarrava à ideia de que talvez, só talvez, eu conseguisse.

𝓡𝓮𝓵𝓪𝓬̧𝓸̃𝓮𝓼   𝓠𝓾𝓮𝓫𝓻𝓪𝓭𝓪𝓼Onde histórias criam vida. Descubra agora