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O sol da manhã brilhava no céu quando eu e meu pai nos encontramos no pátio da vizinhança. A tensão era palpável, mas havia uma espécie de alívio ao mesmo tempo. Era o dia de deixar Miguel e Robby resolverem as coisas do jeito deles. Não era fácil, mas eu sabia que era necessário.

Os dois estavam frente a frente, prontos para lutar. A respiração de ambos era pesada, o peso de anos de mágoa e ressentimento pairando no ar. Papai e eu observávamos de perto, embora de longe o suficiente para não interferir.

— Isso vai funcionar, certo? — Perguntou papai, ainda com um ar de preocupação.

— Vai sim — murmurei. — Eles precisam disso. Deixa eles colocarem tudo pra fora. Vai ser melhor no final. Confia.

Ele assentiu, mas não parecia muito convencido. Eu também estava tensa, mas sabia que era necessário. Essa luta era mais que física, era emocional, e era algo que os dois precisavam para seguir em frente.

Os primeiros socos foram rápidos e brutais. Eles lutavam com tudo o que tinham, como se quisessem colocar anos de frustração para fora. O som de cada impacto ecoava pelo pátio, mas a luta começou a escalar de maneira mais perigosa quando subiram as escadas para o andar de cima.

— Robby! Miguel! Parem com isso! — Papai gritou, claramente alarmado.

Mas eles não ouviram. Ou, se ouviram, ignoraram. A adrenalina tomava conta dos dois, e o combate continuava. Vi Miguel batendo em Robby e o jogando contra as grades, o som das respirações ofegantes dos dois misturado com os gritos abafados de papai ao fundo. No entanto, algo em mim sabia que aquilo não acabaria como antes.

— Deixe, pai — murmurei, colocando a mão no braço dele. — Eles precisam disso. Nenhum deles quer que algo parecido com o acidente da luta da escola aconteça de novo.

Papai me olhou, claramente dividido entre intervir ou confiar em que eu estava certa. No entanto, assim que Miguel teve a oportunidade de fazer Robby passar pelo que ele e eu passamos, ele hesitou. Podia ver a luta interna no rosto dele. Ele tinha o poder de empurrar Robby para além do limite, de fazer com que Robby sentisse o mesmo desespero que ele sentiu no passado. Mas ele não fez isso.

Miguel parou antes de derrubar Robby do segundo andar. Em vez disso, deu um passo para trás, ofegante, mas claramente em paz com a decisão que havia tomado.

— Vamos — comentei para papai, vendo que a luta estava chegando ao fim.

Subimos rapidamente as escadas e encontramos os dois respirando pesadamente, mas a intensidade da luta tinha dado lugar a algo mais calmo, mais resoluto. Os punhos abaixados, as expressões menos furiosas. Eles finalmente haviam exorcizado os demônios que carregavam.

Robby foi o primeiro a quebrar o silêncio.

— Por que você parou? — Perguntou ele, ainda sem fôlego.

— Eu não entrei no karatê para machucar pessoas — respondeu Miguel, com firmeza. — Entrei para parecer maneiro. E para encontrar equilíbrio.

Robby balançou a cabeça lentamente, compreendendo. — É, eu sei bem como é. — Ele disse, a voz mais suave agora.

Havia uma pausa carregada de significado. Ambos sabiam o que havia sido deixado sem dizer por tanto tempo, mas Miguel decidiu quebrar o silêncio.

— Da última vez que a gente lutou assim, por que você não parou? — Perguntou Miguel, a dor do passado ainda presente em sua voz.

Robby fechou os olhos por um momento, lutando contra a culpa que o atormentava desde aquele dia. — Eu só queria terminar a luta — admitiu, o remorso escorrendo de cada palavra. — Mas não daquele jeito. Eu estava cego, cara. Tanta raiva que eu nem sabia onde a gente estava. E só depois, quando vi minha irmã estendida no chão e você caindo... aí eu entendi. — Ele fez uma pausa, a voz falhando um pouco. — Se eu pudesse voltar atrás, eu faria. Num segundo. Fui a causa do pior momento da sua vida... e da minha irmã também. E, se serve de consolo, também foi o pior momento da minha vida.

Miguel sorriu fracamente, com um olhar que misturava empatia e perdão. — Serve sim.

Nesse momento, não pude deixar de sorrir também. Eu sabia que aquilo não apagava o passado, mas era um novo começo. Uma trégua, pelo menos. Decidi me aproximar e interromper o momento.

— Miguelito, maninho, estão bem? — Perguntei, chamando a atenção dos dois.

Eles olharam para mim, surpresos, mas sorriram, ambos assentindo. A tensão parecia ter evaporado, deixando espaço para algo muito mais leve e sincero.

— Graças a Deus, porque se vocês ainda se odiassem quando o bebê chegar... — Papai começou a falar, mas logo se interrompeu, percebendo o que tinha acabado de deixar escapar.

Miguel olhou para ele, os olhos arregalados de surpresa. — O bebê? Como é que é? Tipo... você e a minha mãe...

Johnny olhou para mim por um segundo, claramente sem saber o que fazer. Ele soltou um suspiro pesado antes de finalmente encarar Miguel novamente.

— É, a gente... vai ter um bebê. — Admitiu, visivelmente nervoso. — Era para a gente contar junto, então... finjam surpresa, tá?

Miguel piscou algumas vezes, processando a informação antes de deixar escapar uma risada surpresa e animada.

— Aí, caramba! — Disse ele, rindo e passando a mão pelos cabelos, claramente empolgado. — Isso é... uau! Incrível!

Robby também sorriu, sincero pela primeira vez desde que tudo isso começou. — Isso é incrivel! — Disse ele.

Eu não pude deixar de rir da situação toda, fingindo surpresa também. — Parabéns, papai! — Brinquei, puxando ele para um abraço.

Logo, Miguel e Robby se juntaram a nós, e, pela primeira vez em muito tempo, parecia que estávamos todos no mesmo time. O peso das rivalidades passadas ainda estava lá, mas era menor, e eu sabia que, com o tempo, talvez ele desaparecesse completamente.

Enquanto abraçávamos papai, eu olhei para Miguel e Robby por cima do ombro dele. Eles não precisaram dizer mais nada. A luta, as palavras, o confronto emocional... tudo aquilo havia sido necessário para chegar a esse momento.

Sangue de Cobra, Alma de GuerreiraOnde histórias criam vida. Descubra agora