Alguns dias depois
A tensão entre Clarisse e eu estava no ar, pesada como o calor de uma tarde de verão. O campo de treino do Acampamento Meio-Sangue parecia ter parado no tempo, com todos os campistas ao redor prestando atenção na nossa troca de farpas. Ela me encarava com aqueles olhos ferozes, a expressão moldada pelo desprezo, e sua lança firmemente segura nas mãos.
— Não pense que só porque você é filha de um dos Três Grandes que é melhor ou mais poderosa que eu ou qualquer um aqui. — Clarisse disparou, a voz cortante e desafiadora.
Eu sabia que aquilo era uma armadilha, uma isca para me provocar. Mas não estava disposta a recuar. Meu sangue borbulhava nas veias, e eu não podia deixar barato.
— Pode ficar tranquila, Clarisse, o trabalho de ser arrogante já é todo seu. — Minha resposta veio acompanhada de um sorriso desafiador. Minha língua afiada sempre foi meu escudo, e naquela hora, foi a melhor defesa que encontrei.
O silêncio foi quebrado por risadinhas abafadas dos campistas ao redor. Clarisse apertou ainda mais o cabo de sua lança, seus dedos quase brancos pela força com que segurava. Por um momento, pensei que ela ia me acertar ali mesmo, mas ao invés disso, deu um grunhido de frustração e girou nos calcanhares, marchando para longe. Eu sabia que aquele não era o fim. Não com Clarisse. Ela sempre arranjava uma maneira de devolver na mesma moeda. Mas, por enquanto, sentia o doce gosto de uma pequena vitória.
— Se me dá licença, tenho que ir para uma reunião do conselho. — Digo sorrindo vitoriosa e me virando para ir até a Casa Grande
Chegando no conselho eu me senti em uma cadeira ao lado da que eu acho que seja a de Luke que está atrasado. Eu estava tentando fingir que não me sentia uma completa estranha ali, mas lá estava eu, sozinha, representando o chalé de Poseidon. Era um estranho paradoxo. Eu, filha de um dos Três Grandes, um dos deuses mais poderosos do Olimpo, e mesmo assim... completamente sozinha.
Olhei ao redor, vendo os outros campistas conversando entre si, trocando ideias, rindo. Eu, por outro lado, estava mergulhada em meus próprios pensamentos. Será que todos os filhos de Poseidon tinham vivido assim? Sozinhos, sem irmãos para dividir o fardo?
— Pelo visto, só Hades cumpriu o acordo de não ter muitos filhos... — murmurei para mim mesma, soltando uma risada nervosa.
Alguns campistas ao meu redor me lançaram olhares curiosos, mas ninguém riu. Fazer piada com os Três Grandes não era exatamente algo que se fazia no Acampamento. Ou talvez eu só não tivesse jeito para quebrar o gelo. De qualquer forma, o peso daquela responsabilidade de ser filha de Poseidon parecia ainda maior naquele momento.
Q.D.T ~
Mais tarde, voltei ao chalé de Hermes, o lugar onde eu havia estado desde que chegara ao acampamento. Estava finalmente arrumando minhas coisas para me mudar para o chalé de Poseidon. A ideia de ter meu próprio espaço parecia ótima em teoria, mas na prática... eu me sentia um pouco ansiosa. O chalé de Hermes era um caos, sim, mas era um doce caos cheio de vida. Sempre havia alguém correndo, gritando ou pregando peças, e de certa forma, isso fazia eu me sentir parte de algo.
— Ah, não sei como a Thalia aguenta. — Comentei, enquanto empacotava minhas roupas, dobrando uma camiseta e jogando-a dentro da mala.
Luke estava comigo, me ajudando a empacotar e, como sempre, tentando me animar. Ele sorriu e me deu uma cotovelada leve no ombro.
— Você vai se acostumar. — Disse ele, e por um breve momento, a melancolia dentro de mim se dissipou um pouco.
Antes que eu pudesse responder, ouvi o som de passos apressados. Travis e Connor, os gêmeos Stoll, vieram correndo até nós. Os dois pararam bruscamente na minha frente, ofegantes e com expressões que pareciam desesperadas.
— Você vai mesmo embora? — Travis perguntou, os olhos arregalados como se eu estivesse cometendo algum tipo de traição.
— Vamos sentir sua faltaaaa! — Connor completou, prolongando o "A" de maneira dramática, fazendo aquela clássica cara de cachorro abandonado que eles sabiam que era impossível de resistir.
Suspirei, sorrindo para eles. Aqueles dois eram mestres em me fazer sentir culpada.
— Meninos, vocês sabem que sempre podem me visitar. Vamos continuar sendo amigos, não é, Luke? — olhei para Luke em busca de apoio, e ele assentiu imediatamente.
— Com certeza. — Luke respondeu com firmeza. Então, ele se virou para os gêmeos, com um olhar ligeiramente autoritário. — Agora, seus pestinhas, não deviam estar no treino de arco e flecha?
— Ops! — Disseram os dois em uníssono, com os olhos arregalados, e em segundos, saíram correndo na direção do campo de treinamento.
Eu ri. Aquelas duas pestes tinham o dom de fazer qualquer situação parecer menos séria.
Terminamos de arrumar minha mala e Luke me acompanha até o chalé, antes de sair ele beija minha testa e diz:
— Te vejo mais tarde, pequena?
— Óbvio. Não vai se livrar de mim tão fácil. — Digo arrancando um risada baixa dele.
O vejo sair e aceno levemente para ele da porta antes de fechá-la.
Mas o que parecia uma boa perspectiva — ter meu próprio chalé, minha própria paz — começou a se revelar o oposto quando finalmente cheguei ao chalé de Poseidon. O silêncio era gritante. Diferente do caos barulhento do chalé de Hermes, o chalé de Poseidon era... vazio. Claro, era impressionante, com seus detalhes marítimos, conchas espalhadas pelo chão, paredes que pareciam refletir a luz do sol nas águas do oceano. Havia até o cheiro sutil de sal no ar, como se estivesse na praia. Mas, mesmo assim, a sensação de isolamento era inescapável.
Tentei me ocupar. Primeiro, desarrumei minhas malas, organizando as roupas nos armários. Depois, passei um tempo observando um mural mágico que exibia imagens do oceano, as ondas quebrando nas rochas em um ciclo constante. Mas nada parecia preencher o vazio.
Sentada na beirada da cama, suspirei profundamente. Talvez fosse isso ser filha de Poseidon. Um fardo de solidão que vinha com o poder. Um peso que eu teria que carregar sozinha.
Mas não hoje. Levantei-me de um salto, pegando meu casaco e saindo do chalé sem olhar para trás. Eu sabia exatamente o que precisava fazer. Precisava de movimento, de energia, de companhia.
Caminhei até o campo de treinamento, e lá estava Luke, praticando com os outros campistas. Quando ele me viu se aproximar, sorriu. Parecia já saber que eu não ia durar muito tempo sozinha no chalé. Provavelmente devia ter ouvido Thalia reclamar por dias.
— Afim de treinar, pequena?— ele perguntou, jogando-me uma espada de treino.
Peguei a espada no ar com um sorriso.
— Sempre. — respondi, sentindo uma onda de alívio.
Treinar com Luke não resolveria o problema da solidão a longo prazo, mas por enquanto, era o suficiente. Eu não precisava enfrentar tudo sozinha. Não ainda.
1144 palavras
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Ellen Graves, Enigma do Mar
Aventura1° história da coleção "Ellen Graves" Verão ☀️ Profecia: Quando a lua cheia ascender no céu, Três destinos nas ondas irão se encontrar. A filha do mar, destemida e sábia, Parte em busca da deusa aprisionada. Nas sombras de um amor antigo e traiçoeir...