01. Tragédia tornada em aventura.

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[Ato 01: Jornada para o Oeste]

Em um dia ensolarado como esse, eu me imagino descansando ao pé de uma paulónia, após treinar por ordens do mestre rato, enfim, desfrutando de alguma tranquilidade. O miserável destino, porém, teve outros planos em mente: agora me situo correndo atrás dessa raposa desgraçada através dos campos de arroz, a espertinha carrega em sua boca baforenta um pequeno vaso contendo almas dos antigos guerreiros.

Sou Sun Jin, também conhecido com o herói macaco. Já vivi no mesmo mundo "real" que você reside nesse momento exato, como um mané qualquer, porém, tudo revirou-se desde que, como já pode se esperar, fui atropelado por um caminhão pra salvar um gatinho. E agora, corro pra capturar um bicho, espero que os deuses não decidam reiniciar este bendito ciclo outra vez. Quase tropeço, percebo termos chegado ao "fim da linha". O melhor é esperar e ver se não consigo uma boa luta com sua forma mais humana.

- Hee... Você quer isso, não é? - Ainda balança o artefato na minha cara, te lascar, sua ratazana metida a lupino. - Pois bem, pegue.

Assim que o vaso foi ateado ao vão entre as altas montanhas do Vilarejo Lótus, eu mergulhei montanha abaixo para capturá-lo, mas nem mesmo minha grande agilidade foi o suficiente, o vi se quebrar ao alcançar o galho robusto de um grande carvalho. Ao alcançar o solo, eu pude observar àquelas almas todas sussurrando aos ventos, antes de eu perder todos de vista. Tive vontade de ensinar uma lição àquele ser, eu percebi que este possui por enquanto, apenas uma cauda. O que o diferencia de um animal comum, é tanto sua cor de preateada nos pelos, olhos azuis venenosos de puro caos e um forte traço espiritual acompanhado de sua presença. Sem contar a fala, mas sei lá, parece que aqui não dá pra se estranhar nada.

- Distraído outra vez, Jin? O mestre Wei requere sua presença. Você precisa tomar mais cuidado! Não é permitido deixar que algo assim aconteça outra vez, isso se te derem uma segunda chance. - Alto, chow chow, mandão e responsável... Lian Yang, seu animal heroico é bem óbvio.

Ah, droga! Outra vez preso em um monólogo na minha mente, obrigado por me acordar pra vida, cachorrão. Pra meditar que é bom nunca consigo me concentrar totalmente. Pior ainda, aquele youkai meteu o pé daqui. Já em frente ao nosso professor, eu escutei os devidos esporros, não é à primeira vez que isso acontece, então de boa... não é?

- Aprontando de novo, uma hora vai virar sopa de macaco! - Minha mana riu, ei, não teria graça! - Mas, há uma forma de você não ser expulso, cabeça de mamão. Aquele espírito travesso era Himura Tenko, guardião do templo de Inari em Yamato. Soube que ele adora pregar umas peças e pegar coisas dos outros só pra corrermos atrás dele! Nem sei quantas vezes o peguei ingerindo minhas amostras de remédios...

Daiyu pode ser a heroína da cobra, mas, fora as ocasionais risadas dela das minhas trapalhadas, não tem nada a ver com o que uma víbora é associada. Nós somos parceiros desde que me lembro de renascer neste mundo, treinamos e fomos selecionados juntos.

- Não entendi onde quer chegar. - Ela consegue ser meio vaga com o que quer dizer às vezes. - Eu tô em dúvida: quer que eu vá atrás dele na esperança de eu ganhar reputação perdida com o imperador de jade? Acho difícil.

Ela logo tirou o sorriso do rosto, ao perceber que uma falha assim realmente não seria levada de forma leviana.

- Hmmm, quem sabe o Yang não consiga convencê-lo! - Tentou me confortar. -Sabe que a diligência dele é bem reconhecida por todos do Vale. Quem sabe, se ele confia que você pode melhorar sua atenção durante a guarda do santuário, você continue aqui comigo!

Me deu um repentino abraço. Sua calma e despreocupação deram lugar a um segurar firme, como quando o papai estava prestes a partir para defender as defesas de nossas terras. Talvez ela presentisse que ele não voltaria. Devolvi como nosso velho faria, se estivesse conosco. Não temos muito tempo pra deixarmos nossas emoções fluírem e interferirem com a harmonia da mente, mas em momentos curtos, memoráveis, somos como os mesmos jovens inexperientes que o Wei Long escolheu para ensinar.

A noite chegou, junto dela, a cabra que não luta karatê nas ruínas, Chyou Bai. Ela vive pegando essas missões mais complicadas, tudo em nome de ganhar mais moedas. Diz ela que, quando tiver o suficiente, irá construir uma grande mansão para si e nem irá mais trabalhar com a gente.

- Ah, parece que o risco foi muito alto, pra uma recompensa não tão boa assim... - Percebi que seus cascos estavam desgastados e flancos rasgados, isso sem contar seus braços e hanfu arruinado.

O canino cruzou os braços.

- Não é sobre dinheiro, nós fazemos isso pelo dever como protetores! - Segurei a risada, tão fofo e tão sério.

Daiyu cuidou das feridas de nossa companheira, enquanto isso, eu apenas virei a tigela de sopa de macarrão e esperei pelo momento certo pra ir atrás daquele infame. No outro dia, fui chamado à sala do imperador, passei por suas huh, outras esposas, digamos assim, que estavam cercando-o, segurando minha vontade de soltar insetos de coceira por todo o salão, atrapalhar a fanfarra desse nobre safado.

- Sabe que sua falha foi grave, Jin. Não poderei tolerar que um guerreiro de alto escalão cometa erros tão banais. O seu pai era muito mais responsável, por que você ainda é tão desordenado? - Respirei fundo, contendo minha impaciência. É sério que ele mandou esse tipo de conversa no meio? Ok, foi um vacilo enorme, mas, ainda é chato pra caralho ouvir isso. Não há mais espaço pra um talvez. Se ele quiser, sairei dos Caçadores do Vento. E usarei isso... como uma motivação. - Sinto muito, mas você está expulso. Sua vaga será preenchida assim que acharmos uma figura mais competente.

Disparei para fora do cômodo, arrumei meus pertences em uma mochila, porém, quando estava prestes a partir, vejo meus três companheiros, reunidos. Eles fazem uma reverência abaixando a cabeça e unindo o punho à palma, eu lhes cumprimento igualmente.

- Vê se não fica com o rabo preso por aí, símio. - Após as doces palavras da minha irmã, eu enfim desço as escadas como um traço alaranjado, saltando degraus abaixo.

Solto um último suspiro em direção ao palácio, antes de atravessar os vilarejos em busca de um novo propósito. Quem sabe não posso encontrar Himura e desafiá-lo? Os ventos das múltiplas possibilidades enchem meus pulmões de ânimo outra vez.

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