Heranças e Redemoinhos

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O mar estava calmo demais para o meu gosto. Como uma superfície de vidro, ele refletia o céu nublado sem qualquer ondulação, como se o tempo estivesse congelado. Algo naquela quietude me incomodava profundamente. Eu me aproximei da proa do navio, tentando afastar o desconforto, mas não conseguia. A sensação de que algo estava prestes a acontecer não me deixava.

- Isso não está certo - Murmurei para mim mesma, meus olhos varrendo o horizonte. Nenhuma brisa, nenhum movimento nas águas. Como se o próprio mar estivesse segurando o fôlego.

Luke apareceu ao meu lado, sempre calmo, mas ele também parecia sentir algo diferente.

- Luke, isso não parece bom. - Falei um pouco mais alto, virando-me para ele. O olhar dele era sério, o que não era um bom sinal. Se até Luke, que sempre mantinha a tranquilidade, estava preocupado, isso significava que estávamos com problemas.

Antes que ele pudesse responder, o navio inteiro tremeu. Um estrondo profundo, como se o próprio oceano estivesse rugindo, ecoou por todo o casco. Era um som de poder puro, de algo enorme se movendo nas profundezas. Meu coração disparou. Olhei rapidamente para a água e senti o pavor se arrastar por minha pele. O que eu temia estava acontecendo.

Um redemoinho colossal começou a se formar, puxando o navio com força. As águas, que antes estavam tão estranhamente calmas, agora se agitavam violentamente, como se fossem arrancadas para o centro daquele vórtice mortal.

- Lyra! - Gritei, virando-me rapidamente. - Vá para dentro, agora!

Ela me olhou por um segundo, hesitando, mas o medo em meu rosto pareceu convencê-la. Sem fazer mais perguntas, ela correu para o interior do navio. Eu queria segui-la, mas o navio balançava tanto que parecia prestes a se partir ao meio. Um terror que eu nunca havia sentido antes começou a se espalhar dentro de mim.

Eu mal tive tempo de me preparar quando algo gigantesco começou a surgir do redemoinho. Era uma criatura tão enorme e terrível que por um momento eu não consegui respirar. Era ela. Caríbdis.

Apenas ouvir histórias sobre ela já era o suficiente para gelar meu sangue. Agora, ela estava ali, diante de mim, maior e mais aterrorizante do que qualquer história poderia descrever. A forma monstruosa e grotesca dela parecia esculpida a partir das próprias águas, como se o oceano a tivesse criado para destruir qualquer coisa que ousasse cruzar seu caminho.

Ela me olhou, seus olhos cheios de fúria e... ódio? Eu senti isso no momento em que seu olhar encontrou o meu. Era um ódio pessoal, como se eu fosse o motivo de toda a raiva que ela acumulava.

- Então, você é a descendente de Poseidon. - Sua voz era grave e sombria, cheia de desprezo. - Achei que teria que esperar mais, mas aqui está você, pronta para ser destruída.

Minha mente ficou em branco por um momento.

- Descendente de Poseidon? Como ela podia saber? - Penso.

Não sabia de onde vinham essas palavras, mas o tom ameaçador dela não deixava dúvidas de que Caríbdis queria me destruir. E pelo jeito, tinha algo a ver com meu pai.

Eu mal conseguia processar o que ela havia dito antes de o navio balançar novamente, desta vez com mais força. O redemoinho estava crescendo, e Caríbdis estava jogando uma imensa quantidade de água contra nós. Como posso lutar contra isso? Eu não tinha ideia do que fazer. Nunca enfrentei algo assim.

Foi então que aconteceu.

Antes que eu percebesse, meus braços se ergueram por instinto, como se meu corpo soubesse o que fazer, mesmo que minha mente estivesse paralisada. A água que vinha em nossa direção... parou. Eu a parei.

Por um momento, fiquei completamente atordoada. Eu estava controlando a água. Como isso era possível? Eu nunca havia feito algo assim antes. Mas não tive tempo para ficar pensando.

- Luke! - gritei, tentando fazer minha voz soar firme, mas meu coração ainda estava acelerado. - Preciso de você! Agora!

Ele não precisou de mais instruções. Luke sempre foi rápido e ágil, e agora não era diferente. Ele correu pelo convés, desviando dos ataques de Caríbdis com uma habilidade que eu invejava. Enquanto ele mantinha a criatura distraída, eu tentava me concentrar no que eu estava fazendo.

A água... ela me ouvia. Eu não sabia como, mas sentia que tinha uma conexão com ela, algo profundo, algo que eu nunca havia experimentado antes. Era como se o mar fosse uma extensão do meu próprio corpo, respondendo aos meus comandos. A cada movimento que eu fazia, as ondas se moldavam conforme minha vontade. Era assustador e empolgante ao mesmo tempo.

Caríbdis soltou um rugido furioso quando percebeu que as águas estavam escapando do controle dela. Ela me odiava ainda mais agora.

- Você não vai me vencer, pequena semideusa! - Gritou, e uma nova onda imensa se formou em torno dela, pronta para nos engolir.

Mas eu não ia deixar isso acontecer. Eu fechei os olhos por um segundo, tentando sentir cada parte do oceano ao nosso redor. Era como se eu pudesse tocar o mar com minha mente, moldá-lo, direcioná-lo. E então, com um último movimento, levantei minhas mãos e senti a energia do mar crescendo dentro de mim. As águas responderam imediatamente, formando uma enorme parede líquida.

Com toda a minha força, eu a empurrei em direção a Caríbdis.

Ela não teve tempo de reagir.

A onda gigante colidiu com a criatura com uma força impressionante, jogando-a de volta para o redemoinho. O mar rugiu uma última vez antes de, lentamente, começar a se acalmar.

Eu caí de joelhos no convés, ofegante, meus braços tremendo. Estava exausta, mas o navio não estava mais em perigo. O mar, que antes estava furioso, agora estava tão calmo quanto no início. Olhei ao redor, tentando absorver o que havia acabado de acontecer. Eu... eu havia controlado o mar.

Luke se aproximou de mim, seu rosto uma mistura de surpresa e alívio.

- Ellen, você... você controlou a água. - Ele parecia tão atordoado quanto eu me sentia.

- Eu... não sei como fiz isso. - Admiti, ainda tentando processar tudo. Mas então me lembrei das palavras de Caríbdis. Meu pai. Esse poder era do meu pai. Eu tinha tantas perguntas, e as respostas estavam tão longe quanto o horizonte.

Antes que Luke pudesse dizer mais alguma coisa, uma voz sombria e familiar ecoou das profundezas.

- Isso não acabou, descendente de Poseidon... - A voz de Caríbdis soou distante, mas cheia de ódio. - Você pode ter me vencido agora, mas eu voltarei. E quando isso acontecer, você não terá chance alguma.

Um arrepio percorreu minha espinha. Ela não estava morta. Ferida, sim, mas não destruída. Caríbdis ainda estava lá embaixo, e ela estava com raiva. Não havia dúvida de que ela retornaria, e da próxima vez, estaria ainda mais determinada a me destruir.

Eu me levantei, os músculos do meu corpo ainda tremendo de cansaço, mas sabia que não podia abaixar a guarda. A batalha havia terminado, mas a guerra estava longe de acabar.

- Vamos nos preparar - Disse Luke, colocando a mão no meu ombro. Ele sempre sabia o que dizer, mesmo nas piores situações.

- Sim. - Respondi, com uma determinação renovada. - Isso foi só o começo.

O mar voltou à sua calma inquietante, mas algo havia mudado. Eu havia mudado. E agora, sabia que algo dentro de mim estava conectado a esse oceano. Não sabia o que isso significava exatamente, mas estava disposta a descobrir.

Caríbdis voltaria, e Eurynome estava por trás de tudo isso. Eu só precisava estar pronta para quando o próximo ataque viesse. Porque da próxima vez, não haveria espaço para dúvidas.

1261 palavras

Ellen Graves, Enigma do MarOnde histórias criam vida. Descubra agora