POV Ellen
As ondas do mar batiam suavemente contra o casco do barco, um som ritmado que normalmente me trazia calma. Mas hoje, aquela serenidade parecia impossível de alcançar. A imagem de Luke desaparecendo nas águas ainda pesava sobre mim como uma âncora. A culpa se misturava com o medo e a dúvida, e eu me perguntava repetidamente se, de alguma forma, poderia ter feito algo diferente.
- Você está pensando nele de novo, não está? - A voz de Lyra me tirou dos meus pensamentos sombrios.
Eu olhei para a pequena sátira no leme, com seus olhos sempre brilhando, como se nada no mundo pudesse realmente afetá-la. Como ela conseguia ser tão despreocupada, tão leve, enquanto eu estava afundando na minha própria mente?
- Luke vai voltar, - Ela disse com uma confiança que eu não compartilhava. - Ele é teimoso, você sabe disso. Enquanto isso, temos comida e um porto pela frente. Quem sabe o que vamos encontrar? - Ela sorriu, esperançosa.
Eu queria compartilhar daquela esperança, mas era difícil. Tudo o que eu conseguia pensar era em como falhei com ele - e em como eu estava falhando comigo mesma. Desde que o poder de Poseidon despertou em mim, senti que não conseguia controlá-lo totalmente. E quanto mais tempo passava, mais insegura eu me tornava em relação a ele.
O porto apareceu no horizonte, e embora estivesse em busca de suprimentos, algo naquele lugar me deixava desconfortável. Era calmo demais. Quase quieto. As poucas pessoas que víamos não estavam ocupadas com suas tarefas cotidianas como seria normal. Havia uma tensão no ar, como se todos estivessem esperando por algo. Ou fugindo de algo.
- Tem algo estranho aqui. - Murmurei, minha mão instintivamente tocando meu bracelete que logo vira duas adagas. Eu preferia lutar com armas normais, qualquer coisa além do meu poder sobre a água. Isso eu entendia. A água, não.
- Você se preocupa demais, - Lyra disse com uma risada, já descendo do barco com sua graça peculiar, ou melhor, a falta dela. - Vamos pegar o que precisamos e sair.
Nós caminhamos pela pequena vila em silêncio, os passos de Lyra ecoando nos becos quase vazios, Lyra observava a fonte no centro na vila. O desconforto não desaparecia, mas eu tentei ignorá-lo, mantendo meus olhos atentos ao redor. Foi então que o ar ao nosso redor pareceu congelar por um segundo - e um rugido estrondoso cortou o silêncio.
Era um som tão profundo que parecia ressoar nos ossos, fazendo tudo tremer ao redor. Me virei instintivamente na direção do ruído e, emergindo de uma viela escura, uma criatura gigantesca se revelou. Sua pele dourada brilhava sob o sol, impenetrável e reluzente, e seus olhos selvagens nos observavam com fome. O Leão de Nemeia.
- Ah, não... - Lyra murmurou ao meu lado, com a voz trêmula de medo. Ela pegou seu arco, suas mãos tremendo enquanto tentava preparar uma flecha.
Mas sabíamos que, contra essa fera, flechas seriam inúteis. A lenda dizia que a pele do Leão de Nemeia era impenetrável a qualquer arma mortal. Nem mesmo Hércules, o maior herói da Grécia, havia conseguido feri-lo com espadas ou lanças.
Mas eu não era Hércules. Eu era Ellen, e tudo o que eu sabia era que, naquele momento, dependia de mim parar essa criatura.
Meus dedos se apertaram em volta do cabo das adagas que eu carregava em cada mão - uma arma simples, que já havia me salvado de muitas batalhas. Eu sentia o peso do poder de Poseidon pulsando dentro de mim, pedindo para ser usado, mas a ideia de me render àquele poder, de novo, me apavorava. Eu não queria depender da água. Não queria depender de algo que eu não controlava completamente. Não dessa vez.
Com um grito, avancei contra o leão, seguro a faca em posição de ataque e ataco com todas as forças. O golpe acertou seu flanco, mas como eu temia, a lâmina apenas ricocheteou de sua pele dourada. O leão rugiu em resposta, seu olhar furioso se voltando diretamente para mim. Num movimento rápido demais para o seu tamanho, ele me lançou ao chão com uma patada, fazendo minha espada voar para longe.
- O que você tá fazendo, Ellen?! Armas não vão funcionar! - Lyra gritou desesperada, suas flechas ricocheteando inofensivamente da pele da fera.
Me levantei cambaleante, o corpo dolorido. Eu não queria aceitar, mas ela tinha razão. Nenhuma arma mortal conseguiria derrubar aquela criatura. Eu sentia a água ao meu redor, a fonte no meio da praça pulsando como uma presença viva, uma força bruta que poderia me ajudar. Mas usar o poder de Poseidon significava me render àquilo que eu temia. E se eu perdesse o controle? E se eu falhasse, como falhei com Luke?
- Vamos correr! - Gritou Lyra, já dando alguns passos para trás, tentando desesperadamente se afastar do monstro que agora nos cercava.
Fugir era inútil. Eu sabia que o leão nos alcançaria em questão de segundos, e não havia lugar para onde correr. Cada fibra do meu corpo gritava para lutar, para fazer algo. Mas o quê?
O Leão de Nemeia rugiu novamente, um som que fez o chão tremer sob meus pés. Ele se preparou para atacar, suas garras afiadas prontas para dilacerar tudo à sua frente. Eu só tinha uma escolha, e odiava cada segundo dela.
Eu estendi as mãos para a fonte, sentindo a água responder instantaneamente. Era como tocar algo vivo - a força bruta do oceano, selvagem e incontrolável, correndo pelos meus dedos. Eu puxei a água em um movimento rápido, formando uma serpente líquida que se enrolou ao redor do leão. A criatura se debateu, tentando se libertar, mas eu mantive o controle, canalizando toda a minha energia para manter a água firme.
Com um último esforço, usei a água para erguer o leão e o lançar para o mar. Ele foi arremessado pelos ares, rugindo em fúria, antes de ser engolido pelas ondas. Fiquei de joelhos, exausta, o corpo inteiro tremendo. O poder de Poseidon ainda vibrava em minhas veias, como se me lembrasse de que estava ali, sempre presente, sempre pronto para me consumir.
- Você fez isso! - Lyra correu até mim, ajudando-me a levantar. - Você conseguiu, Ellen! Isso foi incrível!
Eu não respondi. O medo ainda estava lá, aninhado no fundo da minha mente. Sim, eu tinha vencido. Mas a que custo? Toda vez que eu usava o poder de Poseidon, sentia que estava perdendo um pouco de mim mesma, deixando o oceano me engolir.
Tentando afastar esses pensamentos, voltei ao barco com Lyra. Mas, ao olhar para as águas ao longe, meu coração congelou.
Flutuando em uma pequena embarcação de madeira, quase imóvel, estava Luke.
- L-Luke? - Minha voz saiu fraca, e eu corri para o convés, sentindo o desespero crescer dentro de mim.
- Luke! - Gritei com tudo o que tinha.
1131 palavras
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Ellen Graves, Enigma do Mar
Adventure1° história da coleção "Ellen Graves" Verão ☀️ Profecia: Quando a lua cheia ascender no céu, Três destinos nas ondas irão se encontrar. A filha do mar, destemida e sábia, Parte em busca da deusa aprisionada. Nas sombras de um amor antigo e traiçoeir...