XVI

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Almira

O silêncio do hospital parecia ainda mais frio do que eu esperava. Enquanto caminhava pelos corredores, a cada passo eu sentia o peso no meu peito aumentar. Eu havia recebido a notícia com uma mistura de choque e descrença. Maraisa, minha menina, minha filha, havia chegado a esse ponto? O que eu fiz de errado? Onde eu falhei?

Quando alcancei a porta do quarto, vi Maiara sentada ao lado da cama, a mão dela firmemente segurando a de Maraisa. O vínculo entre as duas era algo que sempre admirei, mas agora, vendo minha filha frágil, ferida, foi como se a força que eu me esforçava para manter começasse a se despedaçar. O rosto de Maiara estava marcado pela dor, e eu soube que ela estava segurando as pontas por Maraisa. Sempre esteve. Mas eu, como mãe, senti uma onda de culpa me inundar.

— Almira — a voz do médico me trouxe de volta para a realidade, e eu percebi que estava parada na porta, incapaz de entrar.

Eu o ouvi falar sobre o estado de Maraisa, sobre o que havia acontecido. Sobre as pílulas, o corte no pulso. A cada palavra, meu coração parecia encolher. Como eu não percebi que minha própria filha estava se afogando na dor? Talvez fosse a vida atribulada que sempre levei, com a carreira das meninas, a pressão dos compromissos, os contratos... Sempre tentando garantir que elas tivessem tudo de que precisavam, mas agora me perguntava: o que eu deixei passar?

O médico terminou de falar, e eu sabia que era hora de enfrentá-la. Entrei no quarto, me aproximando lentamente da cama. Maraisa estava pálida, os olhos fechados, a respiração lenta e irregular. Eu queria chorar, queria gritar. Meu coração estava partido, mas eu não podia me permitir desmoronar.

— Mãe... — A voz de Maiara quebrou o silêncio. Ela olhou para mim, os olhos vermelhos e cansados. — Ela está dormindo.

Assenti, sentindo um nó se formar na minha garganta. Eu queria abraçar as duas, dizer que tudo ficaria bem, que nada disso era culpa delas. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que as palavras não teriam esse poder. Pelo menos não agora.

Aproximei-me mais da cama e, hesitante, toquei a testa de Maraisa. Ela parecia tão pequena, tão vulnerável, diferente da jovem mulher que o mundo conhecia. Naquele momento, eu não via a estrela que todos admiravam, via apenas minha filha. A minha menina, que eu não tinha conseguido proteger.

— Como isso aconteceu? — murmurei, mais para mim mesma do que para Maiara.

— Ela estava tão sobrecarregada, mãe — Maiara respondeu, sua voz baixa e cheia de tristeza. — Eu... Eu não vi o quão mal ela estava. Eu devia ter visto.

Eu me virei para ela, com os olhos cheios de lágrimas que eu tentava segurar.

— Não é sua culpa, Maiara. Não é culpa de ninguém. A gente... a gente só não soube lidar com tudo isso. Eu... — minha voz falhou, e as palavras se perderam no ar. Não sabia o que dizer. Eu sempre estive ali para elas, ou pelo menos pensei que estava. Mas o que eu fiz de fato? Apoiei quando precisavam? Ou estava tão focada em garantir o sucesso delas que ignorei os sinais?

Sentei-me ao lado de Maiara, o quarto mergulhado em um silêncio pesado. Eu ainda não sabia como lidar com o que estava acontecendo. Era como se todo o controle que eu achava que tinha sobre a vida das meninas tivesse desmoronado diante de mim. E o pior era saber que eu não podia consertar isso com um simples gesto.

— Ela vai ficar bem, mãe? — A pergunta de Maiara foi dita com uma vulnerabilidade que eu raramente via nela. A irmã forte, a protetora, estava à beira de se quebrar também.

Respirei fundo, tentando encontrar alguma certeza dentro de mim. Queria prometer que sim, que Maraisa ficaria bem, que tudo isso ficaria para trás. Mas eu sabia que não era tão simples. O que Maraisa passou — o que ela quase fez — não era algo que seria resolvido com o tempo ou com tratamentos médicos. Era algo profundo, uma dor que ela carregava há tanto tempo que eu nem sabia como começar a ajudá-la a se livrar disso.

— Eu não sei, filha — respondi com honestidade, apertando a mão de Maiara. — Mas nós vamos fazer tudo o que for preciso. Juntas.

Maiara assentiu, mas eu vi que ela também não estava convencida. Havia tanto a ser feito, tantas conversas dolorosas a enfrentar, tantas feridas invisíveis a serem tratadas. E, no fundo, eu tinha medo. Medo de que, mesmo com toda a nossa dedicação, não fosse o suficiente.

Olhei novamente para Maraisa, desejando poder carregá-la em meus braços como fazia quando ela era criança. Queria levá-la para longe de toda essa dor, protegê-la de tudo. Mas agora, a dor estava dentro dela, e eu não sabia como remover isso.

Acariciei seu rosto suavemente, enquanto as lágrimas que eu segurava finalmente escapavam. Eu falhei com ela, mas eu não a perderia. Não agora. Eu faria o que fosse preciso para trazer minha filha de volta. Eu a amava mais do que qualquer coisa no mundo, e essa verdade seria o ponto de partida.

Porque, acima de tudo, ela ainda era minha filha. E, juntas, nós encontraríamos uma maneira de curar essas feridas.

𝓡𝓮𝓵𝓪𝓬̧𝓸̃𝓮𝓼   𝓠𝓾𝓮𝓫𝓻𝓪𝓭𝓪𝓼Onde histórias criam vida. Descubra agora