XV - Complexo Responsável ( parte 1 )

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Luca saiu da sala de reuniões com passos firmes, mas o corpo todo parecia tenso. Sua mente estava uma confusão, com as palavras de Garett ecoando de forma desagradável, e as defesas de Felícia, por mais encorajadoras que fossem, não dissipavam o aperto no peito que ele sentia. A pressão parecia uma bola de neve incontrolável, crescendo a cada segundo, e ele sequer sabia como deveria reagir. "Será que eles esperam que eu já esteja à altura de tudo isso?", pensou enquanto caminhava pelo corredor, sentindo o peso dos olhares imaginários dos outros membros do conselho.

A sala parecia ficar cada vez mais distante, e a cabeça dele era um turbilhão de perguntas sem respostas. "Eu não pedi por isso... Não pedi para ser secretário, para lidar com brigas, disputas, e agora essa responsabilidade toda. Eu só estava... tentando fazer a coisa certa." O nó na garganta apertava, e Luca sentia como se estivesse perdendo o controle. Por que tudo parecia tão sufocante? Será que ele estava se tornando aquilo que menos queria?

"Não consigo ver o final dessa bola de neve... vai me esmagar antes que eu consiga fazer qualquer coisa."

O som de passos rápidos o tirou desses pensamentos sombrios. Felícia o alcançava, ainda carregando o semblante decidido que mantivera na reunião. Ao vê-la, Luca hesitou, parando abruptamente no corredor. Ela o alcançou rapidamente, o rosto marcado por uma mistura de preocupação e expectativa.

— Luca, espera.

Ele virou o rosto, quase forçando um sorriso educado, mas era óbvio que estava abalado.

— Achei que seria bom conversarmos logo — continuou Felícia, gentil, mas com a mesma firmeza de antes. — Sobre o que está por vir.

Luca soltou um suspiro, tentando processar tudo o que ela queria dizer, mas já sabendo que seria mais peso para carregar.

— Eu sei que tudo isso deve estar parecendo muito... as responsabilidades, as expectativas — Felícia começou, escolhendo as palavras com cuidado. — Mas essa é uma oportunidade única, Luca. Garett tem suas dúvidas, é claro, ela sempre foi assim, rígida, exigente. Mas ela também entende que você tem potencial. Ela não teria concordado com isso se achasse que você não poderia lidar. Eu acredito em você, e por isso estou aqui, para ajudar no que precisar.

Ele cruzou os braços, o olhar fixo no chão. As palavras de Felícia, por mais bem-intencionadas que fossem, soavam distantes naquele momento.

— Eu... — Luca começou, hesitando. — Eu só não sei se consigo lidar com isso tudo. Não pedi por essa responsabilidade. Nem sei se quero ser o secretário do conselho.

Felícia pareceu surpresa, como se não esperasse aquela reação. Ela parou por um momento, talvez para recalcular o que iria dizer.

— Luca, eu... pensei que você estivesse aceitando o papel. Eu sei que não é fácil, mas tudo o que aconteceu lá dentro... não foi em vão. Se você desistir agora, vai dar mais razões para Garett duvidar de mim. E de você.

A menção de Garett fez o estômago de Luca revirar. "Garett de novo", pensou. A pressão só parecia aumentar. Ele ergueu os olhos, finalmente encarando Felícia com uma expressão cansada, porém resoluta.

— Eu entendo, Felícia, mas... eu realmente não sei se posso fazer isso. Não agora. Tem muita coisa acontecendo. Eu mal consigo lidar com... com tudo isso. E eu nem pedi para estar aqui. — Sua voz soou mais baixa, mas carregada de frustração.

Felícia tentou interrompê-lo, sua expressão de surpresa se transformando em uma mistura de preocupação e urgência.

— Luca, espere. Não precisa se decidir agora, mas...

— Felícia — ele cortou, balançando a cabeça e respirando fundo. — Eu só não estou com cabeça para tudo isso no momento. Sinto muito. — Ele olhou para ela com um pesar genuíno nos olhos. — Eu não queria te colocar nessa posição. Sei que você está tentando me ajudar, mas eu simplesmente não consigo lidar com mais nada agora.

O corredor parecia mais longo do que nunca, e Luca sentiu que, se continuasse ali, seria afogado pelas palavras que ainda viriam. Felícia, no entanto, parecia prestes a insistir, mas ao ver a expressão dele, mordeu a própria língua, talvez percebendo que não havia muito mais o que dizer naquele momento.

Ele murmurou algo inaudível, talvez um pedido de desculpas silencioso, antes de se virar e seguir pelo corredor. As batidas rápidas de seus passos ecoaram nas paredes enquanto ele se afastava, deixando Felícia sozinha, com uma mistura de surpresa e frustração.

O caminho até sua sala parecia interminável, cada passo mais pesado que o anterior.

A conversa com Felícia deixava um peso crescente na mente de Luca, mas era algo além disso que começava a pressionar sua consciência. Ele tinha uma vaga lembrança de Connor, aquela figura problemática que havia sido mencionada várias vezes. O nome dele não parecia mais tão distante, após citarem Lemon na reunião

E então, como um filme que começa a rodar sem aviso, a memória de anos atrás tomou conta de seus pensamentos.

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Era um dia quente no pátio do anexo fundamental, durante o intervalo das aulas. Luca, no 9°Ano, costumava almoçar sozinho perto de uma das árvores no pátio lateral, observando o movimento à sua volta. Era uma rotina silenciosa, tranquila, e ele preferia assim. Mas naquele dia, algo chamou sua atenção. Ao longe, um pequeno grupo se formava em um canto do pátio. As vozes eram altas, carregadas de tom agressivo.

Luca, curioso, desviou o olhar de seu lanche e focou na cena. No centro da confusão, estava Connor, um aluno do 8°Ano, cercado por duas garotas e três garotos mais velhos. A princípio, parecia uma discussão qualquer, mas logo o cenário se revelou mais violento. As duas garotas estavam rindo, como se zombassem de Connor, enquanto os três garotos, maiores e mais fortes, começaram a agredir Connor

— "Vocês vão pagar!! Seus idiotas imundos!" — Connor gritava, tentando manter-se firme, mas sua voz era ofuscada pelas risadas e pelo barulho dos socos. Ele estava deitado no chão, tentando proteger a cabeça com os braços, mas não conseguia evitar os chutes e as ofensas.

O som dos risos e dos xingamentos ecoava no pátio. As garotas zombavam de Connor com desprezo, e os garotos o atacavam sem hesitar. Era uma cena de humilhação completa. Mas algo na postura de Connor, mesmo enquanto era espancado, sugeria uma teimosia feroz, como se, apesar da dor, ele se recusasse a ceder.

Luca, parado a certa distância, observava a cena com uma mistura de desconforto e hesitação. Ele sabia que aquilo estava errado, sabia que deveria intervir, mas algo o impedia de se mover. Talvez fosse o medo de se envolver, ou a incerteza sobre o que fazer. A sensação de estar desconectado da situação o dominava.

Foi nesse instante que os olhos de Connor encontraram os dele. Através do tumulto, em meio a golpes e humilhações, Connor conseguiu enxergar Luca, que estava do outro lado do pátio. Seus olhos transmitiam uma mistura de raiva, indignação e... expectativa? Era como se, por um breve momento, ele esperasse que Luca fizesse algo, que interferisse, que mudasse o curso daquela situação.

Mas Luca não fez nada. Ele apenas desviou o olhar, como se aquela cena não lhe pertencesse, como se fosse um mero espectador de uma peça cruel.

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A memória de Luca se dissolveu tão rapidamente quanto havia surgido. Ele piscou, de volta à realidade, sentado em sua carteira na sala de aula. A familiaridade da cena o atingiu como um golpe. Connor, espancado no pátio do fundamental, e agora, anos depois, uma cena quase idêntica no anexo médio. O mesmo padrão de violência, a mesma solidão nos olhos de Connor.

Luca olhou pela janela, o céu estava cinzento, refletindo a turbulência que ele sentia por dentro.

— "Não era só um déjà vu." — Ele pensou, sentindo o peso das memórias e a responsabilidade das escolhas que fizera ou não fizera, voltando à tona.

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