XVI - Complexo Responsável ( Parte 2 )

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Luca estava com a cabeça apoiada sobre os braços na mesa, tentando acalmar a mente. O ar da sala parecia mais pesado, e o silêncio, embora normalmente reconfortante, agora só fazia seus pensamentos se agitarem ainda mais. O embate com Felícia não saía de sua cabeça. A conversa, as responsabilidades, o peso de ser o secretário. Ele nunca pediu por nada disso, mas ali estava, no olho de um furacão que parecia só crescer.

"Tudo isso... está virando uma bola de neve." Ele pensava, exausto.

Sentiu o corpo se mover quase por instinto, como se estivesse em um torpor. Levantou-se da carteira e, sem pensar muito, saiu da sala. Os corredores estavam vazios, o eco dos seus passos era o único som que o acompanhava. Cada batida de seu sapato no piso parecia amplificar o turbilhão de pensamentos que ele mal conseguia controlar.

Ele caminhava distraído, absorto, até que algo o fez parar subitamente. Um vulto familiar estava à sua frente. Connor.

O garoto, com os mesmos olhos de sempre cheios de raiva contida e algo mais, uma indignação que Luca conhecia, mas não conseguia nomear, estava lá, bloqueando sua passagem. Luca sentiu o corpo congelar por um instante, lembranças atravessando sua mente como uma onda avassaladora.

– Finalmente... você. – A voz de Connor era baixa, quase um sussurro, mas carregada de ressentimento. – Achou que eu não tinha te visto aquele dia, não é? Lá no pátio.

Luca mal conseguiu respirar. As palavras de Connor o lançaram de volta àquela tarde no anexo fundamental, quando Connor, no 8º ano, foi cercado por um grupo de alunos e apanhou no chão. Luca estava ali, observando de longe, sem saber o que fazer. E então, simplesmente ignorou e seguiu seu caminho.

– Acha que pode simplesmente esquecer, Luca? Que ninguém se lembraria? Você podia ter feito algo. Podia ter parado aquilo, mas ficou ali, olhando. Não fez nada. Não fez nada! – A voz de Connor foi subindo, suas palavras pareciam chicotear Luca, que sentia a culpa e a impotência crescentes.

Luca engoliu em seco, incapaz de se defender. Sabia que Connor estava certo, mas... o que ele poderia ter feito? Naquele momento, não havia resposta. Agora, anos depois, as palavras de Connor soavam como facadas.

– E agora você tá aí, achando que pode ser secretário, que pode resolver problemas? Você não conseguiu nem me ajudar naquele dia! Como vai ajudar alguém agora? – O olhar de Connor era impiedoso, os olhos cheios de julgamento. – Tudo o que você faz é fugir, Luca. Acha que não vejo isso? Acha que os outros não veem?

Aquelas palavras, aquelas acusações, eram pesadas demais. Luca sentia o coração apertar no peito, a respiração acelerada. Ele queria responder, queria justificar de alguma forma, mas sabia que qualquer palavra sairia vazia. Connor estava certo. Luca sempre fugia, sempre optava por se afastar, e agora estava sendo confrontado por esse fato. E era doloroso.

– Eu... eu não pedi por isso... – sua voz saiu fraca, um murmúrio quase inaudível. – Eu nunca pedi para ser secretário. Eu não sei se posso fazer isso. Eu só... só estou tentando... sobreviver. – Ele quase cuspiu as últimas palavras, sentindo-se mais pequeno a cada segundo.

Connor se aproximou um pouco mais, a expressão carregada de frustração e desdém.

– Sobreviver? Você chama isso de sobreviver? – Ele riu, uma risada amarga, cheia de desprezo. – Você vive no mundo dos que observam e não fazem nada. Mas, um dia, Luca, você vai ter que decidir. Vai ter que escolher entre agir ou fugir. E, quando esse dia chegar, não vai ser só sobre você. Vai afetar muita gente.

O peso das palavras de Connor parecia dobrar Luca. Ele se sentia esmagado. Sua mente era um caos, tentando processar tudo, tentando encontrar uma saída. Ele queria correr dali, se esconder, evitar esse confronto. Mas, desta vez, estava preso. E o pior de tudo: Connor estava certo.

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