06. De Volta pro Passado

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| Ponto de Vista: Sophie

A Casa dos Anjos nem sempre foi meu lar. Eu me lembro vagamente de minha vida como criança, eu gostava de assistir aqueles programas que mostravam truques de "mágica", sempre quis aprendê-los, mas, ninguém mais levava essa meta a sério. Dizem que, a diversão está em encarar tudo como uma grande apresentação festiva! Mas ainda, eu queria ter tido um empurrãozinho. Então... chegou o dia. Eu vi um monstro esquisito na rua, então como uma pessoa consciente, tentei fugir. Mas, logo, eu percebi que ele iria na direção de várias crianças que brincavam por ali, àquela hora da noite... Respirei fundo, então, o distraí pro meu lado, fui atacada de forma que não me lembro, e agora, nasci como uma garotinha achada por dois fazendeiros idosos. Eu não me esqueço do quanto eles me fizeram sorrir e ter poucas preocupações ao crescer em meio ao moinho e campos de trigo. Até que... veio a epidemia de uma gripe que, nos tempos modernos, seria menos difícil de conter. Assim que os perdi, a Casa dos Anjos, que não faz jus ao nome exatamente, foi minha moradia desde então.

- Promete para sempre servir à criadora, obedecer seus comandos pelo resto de seus dias, deixando apenas a sua presença guiar todos os seus passos? - Demandou Morgan, enquanto erguia sua lâmina acima de minha pequena cabeça.

Eu pisquei algumas vezes, como se não me sentisse tão certa de que conseguiria, enquanto ao meu lado, Alain aceitava de bom grado, como se toda a sua vida tivesse levado a esse momento. Não sei se ela notou, mas seu olhar agora pareceu ainda mais insistente.

- Sim, senhora.

E então, foi nesse dia, que ao invés de ser a mesma garota despreocupada de antes, eu me tornei o instrumento da igreja de Bellefleur, ou como eles declaravam, da própria deusa. Nós precisávamos apenas fazer o básico: convencer cidadãos e turistas com a cantoria da Catedral e suas cerimônias, e, se alguém não quisesse ou concordasse, tínhamos que pressionar até receber um positivo. Quando até isso não funcionava, precisávamos assistir o Papa Gregorius anunciar o quanto o alvo da vez era um perigo para o mundo, algo maligno feito para desviar as mentes de todos, ou até mesmo, eu e meus irmãos precisávamos capturar e prender alguém que nem mesmo havia cometido um crime. Eu sabia que, assim como eu, eles tinham muito medo.

Medo do quê...? Dos seres infernais aparecerem, assombrarem, puxarem sua perna caso saíssem da linha.

"Os que não são comportarem, receberão o castigo devido dos céus", eu e muitos outros ouvíamos desde pequeninos. Pesadelos devido a pressões tornavam-se revelações do mal tentando levar suas almas, pressentimentos causados pela ansiedade e estresse tornavam-se preocupações realistas e um sinal de que algo estava errado em suas vidas ou comportamentos. E, nós não éramos os únicos. Durante todos os meus anos no coro, eu percebia o mesmo temor nos olhos de quase todos presentes ali. Os únicos que não eram afetados, eram aqueles que exigiam muito mais de si do que deveriam, acreditando que estariam protegidos ao não abraçarem a si mesmos e a se torturarem a todo momento. Tudo isso... era em prol da virtude.

Mas, conforme eu cresci, eu me senti muito mais desconectada e confusa quanto a tudo isso. Sentia que, por mais que tudo aquilo de fato existisse, não era tão preto e branco quanto faziam parecer. E essa convicção... me seguiu até o dia em que eu deixei o orfanato, embora uma dúvida sempre me seguia das sombras, pronta pra me atacar sempre que pudesse. Durante o dia, eu podia fazer enfim minhas apresentações de mágica e sorrir com os olhares impressionados dos espectadores, mas, quando tudo estava quieto, eu ainda me lembrava de quando eu morri, do quanto tudo aquilo foi estranho. E pra piorar, um sentimento bizarro de ser seguida vêm me acompanhando. Percebi que, com ele, a Catedral pareceu me perseguir mais ainda, agora pegando todo o dinheiro que consigo com meus dias de trabalho. Eu talvez esteja biruta... mas tudo isso de repente não me parece comum.

E agora, Alain Leone tornou-se de fato um cavaleiro sagrado, que pensa estar fazendo o certo indo atrás de todos os que não obedecem à ordens sem questionamentos. Mas eu sei, que no fundo, ele também está com medo. O meu desejo é ser livre como um dente-de-leão, sem mais arrependimentos, sem mais inseguranças. Deixar todo o temor para trás, não mais tendo que fingir ser outra pessoa, por todos os anos de minha vida. Talvez, essa seja a oportunidade perfeita, pra desvencilhar não apenas eu, mas todos os residentes do que nos assombra fazem anos. Obrigada, estranho.

| Narração:

Aliado ao seu credo, o templário lutou sem reservas contra a princesa das fadas, a qual também não abaixava sua guarda. Um ideal contra o outro, conforme a tarde se desenrola, os transeuntes locais torciam pela vitória de Claire em seus corações.

Os fractais de luz se faziam presentes, avançando contra ao escudo luminoso, enquanto a fada observava à distância, evadindo da lâmina ou investida seguida de empurrão quando necessário, como se estivesse em uma apresentação de balé. Tal qual a rocha sólida, ela estava firme em suas convicções para perpetuar sua calma ali, naquele final de dia. Logo, seus companheiros tornariam-se vulneráveis à massiva luz que a proteção do cavaleiro emanava, portanto, teriam de cessar seu duelo antes do completo anoitecer.

- Você acredita mesmo que está seguindo o caminho certo? Essa é uma rebelião contra o divino, como a dos dragões no início dos tempos! - Esbravejou, certo de sua retidão.

Encontrando o momento perfeito de distração para um touché, a fada o acertou, ao sumir como uma rajada de luz, reaparecendo já tendo sua rapeira fixa na armadura de seu momentâneo inimigo.

- Não encoste em mim! Deve estar cheia de impurezas como eles! - Ele a arremessou para longe empunhando o construto luminoso.

A princesa rachou, em todos os pontos do corpo, mas seus olhos ainda estavam abertos o suficiente para ver seu planejamento acontecer. Leone, em lentos passos, caminhou para perto, acompanhado de seus corruptos oficiais. Os aventureiros moveram-se enfim, cada um se posicionou à frente da esgrimista, em pontos diferentes, pra impedir que chegassem até ela. Eles estavam perto, como se fossem uma única mente ligados ao templário. Até que... Ele caiu de joelhos, sufocando, perante à todos ali. O rapaz encarou sua esperança, a árvore sagrada, então, estendeu sua mão, como se implorando por sua ajuda.

- Capitão Leone! Levante-se! - Um dos guardas tentou levantá-lo, mas, dentro de suas vestes protetoras, cristais formavam-se no lugar de seu tecido da pele, por toda a área do estômago. Este, então, explodiu em farpas, causando sangramento interno e perfuração de seu interior. - Capitão!

O jovem caiu, já sem nenhuma energia restante. A atmosfera pesou ainda mais quando levaram-no às pressas para o castelo, deixando uma multidão comovida para trás.

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