Cicatrizes do Passado

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Penetrando fundo, e o brilho intenso nos olhos de Eurínome vacilou. Um grito de fúria e dor ecoou pela caverna, reverberando como uma tempestade ao nosso redor. A deusa tentou se manter firme, mas seu corpo começou a perder a consistência, como se estivesse se desintegrando aos poucos.

Eu me levantei, ofegante, e troquei um olhar com Luke, que ainda segurava a espada com as mãos trêmulas. Ele estava ferido, mas o fogo nos seus olhos mostrava que ele estava longe de desistir. Eurínome, por outro lado, começava a se desmanchar como neblina ao sol, a expressão de fúria se transformando em incredulidade. O peso do confronto estava começando a se dissolver no ar ao nosso redor, mas a batalha interna ainda não havia terminado.

— Isso não acaba aqui... — Sussurrou ela, e sua voz parecia mais fraca, como um eco distante. — Vocês venceram por agora, mas os mares ainda pertencem a mim...

A sombra de Eurínome desapareceu, e o ar na caverna ficou mais leve, quase como se a própria caverna suspirasse de alívio. Luke e eu caímos de joelhos, exaustos, mas vivos. O silêncio se seguiu, pesado e espesso. Naquele momento, percebi que não estávamos apenas lutando contra uma deusa, mas contra as cicatrizes de um passado que ecoava através do tempo.

Ouvi passos leves se aproximando. Era Lyra, com um sorriso cansado, mas cheio de alívio.

— Conseguimos — Ela disse, seu olhar radiante apesar da exaustão que a envolvia. Mas eu não conseguia deixar de pensar nas palavras de Eurínome. Havia algo mais naquela raiva, algo que parecia muito além de simples vingança. Como se a deusa estivesse ferida, mas não só fisicamente.

— E agora? — Perguntei, tentando manter a esperança viva.

— Não sei — disse Luke, ofegante. — Mas precisamos ter cuidado. Eurínome pode retornar.

Olhei para o céu visível na abertura da caverna e vi a lua cheia, ainda nos iluminando com sua luz prateada. Parecia uma benção silenciosa, um lembrete de que, mesmo diante do impossível, ainda podíamos lutar. Mas o olhar de Luke me fez lembrar que a batalha não era apenas física; havia questões emocionais que precisávamos enfrentar.

Olhando para a forma dissipante de Eurínome, uma ideia começou a se formar em minha mente. O que se passava na cabeça dela? Quais traumas a tornaram assim? Não podia simplesmente deixá-la se desfazer sem tentar entender.

Antes que eu pudesse pensar melhor, a voz de Eurínome ecoou novamente, mas desta vez ela não estava em nossa frente. Era como se estivesse vindo de dentro de mim, da minha própria mente.

— Vocês acham que entenderam a dor que carrego? — A voz dela era cheia de amargura. — Poseidon me abandonou, e a raiva que sinto é a única coisa que me mantém viva. Ele nunca me respeitou. E vocês esperam que eu aceite isso?

Senti um arrepio. O ressentimento em sua voz fez o frio se espalhar pela caverna. Um eco de decepção — mas não apenas isso. Um pedido de ajuda. Era um grito desesperado de alguém que não sabia como lidar com sua dor.

— Eu sei que ele te machucou, Eurínome — disse eu, me aproximando. Luke tentou me puxar de volta, mas eu continuei. — Eu... também me machuco às vezes.

O olhar de Eurínome se tornou intenso, seus olhos escuros como abismos. Uma mistura de confusão e raiva. Eu não tinha certeza do que estava fazendo, mas uma parte de mim sabia que precisava tentar.

— A culpa não é de Anfitrite. Ela também está presa — Disse eu, forçando as palavras para fora. — Você... é uma deusa tão poderosa. Merece algo melhor do que guardar ressentimentos. Você pode libertar Anfitrite. Prove que é mais forte do que ele.

A hesitação era palpável. A energia na caverna parecia mudar, tornando-se mais pesada e intensa. Eurínome, por um breve momento, parecia vulnerável. As emoções conflitantes em seu rosto me fizeram perceber que ela também era uma vítima, não apenas uma vilã.

Luke, ainda tenso, se colocou entre nós, a espada levantada.

— Isso é uma péssima ideia, Ellen. Ela pode te atacar de novo! — Ele protestou, seu olhar fixo em Eurínome, transbordando preocupação e medo.

Mas Eurínome apenas balançou a cabeça, como se tivesse tomado uma decisão. Seu rosto estava sombrio, mas havia algo mais ali. Uma centelha de esperança.

— Vou libertá-la... por enquanto. E quando a próxima lua cheia chegar, sua escolha será a única que restará para você, filha de Poseidon — Disse ela, seu tom agora mais sério, como se estivesse fazendo uma promessa que pesaria em seu coração.

Antes que eu pudesse responder, ela ergueu as mãos, e uma onda de energia atravessou a caverna. Em um instante, uma figura irrompeu da escuridão — Anfitrite, com sua aura marinha e cabelos prateados, surgiu diante de nós. Ela parecia fraca, mas a determinação em seu olhar era inegável.

Lyra e eu nos apressamos para explicar o que tinha acontecido. O que Eurínome havia revelado, a dor que a consumia. Anfitrite ouviu tudo em silêncio, absorvendo cada palavra.

— Falarei com Poseidon. Chegou a hora de acertarmos as contas — Disse ela, seu olhar firme, antes de desaparecer em uma explosão de bolhas prateadas.

Quando o silêncio voltou a tomar conta, senti que havíamos conseguido uma vitória maior do que qualquer batalha. Olhei para Luke e Lyra, que pareciam tão exaustos quanto eu, mas também aliviados. Tínhamos enfrentado uma deusa e, de alguma forma, encontrado um caminho para a redenção.

— Precisamos voltar — Disse Luke, ainda tenso, mas a luz em seus olhos agora tinha um toque de esperança. — O Acampamento Meio-Sangue precisa saber o que aconteceu.

Concordei, sabendo que a jornada de volta não seria fácil. A caverna estava agora cheia de sombras, mas também de promessas. Havíamos quebrado um ciclo de dor, mesmo que apenas temporariamente.

Enquanto caminhávamos de volta, a realidade do que tínhamos enfrentado se estabelecia em minha mente. Não éramos apenas crianças enfrentando forças além de nós; éramos portadores de legados, confrontando a dor que nossos pais deixaram. Tínhamos que lidar com a bagagem emocional que não nos pertencia, mas que carregávamos como se fosse nossa.

— O que você acha que acontecerá agora? — Perguntei a Luke, tentando quebrar o silêncio.

Ele olhou para o chão por um momento antes de responder.

— Espero que Anfitrite e Poseidon possam encontrar um jeito de resolver isso. E espero que Eurínome também encontre paz. Ninguém deveria viver assim, guardando ressentimentos eternamente.

Suas palavras ressoaram dentro de mim. O peso do que Eurínome havia dito ecoava em minha mente. Eu me perguntava se um dia poderia fazer a mesma escolha que ela, escolher entre a raiva e a paz.

Quando finalmente chegamos ao Acampamento Meio-Sangue, a noite estava tranquila, mas havia uma tensão palpável no ar. Nossos amigos nos encontraram, preocupados, e as perguntas começaram a surgir. Contamos nossa história, não omitindo nada. Falamos sobre Eurínome, sua dor, sua raiva e a revelação de Anfitrite.

Ali, sob a luz da lua cheia, sabia que a batalha estava longe de acabar. Mas havia algo diferente em nós. Havia um entendimento profundo, uma empatia que não apenas nos unia, mas também nos preparava para enfrentar os desafios que ainda viriam. Estávamos prontos para lutar, não pelos deuses, mas também por nós.

1200 palavras

Ellen Graves, Enigma do MarOnde histórias criam vida. Descubra agora